Testada em animais, versão sintética do vírus, que não transmite a doença, multiplica-se nas células tumorais e as leva à morte. Os testes clínicos devem começar em junho, após aprovação da Anvisa
A
transformação do vírus da zika em produto de biotecnologia para o tratamento de
tumores do sistema nervoso é o resultado do projeto de uma startup criada por
pesquisadores da USP. Testada com êxito em animais, uma versão sintética e
modificada do vírus, que não transmite a doença, penetra nas células tumorais
e, ao se multiplicar, leva essas células à morte. Os testes clínicos do
tratamento devem começar em junho, após a aprovação pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
O
estudo com o vírus modificado é descrito em artigo publicado na edição de
fevereiro da revista Molecular Therapy. A pesquisa, conduzida pela startup de
biotecnologia Vyro Biotherapeutics, empresa incubada no Centro de Inovação,
Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da USP, contou com a colaboração de
pesquisadores do Instituto Butantan, Harvard Medical School (Estados Unidos) e
Universidade de Cambridge (Reino Unido), entre outras instituições.
O
tratamento é voltado principalmente para tumores do sistema nervoso central,
tanto em adultos quanto em crianças, que atingem cerca de 300 mil pessoas em
todo o mundo, com sobrevida estimada em 14 meses após a descoberta do tumor.
“Também foi observado um potencial para tumor de mama tipo triplo negativo”,
afirma ao Jornal da USP a pesquisadora Carolini Kaid, da Vyro, empresa criada
por especialistas do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco
(HUG-CELL) do Instituto de Biociências (IB) da USP.
Com
base em pesquisas sobre a atividade do vírus da zika contra tumores, os
pesquisadores desenvolveram uma versão sintética, diferente da encontrada na
natureza, que não transmite a doença. “Foi inserida no genoma do vírus uma
sequência suicida, de modo que, se o vírus entrar em células saudáveis, ele é
degradado”, relata Carolini Kaid. “Entretanto, quando entra em uma célula
tumoral, ele replica, levando-a à morte.”
Morte da célula tumoral
“O
vírus modificado usa a maquinaria da célula para replicar seu genoma e
multiplicar. Quando a quantidade do vírus aumenta exponencialmente, a membrana
plasmática da célula se rompe, processo conhecido como lise, e ela morre”,
descreve a pesquisadora. “Por isso, esse tipo de terapia é chamado de
oncolítica, ou seja, lise da célula tumoral.”
Os
testes foram feitos com camundongos Balb/C Nudes. “No experimento foram
inseridas células tumorais humanas no cérebro dos animais, imitando uma
metástase”, relata Carolini Kaid. “Sete dias depois da inserção e crescimento
do tumor, o tratamento com vírus modificado é feito direto no cérebro ou de
modo sistêmico, por meio de injeção na barriga do animal, o que equivale à
introdução de soro na veia em seres humanos.” A metástase é a fase final da
propagação das células de tumores pelo corpo.
“Ambas
as vias de administração mostraram remissão total do tumor, aumento de
sobrevida e segurança”, ressalta a pesquisadora. “Como o vírus desenvolvido é
sintético, o caminho para chegar à clínica é mais curto.” De acordo com
Carolini Kaid, já foi desenvolvido o processo de produção industrial, ou seja,
o vírus sintético pode ser produzido em grande escala.
“A
equipe médica da startup já desenhou o estudo clínico de fase 0 para
glioblastoma recorrente, um tipo de câncer nas células do cérebro”, aponta. “Os
próximos passos são submissão da documentação para a Anvisa e a previsão para
início dos estudos clínicos é junho de 2024.” O artigo Genetically modified
ZIKA virus as a microRNA-sensitive oncolytic virus against central nervous
system tumors está disponível nesta ligação.
A patente do tratamento foi submetida ao United States Patent and Trademark Office (USPTO), no Estados Unidos, no modelo do Tratado Internacional de Patentes (PCT), no qual o registro abrange vários países, inclusive o Brasil, com auxílio dos escritórios de patente Kaznar Leonardos no Brasil e Wilson Sonsini nos EUA. Todo o estudo foi financiado pela Vyro, que em 2022 recebeu um investimento de US$ 1,5 milhão da Vesper-Venture, fundo brasileiro especializado em biotecnologia. Júlio Bernardes – Brasil in “Jornal da Universidade de São Paulo”
Mais informações:
e-mails carolini.kaid@vyrobio.com e carolinikaid@hotmail.com, com
Carolini Kaid, e cmpressproducoes@gmail.com, com Cláudia Moura
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