Desde o público, assiste-se a
um triste espectáculo descoordenado, com uma narrativa velha e batida mas que,
ainda assim, entretém as multidões. Talvez por ser velha e batida, esta
história repete os erros de quem não aprendeu com a História. É uma história de
musculados contornos e de imprevisível final. Passando os olhos pelo público,
ao qual pertenço, não consigo deixar de reparar nas pessoas que assistem a tudo
desde o camarote. Bebem champanhe e riem alto, sacudindo anéis e correntes de
pesados metais. Um pouco mais abaixo, nos segundos melhores lugares, um grupo
maior de pessoas olha para o palco com olhos de vidro, inexpressíveis e
passivos, personificando a melhor definição de neutralidade.
Como se neutraliza uma
audiência? Como é que se consegue que o público suspenda o juízo e as emoções?
Como se não tivessem pele, como se não tivessem um coração que lhes bate por
trás do externo e das costelas, como se não tivessem frio, nem calor, nem
vontade de esticar os lábios num sorriso ou algum impulso de amarrotar a testa
em espanto e horror. Como se não estivessem lá. Talvez nem queiram estar.
Talvez não queiram ver. Mas como o saberemos?
O espectáculo continua.
Sinceramente, não se entende a intenção do encenador e chega a parecer que os
actores se enganaram no texto. Ou talvez seja uma obra demasiado contemporânea,
onde o tempo cronológico não se respeita ou não é necessária uma coerência
maior, como mandavam os gregos. “Talvez os actores estejam a improvisar”,
pensei naquele momento. Pode ser que não haja um guião escrito.
Se assim for, quero o meu
dinheiro de volta. Não gosto destas modernices. Prefiro apreciar uma história
bem contada, que me leve a reflectir sobre a vida, sobre a morte, sobre a
justiça, sobre a ganância, sobre o poder, sobre a derrota, sobre a esperança.
Gosto de ouvir a voz do guionista no meu ouvido, resumindo a voz colectiva.
Gosto de ver a máquina do teatro a funcionar, bem oleada, sem travões nem
solavancos. Não gosto de maus espectáculos. Apetece-me sair.
Mas o público parece estar
entretido, ainda mal o segundo acto começou. E, digo-vos, aquela bancada
continua petrificada, quase sem respirar, observando o desenrolar das cenas.
Tenho a sensação de que algo de trágico se passa no palco. Mas por vezes o tom
irónico dos protagonistas engana-me o entendimento. Não se sabe quem diz a
verdade e quem mente descaradamente e isso, levado ao extremo, é profundamente
incómodo para quem assiste.
Pergunto-me se a plateia de
pedra irá aplaudir no final. Os dos camarotes seguramente que sim. Levantar-se-ão
como uma kalemba de Janeiro, devorando com sonoros aplausos o que encontrarem à
frente, como que querendo estar no palco principal, sob as luzes quentes da
ribalta. Mas e os que estão mesmo em baixo deles, os tais dos olhos de vidro,
cuja percepção é impossível decifrar? Será que aplaudem? Deixarão a sala mais
cedo em tom de reprovação? Ou aplaudirão, elegante e educadamente, agradecendo
o bilhete oferecido? Sim. Porque estes, seguramente, não tiveram que pagar
bilhete para estar aqui. Entraram de graça.
Esqueci-me de vos descrever o
resto da sala. O resto do público, uma imensa multidão, amontoa-se em reboliço
na plateia popular e de visibilidade reduzida. Alguns tiveram que fazer um
grande esforço para pagar o bilhete e não deixam de manifestar o seu
descontentamento por não conseguirem entender a história, demasiado
contemporânea para o seu gosto. Além disso, é mesmo difícil ver o que se passa
no meio do palco. Não sei se é das luzes ou da má acústica da sala. Péssima
produção, devo dizer.
Continuo a pensar que quero o
meu dinheiro de volta. Seria bom poder estar noutro lugar a não ter que fazer
parte deste triste acontecimento. Mas é completamente impossível escapar. Estou
aqui sentada, na fila E, cadeira 9. Daqui até se vê bem e o meu lugar é confortável.
Podia até adormecer, se quisesse. Mas não posso. Este espectáculo não me deixa
dormir. Mas também não consigo abandonar a sala. Aline Frazão – Angola in “RedeAngola”
Ah!
Esqueci-me só de falar dos que ficaram lá fora. Era um mar de gente.
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