“The Lisbon Book of Pantuns” é o livro que vai ser
publicado pela Casa da Moeda e que tem por base um manuscrito encontrado
recentemente no Museu de Arqueologia de Lisboa, documento este que contém 11
poemas. Cinco são de crioulo de base portuguesa e seis em malaio. A
investigação contou com a participação de Alan Baxter, especialista em crioulos
de base portuguesa, que conta ao Jornal Tribuna de Macau qual a importância
deste achado
A
descoberta recente no Museu de Arqueologia de Lisboa de um manuscrito de
“considerável interesse histórico, linguístico e literário” sobre Batavia do
século XVIII, hoje Jacarta, Indonésia, vai resultar na publicação de um livro –
“The Lisbon Book of Pantuns” – pela Casa da Moeda de Lisboa. A análise do
documento, levada a cabo por cinco investigadores, contou com a participação de
Alan Baxter, linguista australiano, especialista em crioulos de base
portuguesa, precisamente porque além de poemas malaios, há também poemas em
crioulo de base portuguesa.
“É
um conjunto de pantuns, são poemas, canções, é um género de poema de quatro
linhas, uma tradição malaia. Nesta pequena colectânea, há 11 poemas, seis em
malaio e cinco em crioulo de base portuguesa”, explicou Alan Baxter em
declarações ao Jornal Tribuna de Macau. Com cerca de 72 páginas, o manuscrito
foi analisado, tendo este sido “um trabalho difícil”, uma vez que a ortografia
com que se depararam era “complicada”.
O
manuscrito, cujo título original é “Panton Malaijoe dan Português”, não era
inteiramente desconhecido, lê-se na publicação Arqueólogo Português que faz
referência a esta pesquisa. Estava nas mãos do professor Hugo Schuchardt, da
Universidade de Graz, “grande linguista do século XIX e especialista em línguas
crioulas”, que o deixou como legado a José Leite de Vasconcelos, refere Baxter.
“Mantiveram
correspondência durante anos porque tinham muitos aspectos em comum. Foi numa
visita que Leite de Vasconcelos fez à Universidade de Graz, que Schuchardt lhe
mostrou o manuscrito”, explica. Foi então em 1927 que Leite de Vasconcelos
recebeu o documento, mas, porque andava tão embrenhado noutros trabalhos nunca
teve tempo para o estudar, refere a publicação.
O
etnógrafo e arqueólogo que faleceu aos 82 anos deixou o documento em
testamento, ao Museu Nacional de Arqueologia, como parte do seu espólio
científico e literário, incluindo manuscritos e correspondência.
Recentemente,
a bibliotecária Lívia Cristina Coito e o investigador Ivo Castro encontraram o
manuscrito. “Encontraram nos arquivos de Vasconcelos, o livro de pantuns, ainda
guardado no próprio envelope que foi enviado a Vasconcelos por um bibliotecário
de Graz”, lê-se na publicação.
“Em
geral, podemos dizer que o manuscrito contribui bastante para a nossa
compreensão da formação dos crioulos do Sudeste Asiático. Por outro lado, dá
para perceber o papel que Malaca teve naquela época”, apontou Alan Baxter.
O
director do departamento de português da Universidade de São José explicou
ainda que todo o manuscrito foi “composto a várias mãos”. “Obviamente foram os
mardijkers, os chamados homens livres, ou seja, escravos. Não necessariamente
mestiços, mas podiam ser; o mais provável é que fossem ex-escravos de origem do
sul da Índia, mas entre eles havia escravos de várias procedências”,
prosseguiu.
“Quando
os holandeses chegaram ao sul da Índia e Sudeste Asiático, os portugueses já aí
estavam bem estabelecidos e a língua já estava ‘crioulizada’ em vários lugares
e era comum uma espécie de língua franca baseada em crioulo”. Encontraram o
crioulo português e tiveram de utilizar essa língua.
Em
Batavia, o crioulo português do século XVII foi, em época, a língua mais
falada. Do Sul da Índia, os holandeses levaram escravos da costa e da
contracosta para Batavia, que, além de falarem as suas línguas indígenas,
falavam o crioulo como língua primária ou secundária. Assim se instalou o
crioulo de base portuguesa em Batavia. E foi muito forte”, acrescentou Alan
Baxter.
Cantigas de amor e passeios de mulheres
Sobre
os poemas em português, Alan Baxter conta que são “quatro cantigas de amor” e
um outro poema que se divide em duas partes. “A primeira é sobre um passeio a
uma cidade perto de Batavia, um passeio em que vai um grupo de mulheres a uma
cidade que fica perto da então Batavia”, explica, acrescentando que são versos
com “muito humor”, além do “conteúdo local”, como nomes de frutas que era
possível comprar nas feiras daquela cidade. Além disso, “fala também sobre quem
vai levar o quê em termos de comida e mencionam comidas típicas locais”.
A
segunda parte, por sua vez, “é uma história sobre o rei velho de Banteng, que
fica na costa norte da ilha de Java”. “É esse o conteúdo temático dos poemas em
crioulo português”.
Por
outro lado, no que se refere aos poemas em malaio, além das cantigas de amor,
há também “um poema que fala sobre uma rebelião que aconteceu em 1689 na Ilha
de Amboina”. “É um longo poema muito interessante”.
“Eu
e o professor Hugo Cardoso fizemos uma breve apreciação linguística, um capítulo,
comentando o conteúdo linguístico do material”, observou, sobre o papel que
teve nesta investigação. “Descobrimos que, em geral, o material manifesta
muitos traços tipológicos que são próprios de todos os crioulos do Sul da Índia
e do Sudeste Asiático”, acrescentou.
Já
na análise em pormenor, chegaram à conclusão de que “o material se parece muito
com o crioulo de Malaca, o que era de esperar, porque foi o grande núcleo para
a difusão de elementos de língua crioula pelo Sudeste Asiático”.
Segundo
adiantou, “todo este material, tem um interesse científico, contribuindo para a
possibilidade de fazer comparações com as primeiras fontes, dos séculos XVII,
XVIII e XIX”.
E
concluiu que “são pequenas peças de um cenário incompleto, mas quantas mais
peças melhor dá para comparar e confirmar determinadas características”. Catarina
Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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