A economia de Macau caiu 48,7% no primeiro trimestre,
reflectindo uma quebra que não surpreendeu os economistas ouvidos pelo Jornal Tribuna
de Macau, devido à actual conjuntura no sector do jogo. Porém, apesar de Macau
ter uma grande reserva financeira, alertam que esta situação poderá tornar-se
incomportável e defendem a abertura das fronteiras como solução
O
Produto Interno Bruto (PIB) sofreu uma descida anual de 48,7%, em termos reais,
durante os primeiros três meses deste ano. Segundo salientou a Direcção dos
Serviços de Estatísticas e Censos (DSEC), “embora não tenha ocorrido qualquer
contágio a nível comunitário em Macau, a economia do território, em que
predominam as exportações de serviços, sofreu um grave impacto da queda
drástica da procura global”.
Economistas
contactados pela Tribuna de Macau consideraram que a queda era “expectável”
tendo em conta a correlação com as receitas do sector do jogo, que também estão
em queda devido ao encerramento das fronteiras, para conter a disseminação do
novo coronavírus.
“Podemos
notar que a resposta do PIB é muito próxima do que aconteceu com a quebra das
receitas do jogo”, que como é natural, “nesta altura é muito acentuada”,
indicou Albano Martins. Por isso, o economista sublinha que a recuperação
económica depende das regras impostas nas fronteiras.
“Não
há outra hipótese de recuperação a não ser pela via da abertura das fronteiras
de Macau a jogadores chineses e de Hong Kong, claro neste momento mais da
própria China Continental”, defendeu.
No
que diz respeito à procura interna, segundo os dados oficiais, as exportações
de serviços desceram 60%, em termos anuais, com destaque para as quedas de
61,5% nas exportações de serviços do jogo e de 63,9% nas exportações de outros
serviços turísticos. As exportações de bens diminuíram 23,5%.
Albano
Martins esclareceu que “Macau não exporta bens, só exporta serviços, o que é o
termo técnico económico para dizer que nós vendemos produtos, que são serviços
no território de Macau, a não residentes. Chamamos exportação de serviços, mas
não há exportação nenhuma”.
Neste
contexto, Albano Martins considera que as actuais restrições de entrada são
desproporcionais à dimensão do problema da pandemia. “Quem entender que pode
melhorar a economia de Macau estando apenas preocupado com a saúde pública está
enganado. Isto é um binómio, as duas coisas dependem uma da outra, mas é
preciso a determinada altura haver um grau de risco”.
“Quando
há mais de 50 dias que não temos contaminação nenhuma, nós estamos a dar um tiro
nos próprios pés”, disse, alentando que este “tiro nos próprios pés” custa
muito dinheiro ao Governo. “Não estou preocupado com as receitas do jogo em si.
Estou preocupado com as receitas do jogo do Governo que são substancialmente
elevadas para serem perdidas apenas porque quem decide as questões económicas,
mistura as questões económicas com as questões de saúde publicas”.
Por
sua vez, José Sales Marques diz que a recuperação económica será “certamente só
depois do Verão”.
“Apesar
do consumo interno estar a recuperar, até pela injecção dos cartões de consumo
electrónico o consumo representa uma parte não tão significativa, [do PIB]
sobretudo, o consumo interno dos residentes. Portanto, enquanto não
recuperarmos o número de visitantes, quer em termos gerais, quer
particularmente, visitantes que venham cá jogar, vamos continuar a ter valores
muito baixos em termos do PIB”, explicou.
Quanto
ao Governo “já chegou ao limite daquilo que vai fazer do ponto de vista de
injecção na economia, aquilo que podemos chamar de estímulos fiscais”. “O que
vamos ter a partir de agora é o regresso do funcionamento normal da economia de
Macau”, indicou referindo-se às duas rondas de apoios que totalizaram uma
injecção de 13,6 mil milhões de patacas na economia local.
Sales
Marques destacou ainda que o Executivo já assumiu um orçamento deficitário para
o corrente ano e que os valores referentes ao primeiro trimestre correspondem
às expectativas traçadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). “Aquilo que
está previsto pelo FMI é uma queda de 29% para este ano e, por enquanto, acho
que essa previsão está mais ou menos dentro daquilo que poderá acontecer”.
Um “amortecedor” parcial
Por
outro lado, José Isaac Duarte, observa que as “previsões dependem de um
conjunto de pressupostos, que nesta altura são muito difíceis de definir”.
“Abril
foi 5% das contas do ano passado. No primeiro semestre foi um período de
adaptação onde as pessoas foram postas em ‘lay-off’ ou despedidas, ainda têm
algumas poupanças e por isso não têm padrões de consumo, mas a cada mês que
passa essa situação se irá agravar mais”, alertou o economista. “Já estamos a
metade do ano, não podemos ficar assim o ano todo”, indicou, acrescentando que
as iniciativas do Governo serão insuficientes dada a dependência económica do
sector do jogo e das receitas das despesas dos visitantes.
Os
economistas afirmaram ainda que a reserva financeira tem capacidade para
suportar esta situação durante bastante tempo, mas Isaac Duarte nota que “as
reservas também precisam ser reabastecidas”.
“Existe
um amortecedor, mas que servirá apenas parcialmente. Nunca será um amortecedor
que substitui o resto da economia. As despesas totais do Governo representam
cerca de 25% do PIB, por isso o Governo tem de cobrar esses impostos, uma vez
que não vende serviços”, afirmou Isaac Duarte.
Por
outro lado, no que diz respeito ao sector privado, “precisa de manter os
padrões de vida, e em alguns casos padrões de vida mínimos porque começará a
haver pessoas com carências para satisfazer as necessidades básicas”.
O
comunicado da DSEC referente ao primeiro trimestre indica ainda que a procura
interna “arrastada principalmente pelas diminuições do investimento em activos
fixos e da despesa de consumo privado, não obstante o aumento de cinco por cento
da despesa de consumo final do Governo”, teve uma queda de 17,5%. A despesa do
consumo privado sofreu uma descida de 15,2%, justificada pela redução no
consumo fora de casa e nas viagens.
No
campo das despesas, o Governo adquiriu mais equipamentos de protecção e
materiais médicos, lançou medidas de apoio financeiro e reservou hotéis para
quarentenas, “incrementando assim a amplitude ascendente da despesa de consumo
final do Governo, passando de 1,9% no trimestre anterior para cinco por cento”.
A
amplitude descendente do investimento em activos fixos foi agravada com um
decréscimo anual de 37,2%. Por outro lado, investimento em obras públicas
registou uma subida anual de 47,8%.
Em
termos anuais, as importações de bens caíram 30,8% dadas as diminuições na
despesa de consumo privado, no investimento e nas despesas dos visitantes. Sofia
Rebelo – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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