Políticos e académicos estão contra a mudança dos nomes
das ruas de Macau
A
proposta do conselheiro Chan Pou Sam, avançada na última reunião do Instituto
para os Assuntos Municipais, para que sejam alterados os nomes das ruas da
cidade, e assim apagar os vestígios do passado colonial, não parece reunir
grandes apoios na comunidade local.
“Muito
provavelmente, o que o sr. Chan Pou Sam quis fazer foi apenas agradar ao
Governo chinês”, disse ao Ponto Final o deputado Ng Kuok Cheong, no seu
primeiro comentário à iniciativa daquele membro do Conselho Consultivo do
Instituto dos Assuntos Municipais para que os nomes das ruas de Macau fossem
alterados, a fim de os expurgar de conotações colonialistas.
Se
foi de facto essa a intenção de Chan Pou Sam, estão ainda por verificar-se os
resultados. Não só está longe de se dar por garantido que seja essa a visão de
Pequim para a evolução da toponímia de Macau, como todas as personalidades
locais até agora ouvidas pelo Ponto Final se opõem à iniciativa do conselheiro
municipal. A começar pelo próprio Ng Kuok Cheong, histórico líder da Associação
do Novo Macau Democrático:
“Os
nomes das ruas devem permanecer, pois reflectem a história desta cidade”, disse
o deputado a este jornal. “Macau viveu diferentes períodos ao longo da sua
história. A esses diferentes períodos devem corresponder diferentes nomes nas
suas ruas e avenidas. Em breve, com a abertura de novas artérias nos novos
aterros, terão de ser encontrados novos nomes para essas ruas. Esses nomes,
sim, podem e devem reflectir esta nova fase da história de Macau.”
Ng
Kuok Cheong não quer, por agora, opinar sobre os critérios a que deve obedecer
a designação dos novos arruamentos. “Importa ouvir primeiro a população”,
argumenta. Mas insiste na necessidade de não se apagar a História, mesmo quando
esteja em causa a figura de Ferreira do Amaral, o antigo Governador que viu a
sua estátua equestre ser apeada da rotunda do hotel Lisboa, ainda durante a
Administração Portuguesa, mas que continua a dar o nome àquela zona. “Essa foi
uma decisão tomada num período político específico, resultado de um movimento
social que já antes tinha conduzido a idênticos resultados (em alusão ao
derrube da estátua de Nicolau Mesquita no Largo do Senado, em finais dos anos
60). Esse momento foi, entretanto, ultrapassado. Agora, o importante é
preservar a história desta cidade”, concluiu.
Agnes
Lam, também deputada à Assembleia Legislativa, está atenta a esta questão, a
ponto de ter agendado para amanhã uma discussão pública sobre o tema através da
Internet. E também neste caso, a proposta de Chan Pou Sam não convenceu.
“Não
concordo com a iniciativa do sr. Chan e sinto-me triste por estarmos a discutir
de novo este tema ao fim de mais de 20 anos”, disse. “Lembro-me que nos anos 80
e 90 havia pessoas que apelavam ao Governo Central para que, no futuro,
estátuas fossem removidas, os nomes fossem alterados e tudo o mais. Depois
desse debate, julgo que ficou as pessoas aceitaram que a experiência colonial
de Macau era justamente um dos marcos que diferenciavam Macau das restantes
cidades chinesas. É isso que nos faz diferentes até de Hong Kong, pois Portugal
e o Reino Unido governaram as duas cidades de maneiras muito diferentes”.
Porquê
o reacender do debate, mais de vinte anos depois da transferência de
administração para a China? “Julgo que a actual situação em Hong Kong está a
mexer muito com a cabeça de algumas pessoas aqui em Macau”, justifica a
deputada. “Mas a maioria compreende bem os limites do princípio ‘Um País, Dois
Sistemas’, sem deixar de ter um grande respeito pelo país.”
Em
suma: “A experiência colonial de Macau é parte da sua História e não deve ser
ignorada. E, mais importante do que tudo, a China e Portugal têm mantido sempre
uma excelente relação. A nossa experiência colonial nunca teve a ver com guerra
ou invasões. Espero que as pessoas descontraiam e respeitem a nossa História
como fazendo parte da nossa identidade. Ainda mais nesta fase em que a China
tem a estratégia de ‘Uma Faixa, Uma Rota’, onde há interesses comuns e onde
Macau pode desempenhar um papel de grande relevo”.
Aceitar a História, sem preconceitos
O Ponto
Final procurou ouvir outros políticos locais, de diferentes quadrantes
ideológicos, mas até ao fecho desta edição não recebemos os seus comentários. O
próprio conselheiro municipal Chan Pou Sam tinha uma entrevista agendada com
este jornal, mas adiou-a por tempo indeterminado, devido a uma deslocação à
China continental, explicaram-nos os seus colaboradores.
No
mundo académico, a iniciativa do munícipe também não parece estar a ganhar
tracção. Para além da forte oposição do historiador António Vasconcelos
Saldanha (ver texto nestas páginas), em nada surpreendente, reproduzimos aqui a
opinião da professora Catherine S. Chan, também dos quadros do Departamento de
História da Universidade de Macau:
“Já
passaram vinte anos sobre o retorno de Macau à China, e estas duas décadas
foram em grande parte harmoniosas e progressivas, criando um horizonte muito
optimista para a posição de Macau no quadro da nação chinesa. A bem sucedida
transição e integração de Macau na China vale como base de confiança quanto à
lealdade de Macau relativamente à China, e deve levar o sr. Chan a repensar a
sua proposta de alterar os nomes das ruas como passo necessário para que isso
se verifique. Todas as cidades são únicas em função das suas experiências no passado
e do papel que desempenham na criação das circunstâncias do presente. Macau tem
beneficiado muito nos últimos anos por ter preservado a sua identidade e por
evidenciar o seu lugar privilegiado na encruzilhada das culturas chinesas e
europeias. Daí que, na minha perspectiva, os traços da história colonial não
devam ser postos em causa, antes devam ser incorporados, sem preconceitos, na
identidade de Macau, especialmente à luz da forte relação entre Macau e a
China”. Ricardo Pinto – Macau in “Ponto Final”
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