Uma
equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da
Universidade de Coimbra (UC) descobriu um possível novo alvo terapêutico para a
doença de Alzheimer que poderá representar um passo importante para o tratamento
desta doença neurodegenerativa.
Atualmente
sem terapias eficazes, a doença de Alzheimer é um dos maiores problemas de
saúde mundial, tendo um grande impacto económico e social. Caracteriza-se pela
progressiva degeneração e morte dos neurónios, especialmente na zona do
hipocampo, a região do cérebro responsável pela formação e consolidação de
memórias. Acredita-se que a perda de função dos neurónios desta região estará
na base da perda de memória observada na doença.
Deste
modo, o estudo, já publicado na revista científica Molecular Therapy - Nucleic Acids,
procurou microARNs (pequenas sequências genéticas com um papel regulador nas
nossas células) que fossem possíveis alvos terapêuticos inovadores para a
doença de Alzheimer, tendo filtrado o microARN-31 como alvo promissor para este
tipo de estratégias.
Este
trabalho teve como objetivo principal «estudar se seria possível obter, através
da modulação de um microARN específico, um efeito benéfico num modelo animal da
doença de Alzheimer. Queríamos observar se aumentar os níveis do microARN-31 –
já identificado em quantidades mais baixas no plasma de doentes, comparando com
pessoas saudáveis da mesma idade - traria benefícios relevantes não só no que
diz respeito às características histopatológicas da doença, como ao nível das
alterações comportamentais características da patologia», afirma Ana Luísa
Cardoso, coordenadora do projeto.
Para
avaliar os efeitos benéficos do microARN-31, a equipa de investigadores
recorreu a um modelo animal de ratinho para o estudo da doença de Alzheimer,
utilizando apenas fêmeas. Após injeção de um vírus geneticamente modificado que
forçasse a expressão do microARN-31, foram avaliados marcadores da doença, como
a acumulação de placas beta amilóide (aglomerados tóxicos de um peptídeo,
característicos da doença) no cérebro dos animais, assim como a perda de função
neuronal na zona do hipocampo. Realizaram-se também ensaios comportamentais,
para aferir se o microARN-31 poderia prevenir a perda de memória associada à
doença de Alzheimer.
«Uma das principais fases deste estudo
focou-se no desenvolvimento de uma estratégia lentiviral, ou seja, uma
ferramenta de expressão de um vírus, capaz de entregar o microARN-31 aos
neurónios e passível de ser entregue no cérebro do modelo animal da doença de
Alzheimer. Posteriormente, quisemos avaliar a deposição de placas beta
amilóide, a função neuronal e o comportamento dos animais após a injeção do
microARN, e avaliar se existiam melhorias quando comparado com animais não
tratados com a sequência genética», explica Ana Teresa Viegas, primeira autora
do estudo.
«Observámos
que a expressão deste microARN no hipocampo dos animais levava a uma diminuição
da deposição de placas beta amilóide, especialmente na zona do subículo –
pequena área do hipocampo responsável pela memória de trabalho. Também
verificámos que, comparando com os animais não tratados, os animais que
receberam o microARN-31 apresentavam menores défices neste tipo de memória, que
é recrutada em tarefas simples do dia-a-dia, não implicando vários processos de
aprendizagem. Simultaneamente, observámos menores níveis de ansiedade e de
inflexibilidade cognitiva – características observadas nos humanos em fases
iniciais da doença», realça Ana Teresa Viegas.
A
opção de realizar o estudo em modelos animais fêmeas pretendeu «mostrar a
relevância de se focarem alguns estudos de doenças neurodegenerativas no sexo
feminino, porque, especialmente no caso da doença de Alzheimer, esta é mais
prevalente em mulheres, e a grande maioria dos estudos são ou foram feitos em
animais machos, ignorando possíveis diferenças entre sexos. Por outro lado, o
estudo também abordou, em termos comportamentais, tópicos que não temos visto abordados
noutros estudos, como a inflexibilidade cognitiva, sendo que a maioria dos
mesmos se focam na memória a longo prazo”, refere Ana Luísa Cardoso.
Na
próxima fase do estudo, a equipa vai procurar compreender como a utilização
deste microARN-31 poderá ser útil para o desenvolvimento de estratégias
terapêuticas para outras doenças neurodegenerativas e explorar melhor como é
que esta sequência exerce os efeitos protetores observados. Vai igualmente
estudar o papel deste microARN em outros modelos da doença que sejam mais
facilmente transponíveis para o ser humano.
Este
estudo, que contou ainda com a participação de Vítor Carmona, Elisabete
Ferreiro, Joana Guedes, Pedro Cunha, Ana Maria Cardoso, Luís Pereira de
Almeida, Catarina Resende de Oliveira e João Peça - também investigadores do
CNC - e com a colaboração de João Pedro de Magalhães, investigador da
Universidade de Liverpool, Reino Unido, foi financiado pelo Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (FEDER), pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
(FCT), pela Bial e pelo programa de ações Marie Curie. Universidade de
Coimbra - Portugal
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