Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Macau - A História não se apaga

Políticos e académicos estão contra a mudança dos nomes das ruas de Macau



A proposta do conselheiro Chan Pou Sam, avançada na última reunião do Instituto para os Assuntos Municipais, para que sejam alterados os nomes das ruas da cidade, e assim apagar os vestígios do passado colonial, não parece reunir grandes apoios na comunidade local.

“Muito provavelmente, o que o sr. Chan Pou Sam quis fazer foi apenas agradar ao Governo chinês”, disse ao Ponto Final o deputado Ng Kuok Cheong, no seu primeiro comentário à iniciativa daquele membro do Conselho Consultivo do Instituto dos Assuntos Municipais para que os nomes das ruas de Macau fossem alterados, a fim de os expurgar de conotações colonialistas.

Se foi de facto essa a intenção de Chan Pou Sam, estão ainda por verificar-se os resultados. Não só está longe de se dar por garantido que seja essa a visão de Pequim para a evolução da toponímia de Macau, como todas as personalidades locais até agora ouvidas pelo Ponto Final se opõem à iniciativa do conselheiro municipal. A começar pelo próprio Ng Kuok Cheong, histórico líder da Associação do Novo Macau Democrático:

“Os nomes das ruas devem permanecer, pois reflectem a história desta cidade”, disse o deputado a este jornal. “Macau viveu diferentes períodos ao longo da sua história. A esses diferentes períodos devem corresponder diferentes nomes nas suas ruas e avenidas. Em breve, com a abertura de novas artérias nos novos aterros, terão de ser encontrados novos nomes para essas ruas. Esses nomes, sim, podem e devem reflectir esta nova fase da história de Macau.”

Ng Kuok Cheong não quer, por agora, opinar sobre os critérios a que deve obedecer a designação dos novos arruamentos. “Importa ouvir primeiro a população”, argumenta. Mas insiste na necessidade de não se apagar a História, mesmo quando esteja em causa a figura de Ferreira do Amaral, o antigo Governador que viu a sua estátua equestre ser apeada da rotunda do hotel Lisboa, ainda durante a Administração Portuguesa, mas que continua a dar o nome àquela zona. “Essa foi uma decisão tomada num período político específico, resultado de um movimento social que já antes tinha conduzido a idênticos resultados (em alusão ao derrube da estátua de Nicolau Mesquita no Largo do Senado, em finais dos anos 60). Esse momento foi, entretanto, ultrapassado. Agora, o importante é preservar a história desta cidade”, concluiu.

Agnes Lam, também deputada à Assembleia Legislativa, está atenta a esta questão, a ponto de ter agendado para amanhã uma discussão pública sobre o tema através da Internet. E também neste caso, a proposta de Chan Pou Sam não convenceu.

“Não concordo com a iniciativa do sr. Chan e sinto-me triste por estarmos a discutir de novo este tema ao fim de mais de 20 anos”, disse. “Lembro-me que nos anos 80 e 90 havia pessoas que apelavam ao Governo Central para que, no futuro, estátuas fossem removidas, os nomes fossem alterados e tudo o mais. Depois desse debate, julgo que ficou as pessoas aceitaram que a experiência colonial de Macau era justamente um dos marcos que diferenciavam Macau das restantes cidades chinesas. É isso que nos faz diferentes até de Hong Kong, pois Portugal e o Reino Unido governaram as duas cidades de maneiras muito diferentes”.

Porquê o reacender do debate, mais de vinte anos depois da transferência de administração para a China? “Julgo que a actual situação em Hong Kong está a mexer muito com a cabeça de algumas pessoas aqui em Macau”, justifica a deputada. “Mas a maioria compreende bem os limites do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, sem deixar de ter um grande respeito pelo país.”

Em suma: “A experiência colonial de Macau é parte da sua História e não deve ser ignorada. E, mais importante do que tudo, a China e Portugal têm mantido sempre uma excelente relação. A nossa experiência colonial nunca teve a ver com guerra ou invasões. Espero que as pessoas descontraiam e respeitem a nossa História como fazendo parte da nossa identidade. Ainda mais nesta fase em que a China tem a estratégia de ‘Uma Faixa, Uma Rota’, onde há interesses comuns e onde Macau pode desempenhar um papel de grande relevo”.

Aceitar a História, sem preconceitos

O Ponto Final procurou ouvir outros políticos locais, de diferentes quadrantes ideológicos, mas até ao fecho desta edição não recebemos os seus comentários. O próprio conselheiro municipal Chan Pou Sam tinha uma entrevista agendada com este jornal, mas adiou-a por tempo indeterminado, devido a uma deslocação à China continental, explicaram-nos os seus colaboradores.

No mundo académico, a iniciativa do munícipe também não parece estar a ganhar tracção. Para além da forte oposição do historiador António Vasconcelos Saldanha (ver texto nestas páginas), em nada surpreendente, reproduzimos aqui a opinião da professora Catherine S. Chan, também dos quadros do Departamento de História da Universidade de Macau:

“Já passaram vinte anos sobre o retorno de Macau à China, e estas duas décadas foram em grande parte harmoniosas e progressivas, criando um horizonte muito optimista para a posição de Macau no quadro da nação chinesa. A bem sucedida transição e integração de Macau na China vale como base de confiança quanto à lealdade de Macau relativamente à China, e deve levar o sr. Chan a repensar a sua proposta de alterar os nomes das ruas como passo necessário para que isso se verifique. Todas as cidades são únicas em função das suas experiências no passado e do papel que desempenham na criação das circunstâncias do presente. Macau tem beneficiado muito nos últimos anos por ter preservado a sua identidade e por evidenciar o seu lugar privilegiado na encruzilhada das culturas chinesas e europeias. Daí que, na minha perspectiva, os traços da história colonial não devam ser postos em causa, antes devam ser incorporados, sem preconceitos, na identidade de Macau, especialmente à luz da forte relação entre Macau e a China”. Ricardo Pinto – Macau in “Ponto Final”

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