A edição original de "Apresentação do Rosto"
surgiu em 1968, na Editora Ulisseia, e foi rapidamente apreendida pela PIDE,
que destruiu os quase 1500 exemplares impressos. A obra não voltou a ser
editada
"Apresentação
do Rosto", um chamado "autorretrato romanceado" de Herberto
Hélder, publicado em 1968 e de imediato apreendido pela PIDE, a polícia
política da ditadura, chega às livrarias ao fim de 52 anos, na próxima
quinta-feira, anunciou a editora.
"A
presente edição, feita por iniciativa de Olga Lima, viúva de Herberto Hélder
[1930-2015], segue o texto da publicação original, corrigindo diversos lapsos e
erros tipográficos assinalados pelo autor, num exemplar de trabalho",
escreve a Porto Editora, no anúncio da data de publicação.
Para
esta edição, no entanto, "não foram tomadas em conta restantes anotações,
cortes e sinais, que constam desse exemplar, por não estabelecerem claramente
uma nova organização do livro, indicando apenas hipóteses de alteração textual
ou as referidas deslocações de fragmentos para outras obras do autor",
acrescenta a Porto Editora.
A
edição original de "Apresentação do Rosto" surgiu em 1968, na Editora
Ulisseia, e foi rapidamente apreendida pela PIDE, que destruiu os quase 1500
exemplares impressos. A obra não voltou a ser editada.
O
despacho de proibição, datado de 22 de julho de 1968, descreve-a como
"autobiografia do autor, que é de índole esquerdista, escrita em linguagem
surreal e hermética, que como obra literária não mereceria qualquer reparo, se
não apresentasse passagens de grande obscenidade".
Num
artigo publicado na Página da Educação sobre a "Censura Fascista", em
agosto de 2008, o editor Serafim Ferreira (1940-2015), ex-diretor literário do
Círculo de Leitores, recordou o processo e o modo como um dos agentes da PIDE,
que entraram na Ulisseia, disse haver na obra “uma evidente carga de
pornografia, o que não podia de forma nenhuma ser tolerado”.
Em
1968, quando surgiu o seu livro, Herberto Hélder era condenado no âmbito do
processo relacionado com a publicação de "Filosofia de Alcova", de
Marquês de Sade, pelas Edições Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello.
Na
altura, Herberto somava já perto de década e meia de atividade literária, desde
a publicação dos primeiros poemas (1953/1954) e do primeiro livro, "O Amor
em Visita" (1958). A sua bibliografia contava então com obras como "A
Colher na Boca" (1961), "Os Passos em Volta" (1963),
"Húmus" e "Retrato em Movimento" (1967), "O Bebedor
Nocturno" (1968), além da primeira recolha, "Ofício Cantante
1953-1963".
"Apresentação
do Rosto" é o livro em que explica: "Temos enfim o silêncio: é uma
autobiografia. É algo que se conquista à força de palavras (...). E ele [Autor]
realizará uma autobiografia ativa, uma sufocante acumulação do crime".
O
livro prefigura-se assim como o processo de fazer ver um rosto, à partida
impessoal, mas que ganha vida, um rosto que se apresenta em permanente
transformação, e que se define na improbabilidade de o fazer: "Eu sou um
movimento", escreve Herberto Hélder, em jeito de autorretrato.
Apesar
de ausente das livrarias, "Apresentação do Rosto" tem sido alvo de
estudos literários, de análise, de teses de mestrado e doutoramento, motivando
múltiplas abordagens, como o livro "Uma Espécie de Crime - Apresentação do
Rosto de Herberto Hélder", de Manuel de Freitas (&etc. 2001).
Sequências
da obra estão também noutros títulos do poeta, como "Os Passos em
Volta" (desde a 3.ª edição, de 1970), "Vocação Animal" (1971),
"Retrato em Movimento" (nas versões de 1973 e 1981, para "Poesia
Toda"), "Photomaton & Vox" (1979) e "Do Mundo"
(1994).
A
edição original de "Apresentação do Rosto" tinha capa do artista
plástico Espiga Pinto (1940-2014).
Herberto
Hélder, que a investigação literária e os seus pares colocam entre os maiores
poetas da Língua Portuguesa, nasceu no Funchal, em 1930, e morreu em Cascais,
aos 84 anos, em março de 2015.
Na
altura, o presidente da Associação Portuguesa de Autores, José Manuel Mendes,
referiu-se ao poeta como o criador "da obra mais fulgurante em
Portugal".
O
escritor Manuel Alegre considerou-o "um dos maiores poetas de todos os
tempos".
O
crítico Pedro Mexia identificou-lhe uma apropriação da palavra sem
desconfianças, ironias ou cinismos e considerou-o, por essa força verbal, o
maior poeta da segunda metade do século XX, tal como Fernando Pessoa o foi, na
primeira.
Herberto
Hélder, que deu a última entrevista em 1968, que recusou o Prémio Pessoa, em
1994 ("Não digam a ninguém e dêem o prémio a outro", disse ao júri),
e editou o livro "A Morte sem Mestre", em 2014, foi "um
mestre" para outros escritores, como o poeta Nuno Júdice admitiu.
Foi
um "poeta tão diferente, tão vulcânico" que mostrou "tudo o que
é mágico e inexplicável na poesia”, afirmou o professor Fernando Pinto do
Amaral.
Herberto
frequentou a licenciatura de Direito, na Universidade de Lisboa, que trocou por
Filologia Românica, que deixou ao fim de três anos. Colaborou em periódicos
como A Briosa, Renhau-nhau, Búzio, Folhas de Poesia, Graal, Cadernos do
Meio-dia, Pirâmide, Távola Redonda e Jornal de Letras, Artes & Ideias.
No
final dos anos de 1960, foi diretor literário da editorial Estampa.
Em
1971, partiu para África, onde realizou uma série de reportagens para a revista
Notícias.
Entre
os seus livros contam-se "Poemacto", "A Cabeça Entre as
Mãos", "As Magias", "Última Ciência", "A Faca Não
Corta o Fogo – Súmula & Inédita", "Servidões", "Poemas
Canhotos".
Em
2016, surgiu "Letra Aberta", livro de inéditos recolhidos nos
cadernos do escritor. Neles, elogia a "beleza sem gramática" e o
"ferocíssimo esplendor" do poema. In “Contacto”
– Luxemburgo com “Lusa”
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