Foram sete livros, apresentados durante cinco dias, ao
longo da Semana da Cultura Chinesa. O objectivo, segundo a organização, passou
por dar a conhecer a sinologia à lusofonia, percorrendo assuntos tão diversos
como a filosofia, pintura, estratégia e a poesia
A
Fundação Rui Cunha acolheu, entre 15 e 19 de Junho, a Semana da Cultura
Chinesa, apresentando clássicos chineses que foram traduzidos para a língua
portuguesa. “Estudo Maior”, “A Prática do Meio”, “As Leis da
Guerra”, “Teoria da Pintura Chinesa” Volumes I e II, “Divino
Panorama – Um Inferno Chinês”, e “Balada do Mundo” foram os sete
livros apresentados numa iniciativa organizada pelo jornal Hoje Macau e pela
editora Livros do Meio, que teve como objectivo dar a conhecer a sinologia à
lusofonia.
Na
sessão de abertura, Carlos Morais José, responsável pela iniciativa, destacou a
importância destas traduções para português, recordando que os portugueses
estão em Macau há quase 500 anos, “mas infelizmente, apesar de termos sido os
primeiros a levar a China para o Ocidente, e a dar a conhecer a China no
Ocidente em livros importantíssimos e que levaram ao primeiro contacto com o
pensamento chinês, depois parece que os portugueses adormeceram durante um
longo período de tempo”. “A nossa simbologia é hoje, talvez, uma das mais
pobres da Europa”, lamentou Morais José. Desta forma, a Semana da Cultura
Chinesa acaba por ser “um pequeno contributo” para ajudar a comunidade
portuguesa em Macau a ter um “maior entendimento da China e da cultura
chinesa”.
“Estudo
Maior” (Da Xue) e “A Prática do Meio” (Zhong Yong) marcaram o
arranque das sessões dedicadas à Semana da Cultura Chinesa, sendo considerados
como dois livros centrais sobre a filosofia confuciana, de acordo com Morais
José. “São dois livros que fazem parte do cânone confuciano, tal qual ele foi
estabelecido na dinastia Song”, referiu o director do Hoje Macau na abertura da
sessão. “Isto é um livro político também, tentar dar uma moral e uma ética aos
governantes, daí que seja um livro bastante importante nesse sentido de ser
lido hoje também. É constituído por palavras de Confúcio, e depois por
comentários de Zengzi, que é um dos seus discípulos. Tem também comentários do
próprio Zhu Zhi que ajudam muito na interpretação das palavras do mestre”,
disse Carlos Morais José, referindo-se a “Estudo Maior”.
Sobre
a “Prática do Meio”, o organizador referiu que a obra visa, de uma forma
geral, “regular os pensamentos, as palavras e as acções”, dando como exemplo a
importância de um governante conhecer a história e perceber quais são as forças
que estão em confronto para as poder equilibrar. “Neste sentido, o
confucionismo não é de todo uma doutrina reaccionária ou que proponha um mundo
imóvel, baseado em valores do passado que têm que ser aplicados rigorosamente
no presente. Pelo contrário, o confucionismo é uma doutrina que obriga o
soberano a encontrar soluções para responder às transformações que
constantemente ocorrem”, disse o organizador das sessões.
Obra perdida e recuperada
“As
Leis da Guerra”, de Sun Bin, foi o segundo livro apresentado na Semana da
Cultura Chinesa. É um livro “muito interessante”, referiu Carlos Morais José,
explicando que Sun Bin é descendente de Sun Tzu, autor de “Arte da Guerra”.
“É, digamos, uma continuação de um livro do seu antepassado. Foi escrito no
séc. III antes de Cristo e andou desaparecido, até que, em 1972, foi encontrado
numas ruínas numas escavações arqueológicas”, na cidade chinesa de Linyi, na
província de Shandong. Depois de encontrado o manuscrito, foi publicado em
chinês e foi traduzido em várias línguas europeias, nascendo agora uma tradução
em português.
O
livro, traduzido por Rui Cascais Parada, não se limita pela descrição de
estratégias militares, mas sim sobre uma forma de pensar relativamente a vários
aspectos da vida, segundo Frederico Rato, que apresentou a obra.
“A
narrativa deste livrinho parece predominantemente militar, mas encerra um
verdadeiro corpo de normas político-filosóficas e ético-morais também. Este
legado do mestre Sun Bin extravasa a realidade bélica para se plantar também
numa vivência que diria polivalente, ou embarcando todos os sectores da vida em
comunidade”, disse o advogado. “É também um livro interessante porque os
preceitos que lá estão escritos não se aplicam só à guerra, mas também a coisas
do dia-a-dia. Era um homem extremamente inteligente com tácticas fantásticas e
conselhos muito interessantes”, prosseguiu.
Ao
longo da apresentação, o orador foi aproveitando para partilhar alguns excertos
do livro com os presentes, dando alguns exemplos das estratégias militares abordadas
na obra e que tinham como finalidade demonstrar o “modo de levar a melhor sobre
o inimigo”. “Também o Sun Bin se me afigura ser um percursor do esforço de
codificação que abriu caminho a um desejo e a um ânimo político e jurídico que
me parece animar a sociedade chinesa no sentido da codificação das leis dos
homens, que eu desejaria que não coincidissem com as leis da guerra”, concluiu
Frederico Rato.
Reflexão sobre a pintura chinesa
Os
volumes I e II da “Teoria da Pintura Chinesa” foram as obras que se
seguiram na Semana da Cultura Chinesa. Os trabalhos reúnem textos sobre a
teoria da pintura chinesa, uma forma de arte que é preciso aprender antes de se
poder apreciar, segundo Leong Iok Fai, que apresentou a sessão. O primeiro
volume, “Os Eixos da Tradição”, é da autoria de Xie He, Yao Zui, Jing
Hao, Guo Xi e Zhang Yanyuan. O segundo volume, “O Fascínio do Gesto”,
tem como autores Zhang Geng, Shitao, Shen Hao e Wang Yuanqi, foi explicado na
sessão.
Leong
Iok Fai, presidente da Associação de Pintura e Caligrafia de Macau, aproveitou
a sua intervenção para abordar um pouco sobre a história da pintura clássica
chinesa e a sua vertente de ambiguidade, sobretudo para a comunidade ocidental.
“Através desta pintura, as pessoas podem apreciar o espírito dos seres humanos.
O espírito é uma coisa bastante abstracta, é difícil de explicar, e o ritmo
espiritual é também bastante abstracto, não podemos explicar de forma muito
detalhada, só podemos apreciar estas pinturas”, disse o orador.
No
entender de Leong Iok Fai, os textos de diferentes autores que abordam pintura
clássica chinesa do século VI ao XVIII vão permitir às pessoas ter uma maior
proximidade daquilo que, nomeadamente para os ocidentais, “por vezes é estranho
ou difícil de entender”.
Universo fantástico e imaginável
Na
apresentação de “Divino Panorama – Um Inferno Chinês”, o médico Shee Va
referiu que a obra representa um “entendimento daquilo que se chama o
património cultural chinês” e que é “importante para o Ocidente”. Para o
organizador das sessões, o “Divino Panorama – Um Inferno Chinês” é “uma
amálgama de budismo, confucionismo e taoismo, que descreve o que acontece às
almas depois da morte”. O livro explica as diferenças entre o “inferno cristão”
e o “inferno chinês”, e que “foi escrito para aconselhar as pessoas a
completarem-se decentemente durante esta vida para não terem que sofrer muito
na outra”, disse Morais José.
Shee
Va, por sua vez, abordou durante a sua intervenção a existência de um inferno
com 18 anos, algo que na cultura chinesa se ouve também sobretudo em criança.
No final da sessão, um dos presentes elogiou a intervenção de Shee Va,
considerando que retratou com as suas descrições um “universo de fantástico e imaginário”.
Semana culmina com poesia
No
último dia da Semana da Cultura Chinesa foi apresentado “Balada do Mundo”,
de Li He. Carlos Morais José descreveu o autor como ”um dos maiores poetas da
dinastia tang”. Segundo o livro, Li He era descendente do príncipe Zheng e
começou a escrever aos sete anos. Este livro conta com 108 dos poemas de Li He.
O
livro de poesia foi apresentado por Yao Jingming, que destacou a qualidade de
Li He, cuja obra se juntou agora a outros nomes conhecidos da poesia chinesa em
termos de tradução para português. “Encontramos tantas notas, que o português
pode consultar se não conseguir compreender os poemas, porque a poesia está
cheia de mitos e lendas. O tradutor, para facilitar a compreensão, fez uma
investigação muito profunda”, disse o orador no decorrer da sessão.
Yao
Jingming frisou ainda que a poesia de Li He “não é fácil” até para o leitor
chinês. “Faz a poesia de uma forma muito inovadora, diferente de outros poetas
do seu tempo. Não respeita tanto a tradição literária daquele tempo, é uma
atitude muito corajosa. Morreu de forma muito prematura, aos 26 anos, mas
deixou muitos poemas”, frisou.
Naquele
que foi o último dia da Semana da Cultura Chinesa, Yao Jingming aproveitou para
elogiar o trabalho do organizador pela iniciativa, pedindo um reconhecimento ao
Governo. “Tem feito um trabalho fantástico, acho que o trabalho dele deve ser
mais reconhecido. É uma pessoa que merece muito ser condecorada pelo Governo,
acho que é bom passar essa mensagem porque o trabalho dele tem que ser
reconhecido. Se o Governo de Macau não fizer isso, então vou tentar falar com o
Governo Central chinês”, disse Yao Jingming, arrancando gargalhadas dos
presentes. Pedro Santos – Macau in “Ponto
Final”
pedroandresantos.pontofinal@gmail.com
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