O chefe do Hamas, Yahya Sinwar, ao atacar Israel no 7 de outubro, sem autorização do Irão, estava certo de ter dado um grande golpe nos israelenses, num momento crítico em que o primeiro ministro Netanyahu era alvo de intensas manifestações populares por tentar evitar um processo por corrupção pela Suprema Corte. O ataque tinha também por objetivo evitar um acordo de aproximação entre Israel e a Arábia Saudita.
Foi uma péssima avaliação: o ataque provocou a reação de Israel e mexeu com todas as engrenagens até ali aparentemente estáveis na região, com consequências totalmente opostas aos objetivos visados. Tanto Yahya Sinwar como toda direção do Hamas foram destruídos junto com a Faixa de Gaza, enquanto o Hezbollah perdeu a maior parte de sua força com a morte de Hassan Nasrallah e com a perda de cerca de 80% de seus mísseis, causados por Israel. A seguir, o Irão ficou duplamente enfraquecido com os ataques de Israel, a ponto de não poder mais sustentar a ditadura de Bashar al-Assad, deixando aberto o caminho para a deposição do ditador pelos rebeldes do HTS, Hayat Tahrir al-Sham, Organisação pela Libertação do Levante (o Levante reúne o Líbano, a Síria, a Jordânia, Israel e o território palestino).
E não só - a rápida queda do ditador al-Assad, sem qualquer resistência e também sem intervenção da Rússia mostra Vladimir Putin igualmente enfraquecido a um mês da posse de Donald Trump, decidido a forçar um acordo de paz entre Ucrânia e Rússia. Mais alguma consequência do ato terrorista de 7 de outubro?
Sim, a revelação, por toda imprensa da ditadura sanguinária mantida por Bashar al-Assad e seu pai durante 52 anos, poderá levar à descoberta de outra ditadura, a teocracia islâmica do Irão, cujo ex-presidente Ibrahim Raisi era chamado de açougueiro pela violência com que agia contra os adversários do regime do aiatolá Khamenei e contra jovens mulheres revoltadas com a morte da jovem kurda Mahsa Amini, por não ter posto corretamente o véu sobre a cabeça, exigido pela religião.
Ibrahim Raisi, segundo denúncias da Anistia Internacional, foi responsável por milhares de sentenças de morte por enforcamento. Correm rumores de que a morte de Raisi não teria sido acidental num helicóptero velho demais para continuar sendo usado, mas consequência de dissensões dentro do governo, tendo em vista a inflação e as dificuldades econômicas com que vive a população. Essa situação poderá levar o Irão a uma crise na sucessão de Khamenei ou ser apressada essa crise com a atual queda do regime opressivo de al-Assad. Em todo caso, a Síria e o Irão com suas prisões e sistema repressivo deixam de ser boas referências para o movimento Sul Global ou pós-colonialismo.
Quem é Mohammed al-Jolani?
Ahmed al-Chara, conhecido como Mohammed al-Jolani, nasceu em Ryad tem 46 anos e é filho de um economista e engenheiro politicamente de esquerda. Estudou em Damasco mas, em 2003, abandonou a universidade para, durante a guerra do Iraque, aderir a um grupo islamita que se integrou na Al-Qaeda, no Iraque. Em 2006, foi ao Líbano mas ao retornar ao Iraque foi preso pelos norte-americanos e levado para a prisão de Abou Ghraib. Libertado depois de alguns anos integrou o Estado islâmico do Iraque. Em 2011, criou o grupo Front al-Nosra para combater Bashar el-Assad. Em 2013, foi designado como terrorista pelos EUA e sua cabeça foi posta a prêmio por 10 milhões de dólares.
Em 2015, numa entrevista para a TV Al Jazeera do Qatar, al-Jolani diz não ter intenção de atacar o Ocidente e que sua prioridade é o regime sírio de al-Assad. Nem quer atacar os alauítas, embora sejam considerados heréticos pelo Islão. Em 2016, rompe com o movimento al-Qaeda e, no ano seguinte, cria o HTS. É de 2018 sua declaração: "estamos dispostos a nos reconciliar com todo mundo...". A seguir se distancia do jihadismo, numa entrevista ao jornalista francês Wassim Nasr, considerando ter sido um erro e um projeto insensato.
A situação atual é a de expectativa. Se forem confirmadas na prática as declarações de Mohammed al-Jolani, haverá grandes mudanças positivas na região. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins - Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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