Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer
Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos
Como estes pinheiros altos
Que em verde e oiro se
agitam
Como estas aves que gritam
Em bebedeiras de azul
Eles não sabem que sonho
É vinho, é espuma, é
fermento
Bichinho alacre e sedento
De focinho pontiagudo
Em perpétuo movimento
Eles não sabem que o sonho
É tela, é cor, é pincel
Base, fuste ou capitel
Arco em ogiva, vitral
Pináculo de catedral
Contraponto, sinfonia
Máscara grega, magia
Que é retorta de
alquimista
Mapa do mundo distante
Rosa dos ventos, infante
Caravela quinhentista
Que é cabo da
boa-esperança
Ouro, canela, marfim
Florete de espadachim
Bastidor, passo de dança
Columbina e arlequim
Passarola voadora
Pára-raios, locomotiva
Barco de proa festiva
Alto-forno, geradora
Cisão do átomo, radar
Ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar
Eles não sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E que sempre que o homem
sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos duma criança
Menina dos olhos d´água
Menina em teu peito sinto
o tejo
E vontades marinheiras de
aproar
Menina em teus lábios
sinto fontes
De água doce que corre sem
parar
Menina em teus olhos vejo
espelhos
E em teus cabelos nuvens
de encantar
E em teu corpo inteiro
sinto feno
Rijo e tenro que nem sei
explicar
Se houver alguém que não
goste
Não gaste, deixe ficar
Que eu só por mim quero te
tanto
Que não vai haver menina
para sobrar
Aprendi nos 'esteiros' com
soeiro
E aprendi a 'fanga' com
redol
Tenho no rio grande o
mundo inteiro
E sinto o mundo inteiro no
teu colo
Aprendi a amar a madrugada
Que desponta em mim quando
sorris
És um rio cheio de água levada
E dás rumo à fragata que
escolhi
Se houver alguém que não
goste
Não gaste, deixe ficar
Que eu só por mim quero te
tanto
Que não vai haver menina
para sobrar
Se houver alguém que não
goste
Não gaste, deixe ficar
Que eu só por mim quero te
tanto
Que não vai haver menina
para sobrar
António Pedro da
Silva Chora Barroso – Portugal
(Lisboa, 28 de novembro de
1950 - Lisboa, 16 de março de 2020)
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