O antigo primeiro-ministro timorense Taur Matan Ruak afirmou, em entrevista à Lusa, que a pobreza multidimensional, a má nutrição e a insegurança alimentar persistem como desafios em Timor-Leste e que “preocupam tanto os líderes como a população timorense”
Em relação à insegurança alimentar, o líder do Partido de Libertação Popular (PLP), actualmente na oposição, salientou que Timor-Leste vive “com base de importações”, principalmente do arroz que é a base alimentar dos timorenses.
“Em 2018, quando entrei para o Governo, o consumo de arroz em Timor-Leste estava em 137 mil toneladas por ano, a nossa produção era de 37 mil toneladas. Um défice de 100 mil toneladas”, afirmou o também antigo Presidente timorense.
Referindo que durante o seu Governo conseguiu duplicar a produção de arroz com alguns incentivos, Taur Matan Ruak considerou que há ainda um “longo caminho” a percorrer.
“Pior ainda é que o actual Governo em vez de subsidiar a produção, subsidia o consumo, mas na base das importações. É gravíssimo. Não há incentivos, a população tem dificuldades, não tem capital para investir”, disse.
Outro grande desafio para o também antigo chefe das forças de defesa do país, é o “desemprego”.
“Quanto eu entrei estava a 11%, conseguimos reduzir para 9%, mas isso deu-se com a saída dos jovens para a Austrália, Coreia do Sul, Inglaterra, Irlanda. Isso ajuda bastante”, afirmou.
Taur Matan Ruak disse que actualmente as remessas dos timorenses que vivem no estrangeiro representam a segunda maior entrada de dinheiro no país, a seguir ao petróleo.
“Estes são grandes desafios de Timor-Leste e tudo depende da forma como vamos conduzir o nosso país”, considerou o antigo primeiro-ministro.
Questionado sobre as críticas feitas ao actual Governo relativas à falta de investimento em áreas consideradas cruciais para o desenvolvimento, Taur Matan Ruak explicou que durante a altura que liderou o país realizou várias reformas, incluindo na justiça e finanças públicas.
“Vendo a situação actual do país, um dos grandes problemas que a nossa população tem é a falta de rendimentos e introduzimos programas sociais com o objectivo de ajudar a população a médio prazo, enquanto o Governo criava condições para criar mais emprego e desenvolver a economia do país”, explicou.
“Praticamente esses programas foram eliminados. Falo do programa Bolsa Mãe, que tem como objectivos combater a má nutrição, fazer circular o dinheiro nas comunidades e obrigar as senhoras grávidas a serem acompanhadas nas clínicas ou hospitais”, disse.
Outro programa, segundo Taur Matan Ruak , era a cesta básica, que visava estimular a produção local.
“Também acabaram com isso. Ora, o Governo tem uma orientação que é a prioridade para megaprojectos, como o Tasi Mane, e no meu Governo a prioridade era o cidadão e isso tem três grandes prioridades, que é primeiro investir na saúde, ter uma população saudável, segundo é no rendimento da população e terceiro na ciência, tecnologia e informação, investir na educação”, afirmou.
Taur Matan Ruak criticou também a falta de planeamento sistematizado, consistente e detalhado e o “improviso”.
Greater Sunrise é causa nacional
O antigo primeiro-ministro timorense Taur Matan Ruak afirmou que o projecto de gás Greater Sunrise é uma “causa nacional”, mas não se pode ter a “ilusão” de que vai resolver os grandes desafios do país.
“É uma causa, naturalmente, mas vamos ver quais são os resultados do estudo. O desejo existe, todos queremos que venha para Timor. Mas pensar que vindo para Timor já resolve todos os problemas seria ilusão. Também beneficiamos da produção do Bayu-Udun e ainda estamos a braços com os nossos grandes desafios”, disse Taur Matan Ruak.
Localizado no Mar de Timor, a cerca de 250 quilómetros a Sul de Timor-Leste, o Bayu-Udun é um campo de condensado de gás, que, segundo o Governo timorense, deve terminar a produção este ano.
Quando as operações terminarem, o Governo timorense pretende estabelecer uma parceria comercial estratégica para voltar a desenvolver o campo, mas para captura e armazenamento de carbono.
O Greater Sunrise, localizado a 140 quilómetros a Sul de Timor-Leste e a 450 quilómetros de Darwin, foi descoberto em 1974 e possui recursos de 5,1 trilhões de pés cúbicos de gás e 226 milhões de barris de condensado, segundo dados da Timor Gap, empresa estatal petrolífera.
Contudo, o seu desenvolvimento tem estado envolto num impasse, com Díli a defender a construção de um gasoduto para o Sul do país e a Woodside, segunda maior parceira do consórcio, a inclinar-se para uma ligação à unidade já existente em Darwin, na Austrália.
O consórcio é constituído pela timorense Timor Gap (56,56%), a operadora Woodside Energy (33,44%) e a Osaca Gás Australia (10,00%).
O acordo de fronteira marítima permanente entre Timor-Leste e a Austrália determina que o Greater Sunrise é um recurso partilhado entre os dois países e terá de ser dividido, com 70% das receitas para Timor-Leste no caso de um gasoduto para o país, ou 80% se o processamento for em Darwin.
Para tentar ultrapassar o impasse, o consórcio de exploração determinou a realização de um estudo sobre o desenvolvimento daquele campo de gás, que já foi concluído, mas cujo resultado ainda não foi divulgado.
Melhor reconciliação é a que “sai do coração”
O antigo primeiro-ministro timorense Taur Matan Ruak afirmou que a melhor reconciliação é a que “sai do coração”, referindo-se à recente indignação social provocada com um convite ao líder das milícias para participar nas celebrações da declaração da independência.
“Vão ter de deixar o tempo se encarregar um bocadinho, enquanto moral e psicologicamente as pessoas não estão preparadas, não para a generalidade da reconciliação, mas para facções muito concretas, o caso do Eurico Guterres”, disse Taur Matan Ruak.
O Presidente timorense, José Ramos-Horta, convidou o antigo líder da milícia Aitarak para participar nas celebrações do 49.º aniversário da declaração unilateral da independência, que se assinalou na quinta-feira em Oecussi, provocando a indignação social.
Eurico Guterres liderou a milícia Aitarak, responsável por vários ataques em Timor-Leste e pela destruição de Díli, após o referendo de 1999, que determinou o fim da ocupação da Indonésia e a restauração da independência, em 20 de Maio de 2022.
“É louvável que um Presidente da República o tenha feito, mas a sociedade não está preparada, não é que não queiram, não estão preparados. Isso significa deixar mais um bocadinho, que o tempo ajuda a apaziguar melhor”, salientou Taur Matan Ruak.
Segundo o também líder do PLP, a “melhor reconciliação é a que sai do coração”. “É um processo interno, o externo pode influenciar, mas o interno é que determina”, afirmou.
Em relação aos acontecimentos ocorridos em 1999, Taur Matan Ruak disse que houve casos que a população ultrapassou, mas “há casos que ainda estão muito fresquinhos”.
“Não é que as pessoas não queiram, ainda não estão preparadas, para eles é cedo demais. Mas é sempre um acto louvável, mas é preciso ser muito cauteloso para depois gerir todo este problema emocional”, acrescentou. In “Ponto Final” - Macau com “Lusa”
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