Pela
primeira vez, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa recorreu à sociedade
civil para ajudar a produção agrícola e combater as deficiências alimentares.
Dois programas, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, já arrancaram.
No universo da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de 260 milhões de cidadãos, existem 28
milhões de pessoas sem direito a alimentação adequada. Trata-se de um conceito
recente, de 2010, adoptado no quadro das Nações Unidas, e que passou a ser
considerado uma prioridade política a partir de 2008, aquando da crise dos
preços dos cereais.
A completa definição de
direito à alimentação adequada revela, por si mesmo, a inovação e implicações
deste conceito. É o direito a ter acesso regular, permanente e livre, tanto
directamente ou por meios de compra financiados, à alimentação quantitativa e qualitativamente adequada às tradições culturais das pessoas a
quem o consumo se destina.
Daí decorre a segurança
alimentar, cujos parâmetros variam com a idade. Ao nascer, o bebé precisa de
300 calorias por dia. Nos dois primeiros anos de vida de 1000, aos cinco anos
de 1600 calorias diárias. Já aos adultos são estimadas necessidades entre duas
mil e 2700 calorias, dependendo de onde moram e do tipo de trabalho que
desempenham.
Deste modo, em Outubro de
2011, a CPLP definiu uma estratégia de segurança alimentar e nutricional.
Durante o seminário “Erradicação da fome e má nutrição em Timor-Leste”,
realizado em Díli em 20 de Julho passado, foi lançada a campanha “Juntos Contra
a Fome!”, em colaboração com a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura].
Uma campanha que se
desenvolve em vários planos. A nível institucional, o objectivo é claro.
“Consagrar o direito humano à alimentação adequada nos princípios
constitucionais de cada Estado-membro”, explica, ao PÚBLICO, Manuel Clarote
Lapão, director de Cooperação da CPLP.
Também criar o conselho de
segurança alimentar da CPLP. ”Temos tido alguma dificuldade na sua montagem”,
admite o mesmo responsável. O projecto está focado numa diversidade de áreas –
Agricultura, Educação, Saúde e Ambiente - envolvendo os vários laboratórios do
Estado e as universidades, os produtores e o poder local, e a sociedade civil.
“Fizemos uma estreia, pela
primeira vez abrimos uma iniciativa da CPLP à sociedade civil, esta é a
primeira iniciativa da CPLP que chega ao cidadão comum e, na verdade, o que
melhor tem funcionado tem sido a resposta da sociedade civil”, reconhece o
director de Cooperação. “A adesão dos Estados membros tem sido diminuta”,
lamenta.
A realidade dos países
revela problemas vários. Cerca de 80 % dos bens alimentares vêm de pequenos
produtores agrícolas, os circuitos comerciais são praticamente inexistentes, a
capacidade de armazenamento é débil e a transformação industrial é uma miragem.
“Nos últimos dez anos, Angola e Moçambique aumentaram em 40% o seu investimento
de recursos públicos na produção de bens alimentares”, revela.
Semelhanças com "Fome
Zero"
“Os países [da CPLP] são
assimétricos na produção agrícola e nas necessidades agro-pecuárias”, prossegue
Manuel Clarote Lapão. O modelo seguido pela CPLP foi o que permitiu ao
Presidente Lula da Silva lançar o programa “Fome Zero”. Contudo, assegura o
responsável da Cooperação, não há mimetismos. “O modelo brasileiro não é
replicável, mas adaptável”, afirma.
Em 3 de Outubro de 2014, foram
apresentados 32 projectos, dos quais 14 viriam a ser aprovados e dois já têm
financiamento. O valor envolvido para estes projectos da Guiné-Bissau e de Cabo
Verde é de 70 mil euros, igualmente divididos. Uma soma não avultada, mas é
importante o seu âmbito e decisiva a função.
Na Guiné-Bissau, trata-se de
apoiar 120 mulheres pequenas-agricultoras e 50 jovens da zona de São Domingos e
Bigene no aproveitamento de 65 hectares com gestão de água melhorada e a
constituição de um centro de formação rural. Já em Cabo Verde, os beneficiários
directos do projecto de 35 mil euros são 150 famílias, no vale da Ribeira da
Vinha, que se dedicam à produção agro-pecuária.
Os objectivos passam pela
formação de 116 pessoas na agricultura sustentável, agro-ecologia e criação de
gado, e a formação de 20 mulheres em temas de género, higiene, agregação de
valor e comercialização de produtos. Prevista está, ainda, a reabilitação de um
viveiro, instalação de rega gota-a-gota e a construção de uma horta escolar.
“Juntos contra a Fome!” tem
a cooperação técnica da FAO na definição das políticas públicas que devem ser
seguidas, avaliada em um milhão de euros. Mas no financiamento dos projectos –
à margem ficam os programas oficiais de cada Estado -, a CPLP conta com
parcerias com a sociedade civil. Entre essas iniciativas está o leilão de obras
de arte doadas pelos artistas, como as que, a partir de sexta-feira, estão em
exposição e venda no Torreão Poente do Terreiro do Paço.
Cooperação portuguesa em
cinco países com dez milhões
A cooperação oficial
portuguesa para a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP tem
como destinatários cinco países: Angola, Timor-Leste, Moçambique, Guiné-Bissau
e Cabo Verde. No total, e em parcerias com diversos actores nacionais e internacionais,
estão a ser apoiados sete projectos, com um volume de financiamento de dez
milhões de euros.
Os dados da Secretaria de
Estado da Cooperação apontam que os beneficiários destas iniciativas, para além
de órgãos ministeriais daqueles países, são organizações da sociedade civil,
pequenos agricultores e populações vulneráveis.
Em Angola, é fornecida
assessoria técnica ao Instituto de Investigação Agronómica e apoiado um
mestrado em Agronomia e Recursos Naturais. Já em Timor-Leste, o esforço
destina-se à dinamização dos circuitos de comercialização e de assistência
técnica para o desenvolvimento rural. O desenvolvimento rural da costa litoral
de Cabo Delgado e um mestrado em Hidráulica e Recursos Hídricos são os
investimentos em Moçambique.
Dois projectos de
intensificação da produção alimentar em Bafatá e a formação em segurança
alimentar são os apoios dados à Guiné-Bissau. Por fim, em Cabo Verde, é
financiado o projecto Sabores da Terra, com 74 mil euros. Nuno Ribeiro – Portugal in "Jornal Público"
Sem comentários:
Enviar um comentário