I
Poucos jornalistas são tão populares
como José Hamilton Ribeiro (1935), já que há três décadas é visto pelo menos
todas as manhãs de domingo às voltas com reportagens no programa Globo Rural, da TV Globo. Mas é ao mesmo
tempo não só o jornalista brasileiro que mais Prêmios Esso acumulou, sete ao
todo, como uma unanimidade entre os seus colegas, que o consideram uma
referência profissional e um exemplo de ética na carreira e na vida particular.
Conhecer melhor essa
trajetória é a oportunidade que oferece o livro O jornalista mais premiado do Brasil: a vida e as histórias do repórter
José Hamilton Ribeiro (Secretaria Municipal de Cultura de Araçatuba-SP/Eko Gráfica,
2015), de Arnon Gomes, com prefácio de Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S. Paulo. Inicialmente trabalho
de conclusão de curso (TCC) em Jornalismo apresentado à Universidade Santa
Cecília (Unisanta), de Santos-SP, em 2004, este livro foi reescrito pelo menos
duas vezes por seu autor, o que demonstra a sua preocupação com o estilo e a
apuração da informação.
II
Mestre consumado da
reportagem, que influenciou gerações de profissionais com textos que marcaram
época, como aqueles produzidos para a revista Realidade como correspondente na Guerra do Vietnã (1965-1975), da
qual saiu mutilado, ao pisar numa mina, José Hamilton Ribeiro está em atividade
desde a década de 1950, quando deixou Santa Rosa do Viterbo, cidade do Interior
paulista, na região de Ribeirão Preto, perto da divisa com Minas Gerais, para
estudar Jornalismo em São Paulo na Faculdade Cásper Líbero, inaugurada em 1947 e
até então a única do gênero no País. Ainda estudante, começou a trabalhar na
Rádio Bandeirantes escrevendo notícias para leitura por um locutor durante a
madrugada.
Como se lê no livro de Arnon
Gomes, Zé Hamilton, como é conhecido popularmente, logo trocou a emissora por
um trabalho na redação do jornal O Tempo,
hoje desaparecido, e, em seguida, foi para a Folha de S.Paulo, em 1956. Não concluiria o curso de Jornalismo porque
seria expulso, ao lado de outros colegas, por participar como presidente do
centro acadêmico de um movimento que exigia a contratação de melhores
jornalistas para o corpo docente. Naquele tempo, porém, a profissão de jornalista
não era regulamentada, o que se daria em 1969, e, portanto, esse detalhe não
atrapalharia sua carreira. Mesmo assim, ele não desistiria da sua formação
acadêmica e iria concluir o curso de Direito em Uberaba, em Minas Gerais , em
1964.
Da Folha de S. Paulo, em 1962, Zé Hamilton iria para a Editora Abril,
a convite do jornalista Mino Carta, para trabalhar na revista Quatro Rodas, a uma época em que a
imprensa brasileira começava a passar por grandes reformulações. Quatro anos
depois, mudaria de redação na mesma empresa, passando para a revista Realidade, que, lançada em abril de 1966,
trazia uma proposta inovadora com grandes reportagens e textos de alta
qualidade.
III
Alguns dos textos de Zé
Hamilton daquela época são reproduzidos neste livro de Arnon Gomes e ainda hoje
servem de modelo para quem pretende escrever bem. São textos objetivos, que
prendem a atenção do leitor desde a primeira linha. É preciso que se diga
também que, ao contrário do que ocorre hoje na grande imprensa, a Editora Abril
daquela época investia em reportagem e o repórter tinha todas as condições
financeiras para ir a campo e escrever seu texto.“Tinha gente que se fechava no
apartamento e ficava às vezes uma semana inteira hibernando, para só sair com o
texto pronto”, lembra Zé Hamilton.
Àquela época, a ideia que
permeava a direção da revista é que os repórteres precisavam “viver” aquilo
sobre o qual escreveriam. Assim, Zé Hamilton iria se empregar numa fábrica para
viver na pele as dificuldades de um operário ou ainda iria tentar “ficar” negro
para sentir como era a vida de um afrodescendente, experiência pela qual não
chegaria a passar porque fracassariam todas as tentativas, desde um banho de
tintura a um trabalho de maquiagem.
Com esse mesmo espírito foi
escrita a reportagem que, segundo Arnon Gomes, é a preferida de Zé Hamilton,
intitulada “Coronel não morre”, publicada na edição de novembro de 1966 de Realidade. Para mostrar como funcionava
o coronelismo naquela época – hoje, o coronelismo ainda existe com toda a
força, mas disfarçado e modernizado –, o repórter conseguiu a façanha de
acompanhar o dia a dia do fazendeiro Chico Heráclio, grande proprietário de
terras e homem politicamente influente em Limoeiro, na zona do agreste de
Pernambuco.
Mas o que catapultaria Zé
Hamilton para a fama seria a reportagem que faria como correspondente de guerra
no Vietnã, da qual, infelizmente, viraria a própria notícia, ao pisar numa mina
e perder boa parte da perna esquerda. A fotografia de Zé Hamilton sendo
socorrido no Vietnã seria capa da edição de maio de 1968 da revista. Com o
título “Eu estive na guerra”, a reportagem traz o depoimento de Zé Hamilton de
todo o episódio e suas consequências, como a sua recuperação num hospital nos
Estados Unidos e a batalha para se adaptar a uma prótese. A reportagem pode ser
lida (ou relida) neste livro de Arnon Gomes.
Obviamente, a carreira de Zé
Hamilton não parou aqui. Pelo contrário. O livro de Arnon Gomes recupera sua
trajetória à frente das redações de vários jornais do Interior paulista, a uma
época em que trabalhar na grande imprensa de São Paulo não era tarefa amena por
causa das perseguições dos esbirros da ditadura militar (1964-1985). Recupera
também os 14 livros que escreveu, desde Vietnã,
o gosto da guerra, de 1969, obra de estreia, até Jornalismo Científico, teoria e prática, o último, de 2014, em
parceria com o professor José Marques de Melo, passando por Pantanal, Amor Baguá, romance
infanto-juvenil com mais de 40 reimpressões, de 1974, Jornalistas (1937-1997), sobre os 60 anos do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, e outros, até a sua entrada,
aos 46 anos de idade, no mundo da televisão para trabalhar no programa Globo Repórter, da TV Globo.
Logo passaria para o programa
Fantástico e, em seguida, para o Globo Rural, de onde não saiu mais. Suas
reportagens televisivas no Pantanal, na Amazônia e em outros lugares paradisíacos
do sertão ficaram na memória de muitos telespectadores e são recuperadas em
detalhes por Arnon Gomes, que não se limitou a ouvir o seu biografado, mas
muitos outros profissionais que trabalharam com ele – alguns dos quais
faleceram nos últimos anos. Até porque, como diz Zé Hamilton com muita modéstia,
o repórter teve “a sorte de sempre trabalhar com equipes de jornalistas
melhores do que ele, equipes que o ajudam a fazer matérias boas o suficiente
para serem premiadas”, como se lê na apresentação que Arnon Gomes fez para o
seu próprio livro.
IV
Como seu ex-professor, este
articulista pode dizer que Arnon Gomes foi aquele tipo de aluno que todo mestre
gostaria de ter como orientando. Quando se apresentou para receber a primeira
orientação para o seu TCC, já trazia não só o tema escolhido como sabia muito
bem os caminhos a seguir. Além de tudo, já apresentava uma condição essencial
para quem pretendia seguir carreira no jornalismo impresso: sabia escrever
praticamente sem erros de Português, construir imagens atraentes e insólitas,
sem rebuscamento, com um estilo direto.
O resultado foi um TCC que
fez história naquela universidade e é até hoje lembrado pela direção e pelos
professores do curso que tiveram a oportunidade rara de acompanhar a sua
apresentação diante de um auditório lotado. Até porque o homenageado era o jornalista
José Hamilton Ribeiro.
Nascido em Santos-SP, em 1983,
o jornalista Arnon Gomes é editor-executivo do jornal Folha da Região, de Araçatuba, segunda maior cidade da região Oeste
do Estado de São Paulo, que se caracteriza pela força econômica de sua pecuária
e por seu polo universitário. Pós-graduado em História e Cultura, é autor de
mais dois livros: Com o véu da alegoria,
cem anos de carnaval em Araçatuba (Somos, 2008) e Genílson Senche, homem de ideias e ação (Somos, 2011).
Jornalista ainda jovem, fez
deste livro um manual de jornalismo, reunindo as lições do veterano José
Hamilton Ribeiro em meio a pequenas e grandes histórias, todas saborosas, que fazem
parte de sua longa trajetória. Aos poucos jovens que ainda sonham com uma
carreira no jornalismo impresso, hoje ameaçado de morte pela concorrência
digital, recomenda-se que, antes de prestar vestibular, leiam este livro.
Equivale a fazer o curso de Jornalismo por inteiro. Adelto Gonçalves - Brasil
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O jornalista mais
premiado do Brasil: a vida e as histórias do repórter José Hamilton Ribeiro, de Arnon
Gomes, com prefácio de Sérgio Dávila. Araçatuba-SP: Secretaria Municipal de
Cultura/Editora Eko Gráfica, 260 págs., R$ 35,00, 2015. E-mail: arnongomes.esc@gmail.com
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Adelto
Gonçalves,
jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro,
Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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