Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Dimensão operática e diplomacia, na dupla celebração de Eça de Queiroz em Macau

Os 120 anos da morte de Eça de Queiroz serão assinalados, a 13 e 20 de Agosto, com duas sessões organizadas pela Associação Amigos do Livro de Macau. Se na primeira, conduzida por Ana Paula Dias e Shee Va, será abordada a aproximação do escritor português à ópera; na segunda sessão, o embaixador Carlos Frota tocará a vertente diplomática do humanista de crítica contundente, que se inscreve na estética literária realista, por oposição ao romantismo



Homem das farpas e dos salões, homem que impõe marca distintiva na literatura do século XIX, na construção do romance realista português. Eça de Queiroz morreu há 120 anos, assinalados a 16 de Agosto, o mesmo mês em que a Associação Amigos do Livro de Macau lhe estende homenagem com duas sessões que abordam duas dimensões menos conhecidas do escritor: a relação com a ópera e a acção enquanto diplomata. Cônsul de Portugal em Havana, Eça teve intervenção concreta e inflamada, na tentativa contínua de resgatar da escravatura os trabalhadores chineses que, via Macau, chegavam a Cuba para engordar as fileiras que sustentavam as plantações de açúcar.

Eça diplomata

“Vamos fazer o Eça, que eu já tinha feito em Janeiro de 2000, conjuntamente com o IPOR, porque eu conhecia bem o embaixador Carlos Frota, é um bom contador de histórias e ele fez uma intervenção excelente sobre o Eça de Queiroz, que é porventura uma das áreas da biografia do Eça menos conhecida, que é o Eça diplomata”, assinala Rui Rocha, referindo-se à sessão que acontecerá a 20 de Agosto. Antes disso, a 13 de Agosto, uma abordagem menos habitual à obra queirosiana. “Há uma outra vertente, que é muito curiosa, que é o Eça e a sua relação com a ópera do século XIX, e isso vai-se dividir em duas partes, uma será a ópera do século XIX em Portugal, que vai ser essencialmente falada pelo Shee Va, e depois a vertente literária, com Ana Paula Dias. No fundo, é um pouco explicar em que medida há uma aproximação efectiva, em termos literários, do Eça de Queiroz àquilo que ele contestava no século XIX, que era o romantismo da literatura, que se projecta muito na questão da ópera”, enquadra o presidente da associação.

Rui Rocha ressalta, na acção do Eça diplomata, a intervenção humanista do então jovem cônsul de Portugal, a quem tocara Havana como primeiro posto, no arranque de uma carreira diplomática que passaria ainda por Newcastle, Bristol e Paris. “O Eça diplomata é uma área pouco conhecida. Há um aspecto de que Carlos Frota da outra vez não falou, que foi a intervenção do Eça na defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos chineses que iam de Macau trabalhar para os campos em Cuba, os chineses que passam por Macau e obtêm documentos para ir para Cuba”.

Eça e a ópera

Ana Paula Dias e Shee Va conduzem, a 13 de Agosto, uma sessão que recai sobre a dimensão da ópera e da produção operática do século XIX na obra de Eça. “O que vou apresentar são os excertos que encontrámos, os mais interessantes. Há um muito giro, em ‘A Capital’, logo no início, em que ele diz: ‘Grande arte – ou seja, bel canto – era privilégio exclusivo do Teatro de São Carlos: aqui cantava-se em italiano, nos outros palcos musicais gania-se em português’. O Eça era muito irónico, vou começar com esta citação, que é bastante engraçada. A ideia é apresentar excertos da obra de Eça, que reflectem como é que se cantava ópera e como é que a ópera era vista no tempo de Eça de Queiroz”, adianta Ana Dias.

Uma relação sobretudo de espectador, de um homem que mirava do camarote a plêiade de figuras que integravam a elite da Lisboa de fim de século. A investigadora antecipa o corpo de referências que reúne, nesta altura, para a composição do texto que levará à sessão. “Tenho como referências o Mário Vieira de Carvalho, que tem ‘A cultura músico-teatral na crónica e na ficção queirosianas’, ‘os sopranos e barítonos ou como Eça de Queiroz revisita a ópera no século XIX’, de Jorge Valentim. Portanto, o Mário Vieira de Carvalho, o Jorge Valentim, e ainda há uma coisa de Tânia Gomes Valente, será com base nestes três autores e na recolha que foi feita por eles. O Shee Va vai falar da música em si, eu vou falar da forma como a ópera era encarada e comentada no tempo de Eça. Ele vai falar da ópera em si, eu vou falar da parte da literatura”.

Ana Paula Dias pensa ainda introduzir na sessão uma vertente que permita um outro modo de apropriação do texto. “Estou a pensar que vamos fazer umas leituras para não ser uma coisa maçuda, só uma apresentação lida. Estava a pensar que seria interessante fazer aqui uma dramatização destes excertos”.

Sobre a relação com Eça, a investigadora, que durante anos foi professora de português, diz guardar em lugar que só cabe aos dilectos. “É de amor incondicional. Eu fui professora durante muitos anos, tinha de ensinar Eça, e devo dizer-lhe que todos os anos fazia-o com renovado prazer. Achava sempre piada às mesmas coisas, deliciava-me sempre com o mesmo. Eu penso que o Eça de Queiroz é indiscutivelmente uma referência da literatura portuguesa”.

Também Ana alude ao período cubano de Eça e a uma intervenção efectiva e contundente, pouco usual na diplomacia. “Quando ele foi cônsul em Havana, ele fala dos cules, dos chineses emigrados, que tinham trabalho escravo no América do Sul e na América Central, ele escreveu sobre isso. Naquela época, e sendo cônsul, teve uma sensibilidade em relação à questão que poderia não ter tido, mas teve. O espírito crítico dele e a ironia tinham um lado mais solidário”.

Eça no consulado?

Ainda sem espaço definido para as sessões de 13 e 20 de Agosto, Rui Rocha aponta duas possibilidades e um desejo, o de levar o Eça diplomata ao Consulado de Portugal em Macau. “Temos duas hipóteses, uma delas é a Fundação Rui Cunha, que disponibiliza sempre o espaço. Outra poderá ser o Consulado, como se trata do Eça diplomata, seria talvez interessante nós utilizarmos o auditório do Consulado”.

O presidente da associação, que foi director do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Cidade de Macau, justifica a ausência da obra queirosiana no ensino do território com a insuficiência de competências para penetrar a densidade vocabular que a literatura contempla. “Há aqui uma questão que é uma questão de base, que é a proficiência linguística dos alunos que estudam português. A literatura portuguesa, de uma maneira geral, exige um grande domínio da língua portuguesa, não só competências linguísticas para perceber mas competências metafóricas, e outro tipo de competências que um aluno com quatro anos de escolarização do ensino superior, ainda que da língua portuguesa, não tem suficientes para entender uma obra de literatura”. Sílvia Gonçalves – Macau in “Ponto Final”

silviagoncalves.pontofinal@gmail.com

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