Se fosse possível viajar
entre Faro e Marrocos por autoestrada, em linha reta, o quilómetro 42 seria o
local ideal para parar e observar de perto um campo de gás natural em
exploração. E a essa distância da costa algarvia, em frente a Faro, que vai
nascer o primeiro poço de gás em águas territoriais portuguesas, antes do final
do ano ou no início do próximo. Um navio-sonda, equipado para a perfuração de
poços submarinos, irá atravessar uma lâmina de água com 790 metros e perfurar a
rocha até ao reservatório localizado a 1800 metros de profundidade, onde se
prevê que esteja depositada uma grande quantidade de gás natural - suficiente
para abastecer as necessidades de consumo dos portugueses por mais de uma década.
Só então se saberá, com precisão, se as reservas justificam a exploração
comercial.
A Repsol, petrolífera
espanhola que lidera este projeto, com uma posição de 90% no consórcio, tem
sido muito poupada nos pormenores. Os ambientalistas não estão nada tranquilos
com a escassez de informação sobre o projeto, que envolve também a portuguesa
Partex (controlada pela Fundação Calouste Gulbenkian), com 10 por cento. Nem o
contrato de concessão, assinado com o Estado português, nem o estudo de impacto
ambiental, concluído em 2014 pela consultora ERM, em colaboração com o
Instituto Hidrográfico e a Universidade do Algarve, foram tornados públicos, o
que aumenta as dúvidas das associações ambientalistas.
Impactos menores
Contactado pela VISÃO, o
presidente da Partex, António Costa e Silva, admitiu a existência de alguns
impactos ambientais nesta última fase de prospeção, como a emissão de gases
pelo navio-sonda ou o depósito de resíduos de rocha no fundo do mar. Para
minimizar esses impactos, no estudo da ERM foram analisados fatores físicos
como a temperatura do mar, a pluviosidade, as marés, as correntes, as ondas, a
salinidade e a qualidade da água, e elaborada uma listagem e um mapeamento da
fauna e da flora locais, ao nível das espécies existentes e das rotas
migratórias, entre outros aspetos. Durante a recolha dessa informação, foram
utilizadas sondas, scanners e câmaras
de vídeo para a obtenção de amostras e de imagens do fundo do mar. As pescas
foram outro dos fatores tido em conta, já que os pescadores irão sentir
dificuldades durante os 47 dias necessários para a abertura do primeiro poço de
gás no bloco Lagosta que, a par do bloco Lagostim, cobre a totalidade da área
concessionada à Repsol e à Partex. A boa notícia é que não existirá qualquer
impacto visual da exploração de gás, tendo em conta a distância que separa a
área concessionada da costa algarvia.
Embora a lei portuguesa não
exija a realização de um estudo de impacto ambiental tão completo na fase de
prospeção, Costa e Silva garante que ele está feito e que foi partilhado com a
Autoridade de Segurança Marítima e com a Agência Europeia de Segurança
Marítima.
Mesmo assim, Gil Matos,
representante da Almargem, uma das associações ambientalistas fundadoras da
Plataforma Algarve Livre de Petróleo, espanta-se com a «ausência total» de
informação sobre o local exato e as condições da exploração gasista. A Almargem
dirigiu um pedido de informação à Direção Geral de Energia e Geologia, que até
há meses tutelava a Divisão para a Pesquisa e Exploração de Petróleo,
entretanto transferida para a recém-criada Entidade Nacional para o Mercado de
Combustíveis (ENMC). Até agora, não recebeu informação sobre o conteúdo do
contrato de concessão nem do estudo de impacto ambiental. Partilha com a Visão
a suspeita de que «o País não vai ganhar dinheiro com isto». «Portugal ainda
não provou que tem recursos», contrapõe António Costa e Silva, justificando
assim que a posição negocial não pode ser comparável à dos produtores de
petróleo e gás africanos ou asiáticos. Mas, como recorda o gestor, «o contrato
está desenhado para a prospeção». Uma eventual entrada em exploração do gás no
Algarve dará origem a um novo contrato, com condições - espera-se - mais
vantajosas para o Estado português, ao nível dos impostos e das rendas a pagar
pelo concessionário.
Este concurso para a
prospeção na costa algarvia chegou a conhecer uma segunda versão, na primeira
metade dos anos 2000, já que as condições oferecidas pelo candidato único
Repsol não eram as desejadas pelo Governo de Durão Barroso. Só com o atual
Governo é que a licença viria a ser entregue à Repsol, embora sem que o
contrato de concessão fosse divulgado. As preocupações dos ambientalistas
prendem-se também com os impactos ambientais da extração gasista que, embora
menores que os do petróleo - por exemplo, não causam marés negras -, podem
prejudicar o delicado equilíbrio do ecossistema da ria Formosa, para além de se
fazerem sentir no turismo algarvio. No final de julho, quando o presidente da
Repsol, Antonio Brufau, anunciou o início dos trabalhos para o final deste ano,
a Quercus exigiu de imediato a realização dos devidos estudos de impacto
ambiental, condenando o «péssimo cartão de visita» que uma atividade gasista
poderá ter sobre a região. Em comunicado, salientou ainda «que o impacto de um
eventual acidente que ocorra numa exploração deste género, mesmo que pontual,
afetaria irreversível mente ecossistemas únicos e frágeis, bem como diversas
espécies, incluindo aves marinhas, baleias e golfinhos».
Se não houvesse certezas, a
Repsol e a Partex não arriscariam a abertura do primeiro poço, que poderá
custar cerca de 45 milhões de dólares (cerca de 40 milhões de euros). Neste
negócio, o risco é sempre demasiado grande: só em 20% ou 30% das áreas
prospetadas é encontrado petróleo ou gás em quantidades viáveis. Nas Canárias,
a Repsol desistiu recentemente de um projeto deste tipo. Em Peniche, onde a
Repsol é parceira da Galp, a abertura de um primeiro poço de petróleo no offshore, foi adiada por mais dois anos.
No Alentejo, adjudicado à Galp e à ENI, a perfuração só deverá começar no
próximo ano. Mas, no Algarve, o consórcio Repsol/Partex está convencido de que
os blocos Lagosta e Lagostim podem conter reservas de gás natural superiores em
nove a dez vezes aos do campo de Poseidón, no Golfo de Cádiz, avaliadas em 98
biliões de pés cúbicos (bcf). Está provado que as semelhanças geológicas com o
Algarve existem. Agora, é esperar que haja gás. Clara Teixeira – Portugal in
“Revista Visão”
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