Os 120 anos da morte de Eça de Queiroz serão assinalados,
a 13 e 20 de Agosto, com duas sessões organizadas pela Associação Amigos do
Livro de Macau. Se na primeira, conduzida por Ana Paula Dias e Shee Va, será
abordada a aproximação do escritor português à ópera; na segunda sessão, o
embaixador Carlos Frota tocará a vertente diplomática do humanista de crítica
contundente, que se inscreve na estética literária realista, por oposição ao
romantismo
Homem
das farpas e dos salões, homem que impõe marca distintiva na literatura do
século XIX, na construção do romance realista português. Eça de Queiroz morreu
há 120 anos, assinalados a 16 de Agosto, o mesmo mês em que a Associação Amigos
do Livro de Macau lhe estende homenagem com duas sessões que abordam duas
dimensões menos conhecidas do escritor: a relação com a ópera e a acção
enquanto diplomata. Cônsul de Portugal em Havana, Eça teve intervenção concreta
e inflamada, na tentativa contínua de resgatar da escravatura os trabalhadores
chineses que, via Macau, chegavam a Cuba para engordar as fileiras que
sustentavam as plantações de açúcar.
Eça diplomata
“Vamos
fazer o Eça, que eu já tinha feito em Janeiro de 2000, conjuntamente com o
IPOR, porque eu conhecia bem o embaixador Carlos Frota, é um bom contador de
histórias e ele fez uma intervenção excelente sobre o Eça de Queiroz, que é
porventura uma das áreas da biografia do Eça menos conhecida, que é o Eça
diplomata”, assinala Rui Rocha, referindo-se à sessão que acontecerá a 20 de
Agosto. Antes disso, a 13 de Agosto, uma abordagem menos habitual à obra
queirosiana. “Há uma outra vertente, que é muito curiosa, que é o Eça e a sua
relação com a ópera do século XIX, e isso vai-se dividir em duas partes, uma
será a ópera do século XIX em Portugal, que vai ser essencialmente falada pelo
Shee Va, e depois a vertente literária, com Ana Paula Dias. No fundo, é um
pouco explicar em que medida há uma aproximação efectiva, em termos literários,
do Eça de Queiroz àquilo que ele contestava no século XIX, que era o romantismo
da literatura, que se projecta muito na questão da ópera”, enquadra o
presidente da associação.
Rui
Rocha ressalta, na acção do Eça diplomata, a intervenção humanista do então
jovem cônsul de Portugal, a quem tocara Havana como primeiro posto, no arranque
de uma carreira diplomática que passaria ainda por Newcastle, Bristol e Paris.
“O Eça diplomata é uma área pouco conhecida. Há um aspecto de que Carlos Frota
da outra vez não falou, que foi a intervenção do Eça na defesa dos direitos
humanos, nomeadamente dos chineses que iam de Macau trabalhar para os campos em
Cuba, os chineses que passam por Macau e obtêm documentos para ir para Cuba”.
Eça e a ópera
Ana
Paula Dias e Shee Va conduzem, a 13 de Agosto, uma sessão que recai sobre a
dimensão da ópera e da produção operática do século XIX na obra de Eça. “O que
vou apresentar são os excertos que encontrámos, os mais interessantes. Há um
muito giro, em ‘A Capital’, logo no início, em que ele diz: ‘Grande arte – ou
seja, bel canto – era privilégio exclusivo do Teatro de São Carlos: aqui
cantava-se em italiano, nos outros palcos musicais gania-se em português’. O
Eça era muito irónico, vou começar com esta citação, que é bastante engraçada.
A ideia é apresentar excertos da obra de Eça, que reflectem como é que se
cantava ópera e como é que a ópera era vista no tempo de Eça de Queiroz”,
adianta Ana Dias.
Uma
relação sobretudo de espectador, de um homem que mirava do camarote a plêiade
de figuras que integravam a elite da Lisboa de fim de século. A investigadora
antecipa o corpo de referências que reúne, nesta altura, para a composição do
texto que levará à sessão. “Tenho como referências o Mário Vieira de Carvalho,
que tem ‘A cultura músico-teatral na crónica e na ficção queirosianas’, ‘os
sopranos e barítonos ou como Eça de Queiroz revisita a ópera no século XIX’, de
Jorge Valentim. Portanto, o Mário Vieira de Carvalho, o Jorge Valentim, e ainda
há uma coisa de Tânia Gomes Valente, será com base nestes três autores e na
recolha que foi feita por eles. O Shee Va vai falar da música em si, eu vou falar
da forma como a ópera era encarada e comentada no tempo de Eça. Ele vai falar
da ópera em si, eu vou falar da parte da literatura”.
Ana
Paula Dias pensa ainda introduzir na sessão uma vertente que permita um outro
modo de apropriação do texto. “Estou a pensar que vamos fazer umas leituras
para não ser uma coisa maçuda, só uma apresentação lida. Estava a pensar que
seria interessante fazer aqui uma dramatização destes excertos”.
Sobre
a relação com Eça, a investigadora, que durante anos foi professora de
português, diz guardar em lugar que só cabe aos dilectos. “É de amor
incondicional. Eu fui professora durante muitos anos, tinha de ensinar Eça, e
devo dizer-lhe que todos os anos fazia-o com renovado prazer. Achava sempre
piada às mesmas coisas, deliciava-me sempre com o mesmo. Eu penso que o Eça de
Queiroz é indiscutivelmente uma referência da literatura portuguesa”.
Também
Ana alude ao período cubano de Eça e a uma intervenção efectiva e contundente,
pouco usual na diplomacia. “Quando ele foi cônsul em Havana, ele fala dos
cules, dos chineses emigrados, que tinham trabalho escravo no América do Sul e
na América Central, ele escreveu sobre isso. Naquela época, e sendo cônsul,
teve uma sensibilidade em relação à questão que poderia não ter tido, mas teve.
O espírito crítico dele e a ironia tinham um lado mais solidário”.
Eça no consulado?
Ainda
sem espaço definido para as sessões de 13 e 20 de Agosto, Rui Rocha aponta duas
possibilidades e um desejo, o de levar o Eça diplomata ao Consulado de Portugal
em Macau. “Temos duas hipóteses, uma delas é a Fundação Rui Cunha, que
disponibiliza sempre o espaço. Outra poderá ser o Consulado, como se trata do
Eça diplomata, seria talvez interessante nós utilizarmos o auditório do Consulado”.
O
presidente da associação, que foi director do Departamento de Língua Portuguesa
da Universidade Cidade de Macau, justifica a ausência da obra queirosiana no
ensino do território com a insuficiência de competências para penetrar a
densidade vocabular que a literatura contempla. “Há aqui uma questão que é uma
questão de base, que é a proficiência linguística dos alunos que estudam
português. A literatura portuguesa, de uma maneira geral, exige um grande
domínio da língua portuguesa, não só competências linguísticas para perceber
mas competências metafóricas, e outro tipo de competências que um aluno com
quatro anos de escolarização do ensino superior, ainda que da língua
portuguesa, não tem suficientes para entender uma obra de literatura”. Sílvia
Gonçalves – Macau in “Ponto Final”
silviagoncalves.pontofinal@gmail.com
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