A sociedade mongol submeteu-se a duras restrições pelo
coronavírus, incluindo a celebração de um de seus festivais mais importantes, o
Naadam Festival, que não teve quase nenhum público
Conhecida
como um dos últimos países de cultura nómada no mundo (pelo menos fora da
capital) e por estar localizada entre dois gigantes, a Mongólia ganha agora
destaque pela sua bem sucedida estratégia contra o coronavírus
O
país ostenta um feito extraordinário: desde o início da pandemia, não registou
nenhum caso de transmissão local de COVID-19 e nenhuma morte atribuída ao novo
coronavírus. Zero!
E
tudo isso mesmo levando-se em conta que o país tem algumas características que,
em teoria, o colocariam em posição vulnerável.
A
Mongólia faz fronteira com a China, onde se identificou pela primeira vez o
vírus que tem mexido com todo o planeta. E tem estreitos laços com a Coreia do
Sul, que experimentou um dos primeiros surtos, depois de Wuhan, e onde existe
uma população relativamente grande de trabalhadores mongóis.
Mas
a pequena Mongólia, de 3,2 milhões de habitantes, agiu rápido, de forma
contundente e holística, com uma estratégia elogiada pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), mas que até agora, não recebeu grande atenção internacional.
O vizinho do sul
Recorda
a BBC: Em Janeiro de 2020 e, quando todo o mundo ainda prestava atenção aos
festejos do novo ano, as más notícias começam a ser confirmadas na China.
A
7 de Janeiro Pequim confirma a existência de um patógeno da mesma família do
causador da SARS, que preocupou especialmente a Ásia e 13 dias depois as
autoridades chinesas confirmam que o novo coronavírus, pode ser transmitido
entre seres humanos. Na época, havia apenas quatro mortes confirmadas no país e
cerca de 200 casos registados.
As
notícias do país vizinho ao sul chegam a Ulan Bator, capital mongol, que age
rápido. Fecham as escolas a 24 de Janeiro, restringem entradas da China a
partir de 31 de Janeiro e, logo a seguir fecham fronteiras e suspendem todas as
viagens aéreas, ferroviárias ou rodoviárias internacionais.
Em
27 de Janeiro, o presidente mongol Khaltmaagiin Battulga visita a China, sendo
recebido por Xi Jinping. Não se conhece sobre que falaram, para além da agenda
oficial, mas o certo é que chegado a Ulan Bator, Battulga e toda a comitiva
entraram em quarentena dando o mote das restrições para a população.
Logo
a seguir, outra medida controversa e sem precedentes: a 12 de Fevereiro, foram
canceladas todas as celebrações do “Tsagaan Sar”, o Ano Novo lunar mongol,
incluindo as tradicionais visitas familiares.
“Como
resultado desses primeiros passos, o país conseguiu ganhar um tempo valioso
para fortalecer a sua preparação”, disse o gabinete regional da OMS na Mongólia
à BBC.
As
razões, para a OMS, são claras: medidas precoces e firmes, mas também um
sistema de rastreamento de casos para detectar contágios o mais rápido
possível, localizar contatos e interromper a transmissão com a participação da
população.
Lições da SARS
Nesta
pandemia, a Mongólia testou um sistema que está em construção há uma década,
desde a eclosão da SARS, e também do vírus da influenza a (H1N1), que se tornou
uma pandemia em 2009.
Entre
os destaques da resposta da Mongólia está um sistema de vigilância
multissectorial, que detecta qualquer incidente e emite alertas para as
agências de saúde e outras áreas, como a imprensa, numa abordagem “que abarca
toda a sociedade”, segundo a OMS.
“As
autoridades abriram linhas de comunicação directa e expandiram as suas acções
contra a COVID-19 num estágio inicial do surto”, salientam, com sessões de
informações conjuntas entre o governo e a OMS transmitidas por diferentes
canais e redes sociais.
E
a população ouviu.
“Graças
à acção do sistema de saúde da Mongólia, tanto o governo quanto a população
ficaram muito preocupados com o vírus e as pessoas seguiram todas as
recomendações”, disse à BBC Baljmaa T., jornalista de Ulan Bator.
Casos importados
O
uso de máscaras – uma prática à qual, como grande parte da população asiática,
os mongóis estão acostumados – também foi salientado por especialistas do país.
Desde
Janeiro, o governo exigiu o uso de máscaras nos espaços públicos e para
trabalhadores, funcionários de bancos, lojas ou mercados, sob o risco de multas
de 54 dólares.
Equipes
de saúde e líderes comunitários insistiram na importância dessa prática, assim
como da lavagem das mãos, disse o oncologista Gendengarjaa Baigalimaa, que
trabalha num hospital da capital num artigo para a Universidade de Stanford,
publicado em Maio.
“Essas
medidas ajudaram imensamente a conter a disseminação da COVID-19 e significaram
uma redução drástica no número de casos de gripe (…). E outro benefício
inesperado foi a queda de infecções gastrointestinais entre menores: as
crianças estavam em casa e lavando as mãos da maneira ideal “, explicou.
No
início de Março, o primeiro caso “importado” foi detectado no país: um cidadão
francês que viajou para o país desde a Rússia e foi tratado com sucesso. Desde
então, e até 14 de Julho, registaram-se 243 casos, todos importados, dos quais
204 recuperaram.
A
OMS reconhece que há sempre a possibilidade de haver casos que não sejam
detectados, mas a entidade afirma que as fontes disponíveis sugerem que não há
evidências de transmissão local pela comunidade.
Num
país como a Mongólia, que tem a menor densidade populacional do mundo (2
habitantes por km2), pode-se pensar que trata-se de uma tarefa fácil.
Mas
a situação é mais complexa. Cerca de 40% de população total (mais de 1,5
milhão) está concentrada na capital, uma cidade dramaticamente poluída que tem
ligações directas e diárias com a China e outros países da região – é preciso
apenas um voo de duas horas para se chegar a Pequim e menos de quatro horas a
Seul.
As consequências das medidas
Apesar
do sucesso contra a covid-19, a estratégia da Mongólia não foi bem recebida por
todos. Ao fechar rapidamente as suas portas para o exterior, o país também
bloqueou a entrada aos seus próprios cidadãos, colocando milhares numa situação
muito difícil no meio da pandemia.
“Há
críticas duras contra o governo pelo repatriamento lento dos seus cidadãos no
exterior, pois muitas pessoas estão presas fora do país desde Fevereiro”,
explica Baljmaa.T.
As
autoridades lançaram um sistema de repatriação por meio da companhia aérea
estatal MIAT, com um duro período de quarentena após a chegada: 21 dias em
instalações administradas pelo governo e 14 dias em casa depois disso.
Desde
Fevereiro quase 13 mil pessoas foram repatriadas, mas estima-se que outras 10
mil ainda estão à espera de regressar.
Dentro
do país, acrescenta o jornalista, também crescem as críticas ao duro impacto
que as medidas de restrição tiveram na vida quotidiana da sociedade – desde a
limitação no horário de funcionamento de restaurantes ou bares e o fecho de
museus, cinemas, à proibição de que as crianças estejam em locais públicos, o
que ainda continua em vigor, apesar dos bons resultados.
“A
proibição de reuniões significou um declínio acentuado da actividade económica,
especialmente para pequenas empresas”, disse Saranzaya Gerelt-Od, investigadora
da Fundação Ásia na Mongólia, no podcast da InAsia.
“Entre
Janeiro e Março, as pessoas ficaram muito assustadas porque a China está muito
próxima”, disse o gabinete da fundação em Ulan Bator, destacando a difícil
situação vivida pelos empresários do país, especialmente as mulheres.
A
essa atmosfera somou-se a recente campanha para as eleições parlamentares de 24
de Junho, nas quais o social-democrata e herdeiro do ex-Partido Comunista,
Partido Popular da Mongólia (PPM), revalidou sua maioria (obteve 62 dos 76
deputados) como que confirmando que a maioria mongol concordou com o modo como
o Governo geriu a crise pandémica.
Foi
uma campanha atípica, apesar do interesse generalizado. Aos 76 lugares do
Parlamento (“State Great Khural” em inglês) concorreram 13 partidos políticos e
137 independentes) que foram a votos em 24 de Junho na que é a única democracia
de tipo ocidental da região – Presidente e Primeiro-Ministro são de partidos
diferentes.
A
aceitação das restrições anti-epidémicas foi visível quer nas críticas das
redes sociais a alguns actos de campanha sem distanciamento social, quer nas
máscaras e cumprimento de distanciamento nas mesas eleitorais.
Entre
11 e 15 de Julho, outro grande feriado nacional, o Festival Naadam, decorreu
com severas restrições. Os chamados “três jogos do homem”, que rememoram o
império de Genghis Khan e comemoram o dia em que a Mongólia se levantou como
país livre e independente, terminaram no dia 15 de Julho (quase) sem público.
Um
grupo de pessoas privilegiadas – entre elas, políticos – conseguiu assistir às
competições de arco e flecha, às perigosas corridas de cavalos protagonizadas
por menores ou à luta de pesos pesados, que geralmente atraem pessoas de todas
as idades e de todas as partes do país e do estrangeiro.
As
cenas dessa competição colorida lembram o passado imperial mongol e é a esta
fase da história que alguns regressam para explicar a vitória mongol contra o
coronavírus até o momento.
“Fizemos
agora como nos dias de Genghis Khan. As mensagens do governo de Ulan Bator
chegaram rapidamente aos nómadas das Províncias mais remotas”, disse Chinburen
Jigjidsuren, assessor especialista em questões de saúde do primeiro-ministro.
“O
exército de Genghis Khan era muito disciplinado. E essa disciplina chegou até
nós”, defendeu. “Então, quando o governo dá a ordens de usar máscaras ou ficar
em casa, as pessoas obedecem.” In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”
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