I
Sinais
de Cinza – Estudos de Literatura (Guimarães, Opera Omnia, 2012) reúne estudos preparados
pelo crítico e ensaísta António Manuel Ferreira, professor de Literatura
Portuguesa da Universidade de Aveiro, ao longo de uma carreira acadêmica ainda
em seu meio caminho. Seu título saiu do romance Sinais de Fogo, de Jorge de Sena (1919-1978), como justifica o
autor, ao lembrar que, se a literatura nasce do fogo criador, também é cinza, ou
seja, “testemunha vital de um combustível”. E, do mesmo modo, é cinza que pode
motivar uma fagulha a partir de uma leitura e, portanto, constitui “um ato de
cíclico renovamento”.
É o que diz o professor
Ferreira no prefácio que escreveu para este livro que dividiu em cinco partes temáticas
e que, a rigor, abrangem as linhas de estudo a que se tem dedicado nos últimos
anos. São textos que anteriormente foram publicados em revistas universitárias
e que, agora, têm a oportunidade de serem lidos por um público mais amplo. Por
coincidência, os títulos das divisões remetem a estudos que o professor tem
dirigido e editado em seu labor universitário.
A primeira parte,
“Teografias”, aliás, título de projeto que o professor coordena, é constituída
por seis estudos que procuram discutir a representação do Deus cristão nas
obras de José Régio (1901-1969), Aquilino Ribeiro (1885-1963), Fernando Pessoa
(1888-1935), Mário Sacramento (1920-1969), Eça de Queiroz (1945-1900), Machado
de Assis (1839-1908), Jorge de Sena e Paulina Chiziane (1955).
Desses, dois são dedicados a
Paulina Chiziane, a primeira romancista negra de Moçambique, cuja obra
constitui, segundo o ensaísta, “um manancial riquíssimo de indagação teológica,
cujo alcance hermenêutico conglomera, nas mesmas questões, os preceitos
judaicos-cristãos e as tradições religiosas moçambicanas”. Para Ferreira,
Paulina reflete em sua escrita uma leitura protestante da Bíblia, mas, em grande parte dos casos, a convocação do Deus
cristão tem o propósito de condenar o colonialismo e o imperialismo, ou seja, o
Deus imposto aos africanos pela lei da espada do colonizador. Seja como for, diz o
professor, a Bíblia funciona nos
livros de Paulina como um dos intertextos mais recorrentemente privilegiados.
No último ensaio da primeira
parte, dedicado a Fernando Pessoa, Ferreira observa que a poesia de Alberto Caeiro,
heterônimo pessoano, dialoga, de forma explícita e paródica, com a figura e a
mensagem de São Francisco de Assis (1182-1226), ainda que a sua antipatia pela
Igreja Católica seja evidente, como se vê no poema oitavo de “O guardador de
rebanhos”.
II
Em “Percursos de Eros”, que reúne
quatro ensaios que abordam o homoerotismo nas literaturas portuguesa e
brasileira, está o ensaio “Sinais de cinza:
derivas homoeróticas na obra de Jorge de Sena”, que traz a metáfora-gênese
deste livro. Nos demais ensaios são abordados contos brasileiros, o “teatro
veloz” do ator brasileiro Ivam Cabral (1963) e a obra João Vêncio: os seus amores, de Luandino Vieira (1935), romancista
angolano nascido em Portugal.
Na terceira parte, “Escrever a
ruína”, há um texto sobre a poesia de Joaquim Manuel Magalhães (1945), outro
sobre a obra de Fernanda Botelho (1926-2007) e um terceiro a respeito de Memórias póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, romance que o ensaísta considera ter alcançado a proeza inigualável
na literatura em
Língua Portuguesa de se apresentar visualmente fragmentado e
organicamente coeso, dando a falsa impressão de pertencer à estética romanesca
do século XVIII, mas que ultrapassa o século XIX para se enquadrar na
“pulverização estrutural e axiológica da nossa contemporaneidade”.
Nas duas últimas divisões do
livro, o leitor encontrará análises percucientes das obras de autores
portugueses como Augusto Abelaira (1926-2003), Miguel Torga (1907-1994),
Branquinho da Fonseca (1905-1974), Eugénio de Andrade (1923-2005), Eugénio
Lisboa (1930) e novamente Aquilino Ribeiro. E ainda estudos sobre as obras dos
poetas moçambicanos Alberto de Lacerda (1928-2007), Rui Knopfli (1932-1997) e Luís
Carlos Patraquim (1953). Enfim, ler este livro, praticamente, equivale a fazer
um excepcional curso de Literatura em Língua Portuguesa.
III
António Manuel Ferreira, que
é hoje talvez o estudioso que mais bem conhece a literatura que se escreve em Língua Portuguesa
em todo o mundo, tem colaborado também em cursos de pós-graduação (mestrado e
doutorado) em Moçambique e no Brasil, especialmente na Universidade de São Paulo
(USP). Organizou a edição das Obras Completas,
de Branquinho da Fonseca, publicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de
Lisboa, em 2010, em decorrência de sua tese de doutoramento Arte Maior: os contos de Branquinho da
Fonseca, igualmente editada pela IN-CM em 2004. Fundou e dirige a revista
de literatura Forma Breve e a série
de volumes temáticos Voltar a Ler.
Atualmente, coordena o
projeto Teografias – Literatura e
Religião, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), de
Portugal, pelo qual já saíram à luz três volumes: “Sentimento Religioso e
Cosmovisão Literária” (2011), “Gramáticas da Criação: Adão, Eva e outros mitos”
(2012) e “Metamorfoses da Santidade” (2013). Adelto Gonçalves - Brasil
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Sinais de Cinza –
Estudos de Literatura, de António Manuel Ferreira. Guimarães, Opera
Omnia, 502 págs., 12,40 euros, 2012.
E-mail: operaomnia@sapo.pt Web: www,operaomnia.pt
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Adelto Gonçalves é doutor
em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio Editora, 1981), Gonzaga,
um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia
Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre
outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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