Novo livro do historiador
inglês Kenneth Maxwell analisa os caminhos percorridos pelo País nos últimos 12
anos
I
O livro Kenneth
Maxwell on Global Trends – an historian of the 18th century looks at the
contemporary world (Kenneth Maxwell sobre tendências globais: um historiador
do século 18 olha para o mundo contemporâneo), publicado por Second Line of
Defense e organizado e editado por Robbin Laird, reúne ensaios que saíram à luz
de 2011 a 2023. Conhecedor profundo da história do Brasil e de Portugal no
século XVIII e autor do clássico A Devassa da Devassa (Rio de Janeiro,
Editora Paz e Terra, 1977), lançado em 1973 na Inglaterra com o título Conflicts
and Conspiracies: Brazil and Portugal, 1750 -1808 (Cambridge University
Press), seu primeiro livro, Maxwell, embora seu trabalho basicamente enfoque o
século XVIII português, tem acompanhado detidamente a evolução política tanto
em Portugal como no Brasil nos últimos tempos.
Seus textos
apresentam uma perspectiva abrangente sobre o mundo moderno e fornecem uma
visão da desordem que se constata no planeta nos dias de hoje, mas
especialmente se detêm sobre os caminhos que a democracia no Brasil vem
percorrendo desde o fim do regime militar (1964-1985).
II
Os oito
ensaios de abertura, de 2011-2012, abordam a controversa questão sobre a compra
pelo governo Dilma Roussef (2011-2014) de aviões caças para a Força Aérea
Brasileira (FAB), que era disputada pela empresa francesa Dassault, pela
norte-americana Boieng e pela sueca Saab. A Dassault tentava vender os caças
Rafale, enquanto a Boieng oferecia os modelos F-18 e a Saab os Gripen, que,
afinal, foram os escolhidos. É um assunto que, até hoje, rende controvérsias e
que foi ressuscitado já agora no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, quando se especulou que a Marinha queria usar o dinheiro gasto com a
compra do novo avião presidencial para adquirir caças F-18 da Boeing. A
Marinha, porém, informou que não tinha nenhum interesse na transação.
Já em ensaio de 2013 o articulista questiona a
necessidade que o governo norte-americano encontrou à época, durante o mandato
de Barack Obama, de espionar e-mails e
comunicados dos presidentes do México, Enrique Peña Nieto, e do Brasil, Dilma
Roussef, azedando as relações entre países considerados aliados. A
justificativa, lembra Maxwell, era a ameaça de terrorismo. “Mas é Dilma Roussef
terrorista? Era Lula? Era Peña Nieto?”, questionou, observando que a “estupidez
tem suas consequências”. E condenou o “insaciável apetite dos Estado Unidos por
espionar não apenas terroristas em potencial, mas também autoridades de países
aliados”.
Diante
disso, não significa ir muito longe imaginar que o governo norte-americano
tenha estado por trás das maquinações que acabaram por levar ao impeachment da
presidente Dilma Roussef em 2016 e, quem sabe, nas articulações que levaram à
eleição no Brasil de um governo nazifascista em pleno século 21.
Em outro
ensaio de 2014, o articulista observa que Dilma Roussef, ao contrário de seu
antecessor, Lula, sempre teve muitos problemas de relacionamento com os
assuntos mundiais. E recorda que Edward Snowdon, antigo diretor da Nacional
Security Agency (NSA), agência norte-americana de segurança com funções
relacionadas com a inteligência, revelou que a entidade havia espionado os celulares
e as comunicações de vários líderes mundiais, como Angela Merkel, chanceler da
Alemanha de 2005 a 2021 e líder de um partido de centro-direita. E até de
funcionários de alto escalão da Petrobrás, que, como se sabe, foram acusados de
comprar uma refinaria em Pasadena, no Texas, por um preço extremamente alto,
com todos os sinais de corrupção (widespread embezzlement).
Mais
adiante, em artigo de 2016, Maxwell lembra que o Partido dos Trabalhadores (PT)
não inventou a corrupção no Brasil e que, tradicionalmente, há envolvimento
corrupto entre empresários, políticos e dirigentes de empresas estatais, em
prejuízo do interesse público. E que o Brasil não é o país mais corrupto do
mundo, lembrando que Rússia, China e África do Sul, “só para ficarmos com os
países do Brics, são certamente bastante competitivos no ranking mundial
da corrupção”.
III
Já em
ensaio de 2017, Maxwell escreve, de maneira premonitória, que, “num mundo
interdisciplinar a nível global, as crises numa parte não só têm impactos
noutros lugares, mas podem ter um conjunto imprevisto de impactos”. E antecipa
quais seriam as conclusões do relatório do governo dos Estados Unidos divulgado
em 2023, “que provou, sem sombra de dúvida, que havia conluio entre a campanha
de Bill Clinton e a administração Obama ao acusar falsamente Donald Trump de
conluio com os russos”. Em outro ensaio, discute a crise política no Brasil que
acabaria por favorecer a ascensão de um político completamente desqualificado
para o ato de governar.
Nos ensaios
de 2018, o foco, obviamente, foi a eleição presidencial no Brasil que culminou
com a escolha de Jair Bolsonaro, a quem o ensaísta definiu como o Donald Trump
brasileiro, conhecido por “suas explosões homofóbicas, racistas, que incitam à
violência, misantrópicas e sexistas (bem como por sua falta de conquistas
legislativas)”. E por defender a ditadura militar e seus métodos nada
civilizados, que incluíam tortura e desaparecimento de adversários políticos.
Nos ensaios
de 2019, Maxwell continuou a comentar os atos administrativos do governo
Bolsonaro, sem deixar de analisar as consequências da saída do Reino Unido da
União Europeia, decisão política que ficou conhecida como Brexit. Já os textos
de 2020 ocuparam-se majoritariamente do fenômeno provocado pela pandemia
causada pelo Coronavírus (Covid-19) e da situação econômica do Pais, que se
agravara nos cinco anos anteriores, com uma recessão que chega até os dias
hoje, com o crescimento do número de moradores de rua.
O
articulista lembra que, em 2017, o desemprego chegara a 13,70%, caindo para
11,20% em 2019, equivalente a 12 milhões
de desempregados numa população de 210 milhões, o que, obviamente, como
argumenta, é resultado da má distribuição de renda no País, onde 1% dos
brasileiros mais ricos controlam 28,3% da riqueza nacional e 10% dos mais ricos
ficam com 41,9% da riqueza. “Apenas o Catar tem pior distribuição de riqueza,
com 29%”, acrescenta.
Nos ensaios
mais recentes, de 2021, 2022 e 2023, faz incursões no tema de sua
especialidade, o século XVIII português, aproveitando para apresentar dados que
podem vir a fazer parte de uma futura biografia de Hipólito José da Costa
Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823), jornalista e diplomata, criador do Correio
Braziliense, jornal publicado em Londres, cuja primeira edição é de junho
de 1808.
Dos
primeiros meses do governo Lula, em ensaio de abril de 2023, Maxwell, por fim, destaca
a atuação internacional do presidente brasileiro, com viagens aos Estados
Unidos, China – principais parceiros econômicos do Brasil –, Egito e Emirados
Árabes, que ajudaram a criar o slogan “Brazil is Back” (O Brasil está de
volta) para reforçar o posição do País como emergente no sistema internacional.
IV
Kenneth
Maxwell foi diretor e fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro
David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS), da Universidade de
Harvard (2006-2008), e professor do Departamento de História de Harvard
(2004-2008). De 1989 a 2004, foi diretor do Programa para a América Latina no
Conselho de Relações Exteriores e, em 1995, tornou-se o primeiro titular da cátedra
Nelson e David Rockefeller em Estudos Interamericanos. Atuou como
vice-presidente e diretor de Estudos do Conselho em 1996. Lecionou
anteriormente nas universidades de Yale, Princeton, Columbia e Kansas.
Fundou e
foi diretor do Centro Camões para o Mundo de Língua Portuguesa em Columbia e
foi diretor de Programa da Tinker Foundation, Inc. De 1993 a 2004, foi revisor
de livros do Hemisfério Ocidental para Relações Exteriores. É colaborador
regular da New York Review of Books e foi colunista semanal entre 2007 e
2015 do jornal Folha de S.Paulo e é colunista mensal do O Globo
desde 2015.
Foi ainda Herodotus
fellow no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e Guggenheim
fellow e membro do Conselho de Administração da The Tinker Foundation, Inc.
e do Conselho Consultivo da Fundação Luso-Americana. Também é membro dos
Conselhos Consultivos da Brazil Foundation e da Human Rights Watch/Americas. Fez
bacharelado e mestrado no St. John's
College, Cambridge University, e mestrado e doutorado na Universidade de
Princeton. É colaborador regular do site Second Line of Defense
(www.sldinfo.com).
Publicou
também Marquês de Pombal - Paradoxo do Iluminismo (1996), A Construção
da Democracia em Portugal (1999), Naked Tropics: essays on empire
and other rogues (2003), Chocolate, piratas e outros malandros (Editora
Paz e Terra, 1999) e Mais malandros e outros - ensaios tropicais
(Editora Paz e Terra, 2005), entre outros. Em maio de 2004, renunciou ao cargo
de diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de Relações Exteriores de
Nova York por ter criticado Henry Kissinger (1923-2023), ex-secretário de
estado dos Estados Unidos (1973-1977), em resenha de livro sobre o golpe de
Estado encabeçado por Augusto Pinochet (1915-2006), no Chile, em 1973, e de não
ter tido uma resposta publicada na revista Foreign Affairs.
Já Robbin F. Laird, editor de Second Line of Defense, é analista de assuntos globais na área de defesa e segurança. Tem trabalhado para instituições do governo norte-americano, como Center for Naval Analyses e Institute for Defense Analyses. É autor de mais de 30 livros na área de defesa e segurança internacional. Só em 2023 publicou nove livros, entre os quais French Defense Policy Under Macron: 2017-2021 (editor), The Obama Administration Confronts Global Change (editor) e My Fifth Generation Journey: 2004-2018. Frequentemente, escreve artigos e dá declarações sobre o tema para a imprensa internacional e participa ou conduz entrevistas na TV com líderes políticos na Europa. Adelto Gonçalves - Brasil
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Kenneth Maxwell on Global Trends – an historian of the 18th century looks at the contemporary world, de Robbin Laird, editor, edição em inglês. Londres: Second Line of Defense, 407 páginas, R$ 24,99 (Amazon), 2023. E-mail do autor: krobertmaxwell@gmail.com
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br.
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