Ricardo Borges, investigador da Universidade de São José,
deu uma palestra intitulada “100 anos de presença militar portuguesa em Macau
(1875-1975)”. Ao HM, o académico denuncia alguns “erros” e “mitos” que foi
encontrando em artigos sobre a história militar portuguesa do século XX e
alerta para um afastamento progressivo da génese das fortificações militares
actualmente destinadas ao turismo
Foi
em 1975 que se deu a saída da Guarnição Militar Portuguesa de Macau, mas antes
disso há uma imensa história com 100 anos de existência para contar. Ricardo
Borges, investigador da Universidade de São José (USJ), abordou essa história
no Grand Lapa, numa palestra promovida pela Câmara de Comércio França-Macau.
Ao
olhar para o centenário da presença militar portuguesa em Macau, o investigador
percebeu “a falta de estudos sistematizados”, uma vez que “todas as publicações
que existem acabam por parar no final do século XIX e não há uma continuação
para o século XX”, disse ao HM.
No
início do século XX, sobretudo até ao final da I Guerra Mundial, em 1918, houve
“um investimento na Guarnição com o Governador Correia da Silva, que de facto
trouxe a Guarnição para o século XX em termos tecnológicos e estruturais, já
com cerca de 20 anos de atraso”.
Em
1933 dá-se início ao Estado Novo em Portugal, com a implementação de uma nova
Constituição, que acaba por influenciar o posicionamento e o investimento do
Governo de Salazar na Guarnição Militar Portuguesa em Macau e em todo o
Ultramar.
Ricardo
Borges denota que existe “uma marcada diferença de abordar a Guarnição até
1933”, uma vez que, com a nova Constituição, “existem ordens de Lisboa para se
cortar nas despesas de todas as colónias e as despesas militares são as
primeiras a levarem um corte”.
Posteriormente
desenvolve-se “um período de grande instabilidade na Ásia”, onde, além dos
tumultos políticos na China, com a queda do Império e a Guerra Civil entre
nacionalistas e comunistas, acontecem “as ambições imperiais japonesas que se
fazem sentir mais cedo do que a II Guerra Mundial”.
“Em
1937 já se sentiam essas fricções no sul da China e vou falar um pouco sobre
algumas das coisas que ainda não foram abordadas sobre Macau no período da II
Guerra Mundial”. Nesse sentido, Ricardo Borges vai “aprofundar aquilo que a
Administração portuguesa aqui em Macau acabou por vender aos japoneses. E
também vou falar da documentação que foi destruída, era uma situação muito
complicada”.
A “grande guarnição”
A
implementação da República Popular da China, em 1949, faz Salazar reforçar o
número de homens na Guarnição Militar Portuguesa em Macau. Esta passa a
constituir “um projecto político muito importante para a imagem internacional
do Estado Novo e para a própria imagem interna de sustentação do regime”.
Dessa
forma, “em 1949 e até ao final da década estavam em Macau todos os anos mais de
3 mil soldados, uma grande guarnição num território pequeno e com uma população
diminuta”. Tal acabou por ter um efeito social, uma vez que muitos soldados
portugueses acabaram por constituir família em Macau e ficar pelo território.
“É um período com muita influência na comunidade portuguesa.”
Até
1975 mantém-se “intocável o status quo entre Portugal, a Administração
portuguesa e o regime comunista na China”. Ricardo Borges diz ter recolhido
depoimentos de antigos soldados e oficiais que “revelam que a postura era muito
diferente na forma de encarar os militares em Macau”.
Militares e turismo
Olhando
para as fortificações e infra-estruturas militares que permanecem no
território, Ricardo Borges lamenta que não haja uma maior associação entre a
sua génese e significado original e o turismo. “Tudo começou com a Fortaleza da
Barra, que foi transformada em pousada em 1981, mas também quando o Governador
Rocha Vieira transformou a Fortaleza do Monte no Museu de Macau. O património
está materialmente bem preservado e há cuidados, mas todas as novas sinergias
que estão a ser associadas a estes locais afastam sempre o visitante da sua
origem militar.”
Ricardo
Borges dá o exemplo da Fortaleza da Barra, “onde existe uma grande
transformação do espaço e que dissocia muito daquilo que era a sua função
original”. Quanto à Fortaleza do Monte está-se perante “um caso paradigmático”,
uma vez que “se o visitante entrar na Fortaleza pelo Museu, quando chega lá
acima não tem nenhuma noção de que está numa fortificação”.
O
investigador alerta para o facto de existir “cada vez mais uma postura
pós-colonialista, com uma clara dissociação daquilo que é a antiga função [das
estruturas militares] e da forma como são hoje apresentadas a visitantes ou
residentes”.
Em
termos académicos, Ricardo Borges também lamenta que, na feitura da história
militar na viragem do século XIX para o século XX, existem “inúmeros erros”. “É
o que chamo de mitos gravados na pedra, mas que não têm qualquer sustentação.
Muita da investigação que tenho feito contradiz muitos destes mitos que se
calcificaram ao longo do século XX. É necessário muito cuidado quando se trata
da história militar em Macau durante o século XX. Esse é um trabalho que ainda
está por fazer”, conclui. Andreia Silva – Macau in “Hoje
Macau”
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