O conflito na Catalunha vem de uma aspiração de séculos
que, aos interesses de Castela, em prol de uma certa Espanha, se adia sem termo
e em contínua agonia.
Bravo
povo de Portugal que pôde alcançar a sua soberania e mantê-la, mas bravo povo,
também, o da Catalunha que, depois de tanto tempo submisso a um poder distante,
não perdeu a sua língua, não deixou de definir a sua cultura e identidade,
nunca desconheceu o seu sonho e seu mito.
Leio
na Imprensa portuguesa uma mentira acerca dos escritores catalães que terão
deixado de usar a língua. De Antònia Vincens ou Joan Margarit até Sebastiá
Portell i Clar, para citar apenas alguns vivos e brilhantes, não só usam o
catalão como o inscrevem no esplendor literário da Península Ibérica.
Atentar
no desejo de autodeterminação da Catalunha não é fazer oposição a Espanha, é
ponderar a legitimidade de os povos se reconhecerem como pertença a quem querem
pertencer, não exatamente pela inimizade com outros mas pela união que os
caracteriza, como se houvesse uma circunscrição emotiva, afetiva, contra a qual
não querem e não podem lutar. O mesmo em relação a Portugal. Ninguém nos tirará
desta grande e amada Ibéria, feita de povos tão distintos quanto irmanados que
se devem orgulhar, a um só coração, de Cervantes e Camões, Machado e Picasso,
Miró e Pessoa, de Falla e Amália, Brossa e Paula Rego ou Graça Morais.
A
gestão dos conflitos pelos governos em exercício impõe maior prudência do que
aquela que se verifica em Espanha com o caso de Barcelona. Apenas por
ingenuidade se poderia achar que os grupos independentistas, sobretudo
organizados e energizados depois do boicotado referendo de 2016, não teriam já
produzido os seus radicais. Estes podem criar-nos sentimentos dúbios em relação
à questão, no entanto, contra toda a folia legalista, o ponto fulcral está no
que comecei por dizer, que esta é uma aspiração de muitos séculos e não parece
caducar. O único modo pacífico, manifesto de grandeza humana, de ultrapassar ao
menos por umas gerações o impasse é perguntar à população sua vontade livre,
informada. Essa vontade tão inteligente quanto emocional que usamos sempre que
está em causa algo mais complexo do que aproveitar mais ou menos de uma
qualquer condição. Porque ser português também é essencialmente uma
contingência orgulhosa, e acredito muito que o queiramos continuar a ser ainda
que nos acenem com uma oportunidade de ganhar algo se vendermos a identidade ao
vizinho. É só isso que se torna essencial perguntar. Com maiores ou menores
riscos, o que querem os catalães? Alguém pode garantir uma resposta sem o
sufrágio de um pleno, limpo, referendo?
O
que querem os vários povos até hoje chamados de espanhóis? Podemos nós,
portugueses, duvidar da legitimidade de colocar esta pergunta? Não é algo a que
estamos respondendo com 800 anos de história? Valter Hugo Mãe – Portugal in "Jornal
de Notícias"
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