Artigo que relata descoberta científica inovadora foi
publicado no Scientific Reports Nature, veículo de comunicação dos mesmos
editores da revista Nature
A
cera de ouvido é um fluído biológico com a função de proteger os órgãos do
sistema auditivo. Apesar da missão nobre, o material produzido pelas glândulas
apócrinas costuma ser menosprezado pelas pessoas. Um estudo realizado no Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames),
ligado ao Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal de Goiás (UFG),
pode dar à secreção, também chamada de cerume, um status mais nobre. A pesquisa
concluiu que o exame clínico da cera de ouvido pode levar à detecção de doenças
como câncer em diferentes estágios.
O
grupo de cientistas envolvido na pesquisa ressalta que a grande inovação do
trabalho está no fato de descobrir que a cera de ouvido contém o histórico do
metabolismo de seres humanos que pode dizer se o indivíduo está doente ou
saudável. Os detalhes do estudo estão no artigo científico Cerumenogram: a new frontier in
cancer diagnosis in humans, publicado no Scientific
Reports Nature, veículo de comunicação dos mesmos editores da revista
Nature, de elevado fator de impacto na comunidade científica mundial.
A
equipe de pesquisadores do Lames, liderada por Nelson Roberto Antoniosi Filho,
tem a tradição de trabalhar com resíduos e rejeitos que geralmente não são
valorizados. Já foram feitos estudos bem sucedidos com borra de café, sobras da indústria
alimentícia, sobras da indústrias têxtil e
automobilística, dentre outros. Houve o entendimento de que a cera de ouvido se
enquadra nesse perfil por não ser muito utilizada do ponto de vista bioquímico.
O
professor Antoniosi teve a ideia de investigar a cera de ouvida há mais de 20
anos, mas não conseguiu levar adiante devido à falta de tecnologia necessária.
O cerume não foi uma escolha aleatória. "Por ser uma secreção, o cerume
conta a história do metabolismo. Como o câncer é um processo metabólico um pouco
diferenciado daquele que ocorre em células saudáveis, talvez haja a produção de
substâncias diferentes das de um organismo saudável. Também pode ocorrer o
aumento, redução ou até o desaparecimento dessas substâncias, que podem ser
eliminadas na urina, no sangue, no suor, saliva ou no hálito, mas como esses
meios já foram explorados por outros pesquisadores para diferentes situações,
optou-se pela cera de ouvido", esclarece o cientista.
Pouco invasivo e rápido
O
exame é feito a partir da coleta da cera de ouvido no laboratório com uma
cureta. A amostra fica armazenada em um recipiente, que a isola do meio
exterior, e é mantida a menos 20 graus Celsius (- 20⁰ C) até se fazer a
análise. Se o exame for feito imediatamente não há a necessidade desta
refrigeração. Na sequência, o material colocado em um frasco, que é selado e
colocado em um compartimento sob aquecimento.
O
aquecimento faz com que os compostos voláteis da cera de ouvido passem para a
fase de vapor a qual é recolhida depois por uma seringa e introduzida dentro do
equipamento (cromatógrafo a gás), no qual as substâncias são separadas e chegam
a um outro aparelho (espectrômetro de massas), que revela quais são as
substâncias presentes no material. É possível obter um perfil das substâncias
presentes em indivíduos que têm câncer e em indivíduos que são sadios.
"Nós
observamos que esses perfis são distintos e com base nessas diferenças
conseguimos montar um banco de dados e dizer se uma pessoa está ou não com
câncer, inclusive quando se encontram em estágios iniciais. O que é importante,
já que há maiores chances de cura quando a doença é diagnosticada no começo",
expõe Nelson Antoniosi.
Durante
a realização da pesquisa, foram analisadas amostras de 50 indivíduos saudáveis
e 52 com câncer, sendo 21 carcinomas, 4 sarcomas acompanhados de carcinomas, 10
leucemias, 11 linfomas, 3 mielomas com leucemia e 3 tumores do sistema nervoso
central acompanhados de carcinomas.
O
processo todo permite que em cinco horas seja verificado se o paciente tem ou
não câncer. A análise pode ser feita em até sete dias a partir da data da
coleta. "É bastante vantajoso, pois além de não ser invasivo, praticamente
todas as universidades brasileiras possuem a tecnologia adequada e a
instrumentação necessária para se fazer esse tipo de análise", pontua.
Para
o professor, a cera de ouvido tem se mostrado ser o melhor meio para fazer o
diagnóstico de câncer por ser um material que contém, em uma pequena quantidade
de amostra, uma elevada concentração de substâncias de interesse. "A
análise do cerume consegue identificar 158 substâncias metabólicas. Dessas, 27
discriminam a ocorrência de câncer".
Os
resultados chamam a atenção da comunidade científica para a continuidade dos
estudos. Em Goiás, o Hospital Araujo Jorge deverá firmar parceria com a UFG
para a ampliação dos estudos. Em São Paulo, por solicitação do médico Luiz
Juliano Neto, o hospital A.C.Camargo, referência internacional no tratamento e
na pesquisa do câncer, também deseja firmar parceria em pesquisa com a UFG. Uma
das maiores autoridades mundiais em câncer de cabeça e pescoço, o oncologista
Luiz Paulo Kowalski, também do A.C.Camargo, demonstrou grande interesse em
contribuir com as pesquisas, por meio da coleta de material e validação dos
resultados em pacientes já diagnosticados.
Financiamento
O
Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames) é financiado por um
conjunto de instituições de incentivo à pesquisa tais como Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Apoio à
Pesquisa da UFG (Funape) e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC).
Ao
todo são R$ 46 milhões investidos por agências ligadas aos governos federal e
estadual. "Nós ainda atendemos a empresas farmacêuticas e da área de
combustíveis. O Lames tem se tornado um laboratório autossuficiente do ponto de
vista financeiro. Essa pesquisa em especial faz parte de um projeto do CNPq,
que concede a minha bolsa de pesquisador, e de um projeto da Capes que concedeu
bolsas a pesquisadores e pós-graduandos", detalha.
Time UFG
O
artigo publicado no Scientific Reports Nature tem como primeiro autor o
doutorando do Lames, João Marcos Gonçalves Barbosa. O grupo é composto por mais
oito membros como Naiara Zedes Pereira (Lames/IQ/UFG), Lurian Caetano David
(Lames/IQ/UFG), Camilla Gabriela de Oliveira (Hospital das Clínicas - HC/UFG),
Marina Ferraz Gontijo Soares (HC/UFG), Melissa Ameloti Gomes Avelino (HC/UFG),
Anselmo Elcana de Oliveira (IQ/UFG), Engy Shokry (Lames/IQ/UFG) e Nelson
Roberto Antoniosi Filho (Lames/IQ/UFG). A farmacêutica Engy Shokry é a única
que atualmente está fora da UFG, fazendo pesquisa fora do País.
O
texto do artigo científico destaca que o câncer é a doença mais letal do mundo
e que o desenvolvimento de novas formas de diagnóstico pode ajudar a reduzir
essa mortalidade e elevar as chances de cura. Por isso a importância de se
utilizar a cera de ouvido como uma nova biomatriz. Amostras de cerume foram
coletadas de pacientes com câncer (grupo de câncer) e sem câncer (grupo de
controle) e analisadas com a utilização de cromatógrafo a gás acoplado a
espectrômetro de massas.
A
indicação dos pesquisadores é de que o cerumenograma, nome dado à análise do
cerume, venha a ser um exame rotineiro empregado no diagnóstico do câncer por
ser não invasivo, rápido, de baixo custo e alta precisão. Versanna Carvalho –
Brasil In “Jornal da Universidade Federal de Goiás”
Confira
a matéria produzida pela TV UFG:
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