Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

São Tomé e Príncipe - «Batepá», o sítio do massacre! A metáfora da verdade!

A metáfora da verdade!

A metáfora é uma figura de linguagem muito utilizada para fazer comparações por semelhança. A utilização dessa linguagem ajuda, por vezes, a desmistificar procedimentos linguísticos, levando o indivíduo a quebrar sentimentos de impotência perante interlocutores que se escondem atrás das palavras.

A Sóya (estórias contadas geralmente num contexto de Nózadu) é um exemplo vivo de metáforas, pois ela é narrada pelos anciãos são-tomenses na esteira da tradição oral.

Assim, no quotidiano das ilhas é muito frequente a utilização de metáforas no linguarejar dos populares como forma de fintar as agruras da vida.

Contudo, nota-se que alguns detentores do Poder em São Tomé e Príncipe aparentam utilizar um discurso metafórico para debelar o desconhecimento que cultivam à volta de episódios cronológicos da história e da cultura.

Uma parte significativa sustenta nas suas intervenções públicas e privadas uma visão estreita, labiríntica e obscurantista, acerca dos pilares que compõem a organização de um país. Entendem, provavelmente, que os sustentáculos de um país deverão assentar somente na trilogia: um território, uma bandeira e um hino. São tão híbridos que aparentam fugir dos parâmetros da língua oficial e das línguas nacionais, desprezam o rico e diversificado acervo cultural– nomeadamente, a Puíta, o Danço Congo, o Txilôli, o São Lourenço, o Djambi, a Ússua, entre outros – herdado de povos que quotizaram para o desenvolvimento económico, social e cultural do arquipélago.

Escamoteiam, de forma deliberada, todos esses ingredientes e põem em causa tudo aquilo que aprendemos no seio da família com inem ngê támen (os anciãos), nos kintés (nos quintais), ku inem Mése (com os mestres-escola) na «Escola de Mato» e kuinem Sun Sôr (com os professores e professoras) nas Escolas Oficiais.

A metáfora da verdade provoca silêncios, principalmente quando o discurso é dirigido aos cidadãos pouco atentos, e que acreditam que as palavras ditas por um qualquer governante vai provocar uma melhoria significativa no seu rendimento mensal e, consequentemente, para o bem-estar no seio da sua família.

Este introito remete-nos para a celebração de mais um aniversário do fatídico massacre, inscrito nas páginas da história contemporânea da República Democrática de São Tomé e Príncipe, ocorrido no sítio de Batepá, em Fevereiro de 1953.

«Batepá», o sítio do massacre!

Massacre pressupõe, em princípio, a prática de actos contra-natura, ou seja, actos bárbaros, perpectuados por terceiros, sobre um determinado número indefeso de cidadãos, sobre um grupo de aldeões, ou simplesmente, sobre um grupo de indivíduos considerados subversivos pelo poder vigente.

O massacre é, por assim dizer, uma arma poderosíssima utilizada sobretudo pelo poder político ou, por um grupo afecto a uma organização criminosa, com o objectivo de intimidar, estropiar e assassinar um número significativo de pessoas de um determinado sítio ou de uma localidade, e que, tendencialmente, utiliza argumentos estapafúrdios para justificar uma barbárie que não convence a ninguém.

Historicamente em períodos concretos, o continente africano foi assaltado pelas potências europeias que instituíram, a seu bel-prazer, impérios coloniais, que foram palco de demasiados massacres.

O império colonial português, que foi o último reduto europeu a descolonizar os territórios sob a sua alçada, não fugiu à regra, tendo perpetuado massacres hediondos como forma de intimidar as populações indígenas.

Assistiu-se, assim, na década de 50 e 60, do século XX, massacres eternizados pelas autoridades coloniais portuguesas desencadeados, em Batepá (São Tomé e Príncipe, 1953), em Pindjiguiti (Guiné Portuguesa, 1959), em Mueda (Moçambique, 1960) e na Baixa de Cassanje (Angola, 1961). Alguns estudiosos associam esses massacres ao eclodir das lutas de libertação das colónias.


Ao completar-se o 71.º aniversário do massacre de Batepá, cometido sobre as populações indígenas, um político e governante que ocupa o mais alto cargo da nação são-tomense teceu comentários arbitrários pouco abonatórios acerca do assunto, mais parecendo a tentativa de branquear a figura do governador, coronel Carlos Gorgulho (1898-1972), autor e mentor da carnificina. Esse discurso desconexado terá causado calafrios aos presentes na cerimónia realizada no Memorial de Fernão Dias e aos que assistiam na televisão e escutavam o relato através da rádio.

Seria de todo recomendável aos governantes do país que contratassem assessores nas áreas que indubitavelmente não dominam para evitar constrangimentos dessa natureza.

“«Mentiras» e «intrigas» teriam sido as causas do massacre de 1953”?

“«Mentiras» e «intrigas» foram as causas do massacre de 1953”. Este é o título inserto no jornal online, Téla Nón, publicado no dia 5 de Fevereiro de 2024, que cita o discurso proferido pelo mais alto representante da República que não se coibiu de proferir palavras que deixaram atónitos uma parte significativa da população.

Rodeado de órgãos de comunicação social, o governante afirmou peremptoriamente que “gostaria de apelar a todos de que tudo que começa com intrigas e mentiras acabará mal. O 3 de Fevereiro desencadeou-se um bocado extemporaneamente por causa de intrigas e mentiras” (in jornal Téla Nón de 5 de Fevereiro de 2024).

Ufano e seguro da sua inesgotável «sapiência» rematou, “porque o objectivo do governador de então não era este. Tanto é que ele foi reconduzido para mais um mandato, através de um abaixo-assinado de mais de 2 mil naturais de São Tomé. Quer dizer que o seu percurso não foi exactamente este, mas terminou tristemente”. (idem, jornal Téla Nón).

Ignora-se em que fontes se terá baseado esse governante, nem quais foram as suas motivações trazendo para a praça pública um assunto cujo melindre requer uma abordagem fora da leviandade discursiva.

Contudo, o governante em questão, que aparenta ser um cidadão sereno e ponderado, deveria ver a esclarecedora narrativa (reposição) sobre o massacre de 1953, apresentada no canal televiso de Portugal, RTP-África, por um historiador e professor catedrático português, Fernando Rosas (n. 1946), e uma outra narrativa (reposição) feita na TVS (Televisão de São Tomé e Príncipe) por um historiador e professor universitário são-tomense, Fernando D’Alva (1958-2021).

Outro testemunho oficial do massacre refere que no dia “3 de Fevereiro, no ano de 1953, tinha lugar em São Tomé e Príncipe o «massacre de Batepá», um episódio de terror e violência colonial que resultaram na morte de centenas de são-tomenses, na sequência de protestos e da recusa do trabalho compelido nas roças”. (in texto do Museu do Aljube, Resistência e Liberdade, Portugal).

Pode-se entender que todos nós, sem excepção, deveríamos parar para repensarmos o nosso país, para definir os parâmetros que deverão orientar a política cultural, educacional, de saúde e de conduta social. Não se encontra justificação plausível para a ausência sistemática da presença de autoridades governamentais tais como, o presidente da república, o presidente da assembleia e o primeiro-ministro, como que a ignorar, a cerimónia solene do dia 4 de Janeiro, feriado nacional, atribuído ao Rei Amador, primeiro escravo a sublevar-se nas ilhas contra a tirania.

A ideia com que se fica, resulta da sensação de impotência perante repetidas acções que ocorrem no dia-a-dia, semana-a-semana…

Dá a sensação de estarmos, quase todos manietados numa camisa de forças, perante a incontinência de concidadãos que procuram o bem-estar, para poderem usufruir de uma vida, sem sobressaltos. É que o cenário actual em nada nos beneficia a sair da pobreza a que está remetida grande parte dos nossos compatriotas, pois vivemos, aparentemente, asfixiados por ressentimentos, cercados por ruídos que corroem a nossa existência, carregados de preconceitos e recalcamentos, empenhados em exorcizar temas tabus, que absorvem a nossa vida passada e presente, como comunidade.

O que se pode esperar é que sinceramente a perniciosa partidarização da sociedade a que os políticos fizeram questão de impor ao país, ainda dê lugar a momentos de lucidez e o discernimento suficiente para poderem escolher os melhores, dentro de um quadro onde impere a meritocracia, o bom senso, o sentido de responsabilidade e a capacidade de poder projectar São Tomé e Príncipe para o futuro.

E que os discursos não venham a envergonhar os que ainda são pela dignidade, pela honra e por um São Tomé e Príncipe de todos os são-tomenses. Lúcio Amado – São Tomé e Príncipe in “Téla Nón”



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