Há dias, num debate público,
veio à baila a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De imediato,
convergiram sobre a organização os tradicionais discursos congratulatórios
sobre o trabalho desenvolvido, com a "juventude" do modelo a ser
arguida como justificação complacente para as suas insuficiências. Não foi por
espírito de contradição que não me juntei ao coro.
A CPLP tem quase duas décadas,
pelo que tem já as responsabilidades da maioridade. Se hoje é o que é, isto é,
se não atingiu uma velocidade de cruzeiro mais entusiasmante, não foi por falta
de tempo: foi por ausência de vontade política dos Estados integrantes para ter
ido mais longe.
Não vale a pena esconder o
facto de que a organização sofre da anómala circunstância de que, ao contrário
das suas congéneres britânica ou francesa, não está centrada no seu país membro
mais relevante à escala global. Como a questão do acesso da Guiné-Equatorial
bem demonstrou, Portugal não tem hoje qualquer tutela substantiva sobre a CPLP
– e isso torna-a, em grande medida uma organização mais igualitária e
equilibrada. Mas, nem por isso, mais dinâmica.
Desenhada nos seus estatutos
sob valores ético-jurídicos tributários de uma cultura política “eurocentrada”,
no processo interno da CPLP projeta-se uma ordem de valores onde prevalece a
leitura mais flexível e relativizada com que, tradicionalmente, o Sul sempre
olha as dimensões democráticas ou do Estado de direito. Isto é um juízo de
facto, não de valor.
Mas este é apenas um dos
aspetos em que a atipicidade da CPLP se objetiva. Com “sócios” nos cinco
continentes, sem fronteiras entre si e com graus de desenvolvimento muito
díspares, os Estados CPLP têm a caraterística de operarem em espaços de
afirmação geopolítica sem potenciais contradições entre si. O crescimento de
cada um dos Estados acarretará assim vantagens sinérgicas para o conjunto. E
isto é muito valioso.
Duas décadas depois da sua
criação, o que leva a esta evidente “anemia” da organização? O principal fator
é o facto do Brasil não se ter decidido utilizar a CPLP como um instrumento
matricial da sua política externa. É no empenhamento do Brasil que reside a
chave do futuro da organização. Mas isso não chega.
A CPLP tem de ser olhada em
perspetiva e repensada, de forma aberta e descomplexada, nisso envolvendo a
multiplicidade dos agentes que hoje se expressam em português. Uma língua
falada por muitos milhões de pessoas mas da qual praticamente ninguém fala fora
desse espaço. E isto é preocupante. Seixas
da Costa – Portugal in
“duas-ou-tres.blogspot”
(Artigo que hoje publico no
"Jornal de Notícias") – Francisco Seixas da Costa
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