I
Poeta
anárquico, que transita com extrema facilidade pela Filosofia e pela
Literatura, aliás, como poucos na atual geração de literatos brasileiros, W. J.
Solha (1941) está com novo livro na praça, Vida aberta – Tratado
Poético-Filosófico (Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2019), que apresenta
ao leitor um extenso poema, ou melhor, um discurso utópico, em que procura
reconstituir a história da Humanidade e seus muitos saberes e mitos e também os
seus numerosos fracassos.
É
claro que não se trata de um poema destinado ao grande público, mas ao leitor
contumaz, erudito e capaz de reconhecer os muitos nomes citados, que vão de
Richard Wagner (1813-1883), Beethoven (1770-1827), Karl Marx (1818-1883),
Marlene Dietrich (1901-1992), Albert Einstein (1879-1955), Schopenhauer
(1788-1860) e Nietzche (1844-1900) a Baudelaire (1821-1867), Apollinaire
(1880-1918), Velázquez (1599-1660) e Júlio Cortázar (1914-1984), entre tantos
outros.
Como
muito bem observou em resenha que fez desta obra a crítica literária, poeta, contista
e ensaísta Alexandra Vieira de Almeida, doutora em Literatura Comparada pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), este novo livro de Solha, a
exemplo de obras anteriores, faz “a junção entre o coloquial/popular e o
erudito, o antigo e o contemporâneo nos matizes que encabeçam os versos do
autor”. Por isso, além de nomes consagrados da Literatura Brasileira, como
Manuel Bandeira (1886-1968), Augusto dos Anjos (1884-1914 e Ariano Suassuna
(1927-2014), são lembrados o escultor Abelardo da Hora (1924-2014), o
compositor Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba (1904-1997), e o cantor e
compositor Alceu Valença, entre muitos outros.
Segundo
o poeta e jornalista Linaldo Guedes, autor do texto de apresentação de Vida
aberta – Tratado Poético-Filosófico, tudo está praticamente nas páginas da
obra de Solha: “cowboys, filme dos Lumière, Rembrandt, Mozart, Gaudi,
porco-espinho fazendo sexo, Hawking, Mickey, Buda, Cristo, USP, Becket, Plínio
Marcos, Rig Veda, Alcorão, Bíblia, Capitão Marvel, Platão”. Por isso, Guedes
adianta que o leitor não precisa saber o que vai fazer com tais referências,
mas recomenda: “Deixe-se apenas embalar pelo melhor que a poesia pode produzir:
imagens em alta velocidade, ritmo, ironia e sabedoria que é pura magia, ...
igual à da fé – do Islã, cristã, pagã, dos judeus – que torna o oco dos
templos, “presença” de Deus”, reproduzindo na última parte da frase trechos
do poema de Solha.
II
Como
exemplo do trabalho artesanal de Solha, pode-se destacar que Vida aberta começa
e, praticamente, termina com imagens de um episódio que é uma metáfora do fim
do mundo, muito apropriado a esta época em que a pandemia do coronavírus
(covid-19) ameaça e aterroriza a Humanidade: a do conjunto Wallace Hartley
Band que tocou até o final, enquanto o luxuoso transatlântico Titanic,
símbolo até então do gênio humano, em sua viagem inaugural em 1912, naufragava
em águas próximas à Terra Nova, no Canadá, com mais de 1.500 pessoas a
bordo. Eis o trecho final do poema: Daí/
que,/ sem a ansiedade que imaginava típica de minha idade/ e no pique da
Wallace Hartley Band que toca até o The... End/ no Titanic,/ sinto-me,/ agora,/
como apache que do desconhecido homem branco/ acha a outra... espora.
A
imagem final também é uma repetição da segunda imagem de abertura do poema e
funciona como uma metáfora: a do homem (não só branco, pois a escravidão é um
fenômeno ocorrido em todas as latitudes) que sempre procurou, em toda a
História, subjugar o semelhante, o que, de certo modo, faz até hoje em vários
tipos de sociedade. Na imagem do poema, aqui é o homem branco que imaginou
cavalgar o índio apache, escoiceando-o com as esporas.
Para
que o leitor tenha uma ideia do que o espera, basta reproduzir este trecho que
se encontra no miolo do poema: (...) Mas – um dia o deus dos judeus –, se o
tema é arranha-céu, ainda/ se pensa em Babel./ O Titanic é uma barca,/ perto da
Arca; e cruz,/ mais do que a... Coca-Cola,/ é A/ logomarca!/ O fato é que Deus
– como Zeus,/ em sã consciência,/ é imaginário, extraordinário homem/ dotado de
onipotência/ mas/ se um já perdeu o emprego,/ um dia o judeu também cai,/ sim,/
do Sinai,/ basta que tudo, a seu respeito,/ seja submetido a estudo./ Jesus,
Alegria dos Homens – tirando-se a partitura – não é/ mais do que/ os dólmens./
E toda a arte... da Igreja... irá pro Google, como as obras de Bruegel./ Ricos
retratos, opulentas paisagens e naturezas mortas: o burguês holandês do século
XVII se liberta da arte sacra/ (que até então o encalacra),/ e assim é a
História, que se escreve certo/por linhas tortas (...). (pp. 76/77).
III
Publicado
em 2018, também pela editora Penalux, A engenhosa tragédia de Dulcineia e
Trancoso, na definição de seu autor, não seria um longo poema de versos
livres, como Vida aberta, mas um rimance, ou seja, um romance
popular, em verso, que se canta ao som da viola, ainda frequente no Brasil, um
pequeno canto épico. Mas pode ser considerado também “uma novela de cavalaria
para tempos modernos (dentro da lógica nordestina)”, como observa o jornalista
Daniel Zanella no texto de apresentação que escreveu para esta obra. Ou ainda
“um poema de caráter pluridimensional, artisticamente construído sobre os
pilares da experiência e maturidade”, como definiu o escritor João Carlos
Taveira, no prefácio.
De
fato, W. J. Solha procura reconstruir uma epopeia do século XXI, mas a partir do Dom Quixote, de
Miguel de Cervantes (1547-1616), e de A pedra do reino, de Ariano
Suassuna, sem deixar de evocar o mito de Dom Sebastião (1554-1578), o rei de
Portugal, que desapareceu na África, gerando o sebastianismo, espécie de crença
messiânica em seu retorno ao país. Portanto, são muitos os significados que
podem ser extraídos desta obra de maturidade do autor, mas o que se pode intuir
é que seus versos pendem mais para a descrença, ainda que de uma incredulidade
discreta.
IV
Nascido
em Sorocaba-SP, Waldemar José Solha (1941) radicou-se em João Pessoa, na
Paraíba, a partir de 1962. Além de poeta, teve várias pesagens pelo teatro como
autor e diretor de peças e ator. Escreveu textos para "Cantata Pra
Alagamar", música de José Alberto Kaplan, 1980, e "Os
Indispensáveis", para música de Eli-Eri Moura, apresentada em João Pessoa
em 1992. Trabalhou como ator nos filmes O salário da morte, dirigido por
Linduarte Noronha e lançado em 1970; Fogo morto, dirigido por Marcus
Farias; Soledade, dirigido por Paulo Thiago (ambos de 1975); A canga, de
MarcusVilar, em 2001, e Lua Cambará, dirigida por Rosemberg Cariry, em
2002. É autor dos painéis "Homenagem a Shakespeare", de 1997, em
exposição permanente no auditório da Reitoria da Universidade Federal da
Paraíba (UFPb), e "A Ceia", de 1989, no Sindicato dos Bancários da
Paraíba.
Publicou
os romances Israel Rêmora, Prêmio Fernando Chinaglia de 1974 (Rio de
Janeiro, Editora Record, 1975), A canga, 2º prêmio Caixa Econômica de
Goiás de 1975 (São Paulo, Editora Moderna, 1978; Porto Alegre, Mercado Aberto,
1984); A verdadeira história de Jesus (São Paulo, Editora Ática, 1979); Zé
Américo foi princeso no trono da monarquia (Rio de Janeiro, Codecri,1984); A
batalha de Oliveiros, Prêmio INL 1988 (Belo Horizonte, Editora Itatiaia,
1989); e Shake-up, (João Pessoa,
Editora da UFPb, 1997).
Na
área de poesia, é autor também de Trigal com corvos (São Paulo, Recanto das
Letras, 2004), poema longo publicado pela Editora Palimage, de Portugal, também
em 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto 2005 como melhor livro de poesia de
2004; História universal da angústia (Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005),
coletânea, Prêmio Graciliano Ramos 2006 e finalista do Prêmio Jabuti 2006;
e DeuS e outros quarenta PrOblEMAS
(Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2015). Adelto Gonçalves –
Brasil
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Vida aberta: Tratado Poético-Filosófico, de
W. J. Solha. Guaratinguetá-SP: Editora Penalux, 106 págs., R$ 37,00, 2019. A
engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso, de W. J. Solha.
Guaratinguetá-SP: Editora Penalux, 98 págs,, R$ 35,00, 2018. E- mail: penalux@editorapenalux.com.br
Site:
www.editorapenalux.com.br
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Adelto Gonçalves é
doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003), Tomás Antônio Gonzaga
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2019), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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