Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Macau - Semana da Cultura Chinesa, da sinologia à lusofonia

Foram sete livros, apresentados durante cinco dias, ao longo da Semana da Cultura Chinesa. O objectivo, segundo a organização, passou por dar a conhecer a sinologia à lusofonia, percorrendo assuntos tão diversos como a filosofia, pintura, estratégia e a poesia



A Fundação Rui Cunha acolheu, entre 15 e 19 de Junho, a Semana da Cultura Chinesa, apresentando clássicos chineses que foram traduzidos para a língua portuguesa. “Estudo Maior”, “A Prática do Meio”, “As Leis da Guerra”, “Teoria da Pintura Chinesa” Volumes I e II, “Divino Panorama – Um Inferno Chinês”, e “Balada do Mundo” foram os sete livros apresentados numa iniciativa organizada pelo jornal Hoje Macau e pela editora Livros do Meio, que teve como objectivo dar a conhecer a sinologia à lusofonia.

Na sessão de abertura, Carlos Morais José, responsável pela iniciativa, destacou a importância destas traduções para português, recordando que os portugueses estão em Macau há quase 500 anos, “mas infelizmente, apesar de termos sido os primeiros a levar a China para o Ocidente, e a dar a conhecer a China no Ocidente em livros importantíssimos e que levaram ao primeiro contacto com o pensamento chinês, depois parece que os portugueses adormeceram durante um longo período de tempo”. “A nossa simbologia é hoje, talvez, uma das mais pobres da Europa”, lamentou Morais José. Desta forma, a Semana da Cultura Chinesa acaba por ser “um pequeno contributo” para ajudar a comunidade portuguesa em Macau a ter um “maior entendimento da China e da cultura chinesa”.

Estudo Maior” (Da Xue) e “A Prática do Meio” (Zhong Yong) marcaram o arranque das sessões dedicadas à Semana da Cultura Chinesa, sendo considerados como dois livros centrais sobre a filosofia confuciana, de acordo com Morais José. “São dois livros que fazem parte do cânone confuciano, tal qual ele foi estabelecido na dinastia Song”, referiu o director do Hoje Macau na abertura da sessão. “Isto é um livro político também, tentar dar uma moral e uma ética aos governantes, daí que seja um livro bastante importante nesse sentido de ser lido hoje também. É constituído por palavras de Confúcio, e depois por comentários de Zengzi, que é um dos seus discípulos. Tem também comentários do próprio Zhu Zhi que ajudam muito na interpretação das palavras do mestre”, disse Carlos Morais José, referindo-se a “Estudo Maior”.

Sobre a “Prática do Meio”, o organizador referiu que a obra visa, de uma forma geral, “regular os pensamentos, as palavras e as acções”, dando como exemplo a importância de um governante conhecer a história e perceber quais são as forças que estão em confronto para as poder equilibrar. “Neste sentido, o confucionismo não é de todo uma doutrina reaccionária ou que proponha um mundo imóvel, baseado em valores do passado que têm que ser aplicados rigorosamente no presente. Pelo contrário, o confucionismo é uma doutrina que obriga o soberano a encontrar soluções para responder às transformações que constantemente ocorrem”, disse o organizador das sessões.

Obra perdida e recuperada

As Leis da Guerra”, de Sun Bin, foi o segundo livro apresentado na Semana da Cultura Chinesa. É um livro “muito interessante”, referiu Carlos Morais José, explicando que Sun Bin é descendente de Sun Tzu, autor de “Arte da Guerra”. “É, digamos, uma continuação de um livro do seu antepassado. Foi escrito no séc. III antes de Cristo e andou desaparecido, até que, em 1972, foi encontrado numas ruínas numas escavações arqueológicas”, na cidade chinesa de Linyi, na província de Shandong. Depois de encontrado o manuscrito, foi publicado em chinês e foi traduzido em várias línguas europeias, nascendo agora uma tradução em português.

O livro, traduzido por Rui Cascais Parada, não se limita pela descrição de estratégias militares, mas sim sobre uma forma de pensar relativamente a vários aspectos da vida, segundo Frederico Rato, que apresentou a obra.

“A narrativa deste livrinho parece predominantemente militar, mas encerra um verdadeiro corpo de normas político-filosóficas e ético-morais também. Este legado do mestre Sun Bin extravasa a realidade bélica para se plantar também numa vivência que diria polivalente, ou embarcando todos os sectores da vida em comunidade”, disse o advogado. “É também um livro interessante porque os preceitos que lá estão escritos não se aplicam só à guerra, mas também a coisas do dia-a-dia. Era um homem extremamente inteligente com tácticas fantásticas e conselhos muito interessantes”, prosseguiu.

Ao longo da apresentação, o orador foi aproveitando para partilhar alguns excertos do livro com os presentes, dando alguns exemplos das estratégias militares abordadas na obra e que tinham como finalidade demonstrar o “modo de levar a melhor sobre o inimigo”. “Também o Sun Bin se me afigura ser um percursor do esforço de codificação que abriu caminho a um desejo e a um ânimo político e jurídico que me parece animar a sociedade chinesa no sentido da codificação das leis dos homens, que eu desejaria que não coincidissem com as leis da guerra”, concluiu Frederico Rato.

Reflexão sobre a pintura chinesa

Os volumes I e II da “Teoria da Pintura Chinesa” foram as obras que se seguiram na Semana da Cultura Chinesa. Os trabalhos reúnem textos sobre a teoria da pintura chinesa, uma forma de arte que é preciso aprender antes de se poder apreciar, segundo Leong Iok Fai, que apresentou a sessão. O primeiro volume, “Os Eixos da Tradição”, é da autoria de Xie He, Yao Zui, Jing Hao, Guo Xi e Zhang Yanyuan. O segundo volume, “O Fascínio do Gesto”, tem como autores Zhang Geng, Shitao, Shen Hao e Wang Yuanqi, foi explicado na sessão.

Leong Iok Fai, presidente da Associação de Pintura e Caligrafia de Macau, aproveitou a sua intervenção para abordar um pouco sobre a história da pintura clássica chinesa e a sua vertente de ambiguidade, sobretudo para a comunidade ocidental. “Através desta pintura, as pessoas podem apreciar o espírito dos seres humanos. O espírito é uma coisa bastante abstracta, é difícil de explicar, e o ritmo espiritual é também bastante abstracto, não podemos explicar de forma muito detalhada, só podemos apreciar estas pinturas”, disse o orador.

No entender de Leong Iok Fai, os textos de diferentes autores que abordam pintura clássica chinesa do século VI ao XVIII vão permitir às pessoas ter uma maior proximidade daquilo que, nomeadamente para os ocidentais, “por vezes é estranho ou difícil de entender”.

Universo fantástico e imaginável

Na apresentação de “Divino Panorama – Um Inferno Chinês”, o médico Shee Va referiu que a obra representa um “entendimento daquilo que se chama o património cultural chinês” e que é “importante para o Ocidente”. Para o organizador das sessões, o “Divino Panorama – Um Inferno Chinês” é “uma amálgama de budismo, confucionismo e taoismo, que descreve o que acontece às almas depois da morte”. O livro explica as diferenças entre o “inferno cristão” e o “inferno chinês”, e que “foi escrito para aconselhar as pessoas a completarem-se decentemente durante esta vida para não terem que sofrer muito na outra”, disse Morais José.

Shee Va, por sua vez, abordou durante a sua intervenção a existência de um inferno com 18 anos, algo que na cultura chinesa se ouve também sobretudo em criança. No final da sessão, um dos presentes elogiou a intervenção de Shee Va, considerando que retratou com as suas descrições um “universo de fantástico e imaginário”.

Semana culmina com poesia

No último dia da Semana da Cultura Chinesa foi apresentado “Balada do Mundo”, de Li He. Carlos Morais José descreveu o autor como ”um dos maiores poetas da dinastia tang”. Segundo o livro, Li He era descendente do príncipe Zheng e começou a escrever aos sete anos. Este livro conta com 108 dos poemas de Li He.

O livro de poesia foi apresentado por Yao Jingming, que destacou a qualidade de Li He, cuja obra se juntou agora a outros nomes conhecidos da poesia chinesa em termos de tradução para português. “Encontramos tantas notas, que o português pode consultar se não conseguir compreender os poemas, porque a poesia está cheia de mitos e lendas. O tradutor, para facilitar a compreensão, fez uma investigação muito profunda”, disse o orador no decorrer da sessão.

Yao Jingming frisou ainda que a poesia de Li He “não é fácil” até para o leitor chinês. “Faz a poesia de uma forma muito inovadora, diferente de outros poetas do seu tempo. Não respeita tanto a tradição literária daquele tempo, é uma atitude muito corajosa. Morreu de forma muito prematura, aos 26 anos, mas deixou muitos poemas”, frisou.

Naquele que foi o último dia da Semana da Cultura Chinesa, Yao Jingming aproveitou para elogiar o trabalho do organizador pela iniciativa, pedindo um reconhecimento ao Governo. “Tem feito um trabalho fantástico, acho que o trabalho dele deve ser mais reconhecido. É uma pessoa que merece muito ser condecorada pelo Governo, acho que é bom passar essa mensagem porque o trabalho dele tem que ser reconhecido. Se o Governo de Macau não fizer isso, então vou tentar falar com o Governo Central chinês”, disse Yao Jingming, arrancando gargalhadas dos presentes. Pedro Santos – Macau in “Ponto Final”

pedroandresantos.pontofinal@gmail.com

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