A
subida das vendas de armas e munições nos Estados Unidos, em paralelo às
medidas restritivas relacionadas com a pandemia de Covid-19, é “representativa”
da mentalidade americana, disse à Lusa o português José da Veiga.
Emigrado
em Los Angeles (LA) há 22 anos, o empreendedor afirmou que o fenómeno, visível
nas filas à porta de várias lojas de armamento na cidade, “reflecte o universo
mental e cultural dentro da cabeça das pessoas do que é o país onde vivem e a
sua sociedade”.
“Sempre
que acontece alguma coisa nos Estados Unidos, isto é uma reacção das pessoas”,
disse José da Veiga, contando que vários dos seus amigos foram abastecer-se de
armas e munições nos últimos dias.
A
corrida às armas tem sido registada em vários Estados, especialmente nos que
estão a ser mais atingidos pela propagação da Covid-19, sendo que em Los Angeles
continua a estar presente na mente de muitos habitantes o que aconteceu nos
motins de 1992, na altura motivados pela absolvição de quatro polícias acusados
de uso excessivo de força e espancamento do afro-americano Rodney King.
Geneva
Solomon, dona da Redstone Firearms em Burbank, condado de LA, confirmou à Lusa
que houve uma grande subida do número de clientes a comprar armas e munições na
loja.
“Temos
um problema de ‘stock’ neste momento”, afirmou, referindo que está a trabalhar
para repor os volumes de armamento e munições para venda. A loja funciona
habitualmente por marcações, mas nos últimos dias tem tido filas à porta.
É
um cenário que se repete em várias outras lojas de armas em Los Angeles.
Na
Gun World, que costuma ter “dois ou três gatos pingados” de cada vez, o
luso-americano Tony Lima encontrou filas para entrar quando tentou ir comprar
munições.
“A
loja pela primeira vez tinha uma fila à porta, com pessoas lá dentro a comprar
sete e oito pistolas”, disse à Lusa.
“Se
isto der para o torto, vão fazer barricadas”, opinou o empresário, que detém um
negócio de transportes de luxo. Lima notou que “no supermercado havia
discussões” e há um sentimento de incerteza que está a provocar este
comportamento.
Com
o encerramento das escolas, as organizações anti-lóbi das armas estão a alertar
para o perigo acrescido da presença de armas nos lares onde as crianças estão
agora o dia todo, uma mensagem reforçada esta semana quando um rapaz de sete
anos alvejou acidentalmente o irmão de dez em Sacramento.
“Com
milhões de crianças agora em casa nos dias de escola, precisamos de ser
inteligentes”, escreveu a Everytown For Gun Safety na sua conta na rede social
Twitter.
“Assumam
que as crianças curiosas vão ter acesso a armas e guardem-nas, descarreguem-nas
e separem-nas das munições”, alertou.
A
subida das vendas está também a ser reportada em cidades onde a pandemia ainda
não causou tanta disrupção como na Califórnia, Washington e Nova Iorque.
Um
dos casos, reportado pelo jornal Los Angeles Times, dá conta de um motorista de
veículos pesados que comprou 2500 dólares de munições em Oklahoma.
“As
pessoas aqui não confiam no governo para manter a ordem pública e compram armas
porque acham que quando deixar de haver comida terão de se defender”, afirmou
José da Veiga.
O
português explicou que “muitas pessoas da classe média” receiam que os
habitantes das zonas mais pobres recorram a assaltos e violência perante um
cenário de “hecatombe económica”.
Além
das prateleiras vazias no supermercado, que têm sido uma constante na última
semana, os receios prendem-se com o desemprego e crise económica.
As
previsões dos economistas apontam para que as restrições impostas para suster a
propagação da pandemia de Covid-19 levem a uma contracção substancial do
crescimento em 2020, sendo que a IHS Markit prevê uma recessão a partir do
segundo trimestre.
“As
pessoas aqui têm a ideia de que a sociedade é muito frágil”, disse José da
Veiga, contrapondo com o sentido mais forte de comunidade que existe em
Portugal.
“Aqui
não existe isso, as pessoas estão completamente sozinhas e o governo dá também
a sensação de que é cada um por si”, acrescentou.
Recorde-se
que, à data desta publicação, os Estados Unidos tinham 14 mil casos de infecção
e 205 mortos confirmados por causa da pandemia da Covid-19. In “Bom dia
Europa” com “Lusa”
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