O
livro “África Lusófona – Além da Independência”, lançado pela Editora da
USP (Edusp) em tradução para o português, é um estudo sobre a produção cultural
contemporânea da África de língua oficial portuguesa, realizado por um dos
maiores especialistas dos Estados Unidos na área, o professor Fernando Arenas,
da Universidade de Michigan.
O
objetivo da pesquisa é apresentar, como diz o autor na introdução, “uma visão
caleidoscópica” dos cinco países africanos lusófonos (Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), moldada por fenômenos
associados ao pós-colonialismo e à globalização, por meio de um prisma
multidisciplinar que abrange a música popular, o cinema e a literatura.
Segundo
o autor, esses países coexistem sob dinâmicas que vários críticos têm descrito
por meio de conceitos como “neocolonialismo”, “recolonização”, “colonialismo
interno”, “dependência econômica” e “colonialidade do poder”, termos estes que
impactam os países e são refletidos na sua produção cultural.
O
autor dá como exemplo um conto da coletânea Sim, Camarada!, de Manuel Rui,
publicada durante os primeiros anos da independência de Angola, intitulado O
Relógio. O texto trata da história de um relógio, contada para crianças por um
comandante inválido do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), em um
vilarejo à beira-mar, não muito tempo depois da guerra de libertação. Segundo
Arenas, a história é uma lição alegórica sobre capitalismo e colonialismo.
“No
final feliz, os jovens pioneiros recuperam o relógio lutando contra os soldados
zairenses que colaboravam com o movimento rival FNLA (Frente Nacional de
Libertação de Angola), em Luanda, na época da independência”, escreve Arenas.
“As crianças tornam-se coautores da ‘narração em mudança da própria nação’, na
medida em que a história ganha vida com um sentido de esperança e perdão.”
Para
Arenas, a riqueza multifacetada da alegoria do relógio suíço, que detalha o
modo de produção do capitalismo global, remete ao caráter periférico e também
subalterno de Portugal e seu império colonial, além de sugerir a condição
duplamente subalterna de Angola e de outras antigas colônias portuguesas na
África, sobretudo logo após a independência. Essa alegoria ressalta também –
continua Arenas – os sinais nascentes de corrupção nessa conjuntura,
tornando-se endêmica em muitos países africanos desde o colonialismo, de tal
forma que dificulta as tentativas de construir uma democracia genuína e
alcançar a justiça socioeconômica.
Produção cultural
“África
Lusófona” se divide em quatro capítulos: “Interconexões africanas,
portuguesas e brasileiras”, que traz “um quadro de referência crítica, com
coordenadas históricas, geopolíticas, discursivas e culturais para entender o
surgimento e o desenvolvimento das nações africanas lusófonas dentro do
contexto mais amplo do mundo de língua portuguesa e em relação a Portugal e ao
Brasil”, como se lê na apresentação do livro, assinada por Fabiana Carelli e
Mário César Lugarinho, “Cesária Évora e a globalização da música cabo-verdiana”,
“África lusófona nas telas: depois da utopia e antes do fim da esperança” e
“Literatura angolana após a independência e sob a sombra da guerra”.
Para
Arenas, a música popular, o cinema e a literatura são meios de expressão
poderosos, que, no caso da África, continuam a ser espaços-chave de comentário
social. “Na era pós-marxista, o cinema continua a proporcionar uma plataforma
para investigação das consequências da guerra civil, das vicissitudes da nação
e do horizonte de potencial nas vidas captadas na tela, por meio de filmes de
Flora Gomes, Licínio Azevedo, Zezé Gamboa e Maria João Ganga”, relata.
O
autor também afirma que desde a independência a literatura na África continua a
ser um bastião de consciência crítica face às persistentes desigualdades socioeconômicas
e expectativas políticas não cumpridas, citando escritores angolanos como
Manuel Rui, Pepetela e Ondjaki, que documentam essa situação de variadas formas
e com extrema pungência. Ainda fala da música cabo-verdiana, que, a partir de
Cesária Évora e da nova geração de artistas, atraiu a atenção mundial, trazendo
prestígio a essa pequena nação da África, com efeitos positivos na cultura e na
economia do país.
“África
Lusófona tem como objetivo levar as discussões para além dos relatos heroicos das
lutas de libertação e para além das abordagens acríticas e excessivamente
cuidadosas em torno das elites políticas de países como Angola e Moçambique,
que têm predominado nas ciências humanas, sobretudo no campo dos estudos
literários”, destaca Arenas ao Jornal da USP. In “Mundo
Lusíada” – Brasil com “Jornal
USP”
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