Everton Machado, investigador da
Universidade de Lisboa, percebeu que “As Jornadas”, livro de Tomás Ribeiro dos
anos 70 do século XIX, agora reeditado em Portugal, reflecte a preocupação da
época do poder político português com as colónias a Oriente
Apesar
de ter sido considerado um escritor de “segunda categoria”, esquecido no
panorama literário português, Tomás Ribeiro, nascido em 1831 e falecido em
1901, deixou um importante testemunho sobre a época que viveu. Nomeadamente, no
que toca à forma como, em pleno século XIX, a metrópole portuguesa não se
preocupava apenas com as colónias africanas e com as pretensões materializadas
pelo Mapa Cor-de-Rosa.
A
descoberta foi feita por Everton Machado, investigador do Centro de Estudos
Comparatistas da Universidade de Lisboa (UL), que lança este ano, com a
chancela da Biblioteca Nacional de Portugal, o estudo “O Orientalismo Português
e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização de um problema”, que se faz
acompanhar da reedição da obra esquecida de Tomás Ribeiro.
O
livro não é mais do que um relato da viagem que o autor fez quando partiu para
a Índia, onde desempenhou, pelo período de dois anos, o cargo de
secretário-geral do vice-governador da Índia Portuguesa, Januário Correia de
Almeida, visconde de São Januário, que seria depois Governador em Macau, em
substituição de Ferreira do Amaral. As páginas de “As Jornadas” relatam,
portanto, o périplo que Tomás Ribeiro fez por Espanha, França, Egipto, Áden
(Iémen) e Bombaim até chegar a Goa, onde ficou entre 1870 e 1872. É em Goa que
publica a segunda parte de “As Jornadas”, que também foram editadas em Portugal.
Em
entrevista ao HM, Everton Machado declara que o livro, apesar de ignorado no
meio literário, é importante porque revela essa preocupação com os territórios
ocupados e administrados no Oriente. Apesar da Índia Portuguesa ter tido sempre
o foco principal, Macau era também um território que gerava receios junto dos
governantes.
Já
quando o Império português começa a entrar em decadência, depois do fulgor vivido
no século XVI, aquando dos Descobrimentos, surge “uma obsessão com o
colonialismo e o império subalterno” às mãos dos ingleses e dos franceses.
“Há
autores que defendem que, no século XIX, não teria havido uma questão do
Oriente. Por isso, não se poderia falar de orientalismo português no século
XIX, e eu tento demonstrar através da obra de Tomás Ribeiro que afinal havia
essa questão”, contou Everton Machado.
“Claro
que o foco maior do Governo, na altura, era África, por causa da questão do
Ultimato [inglês]. Mas isso não quer dizer que o Governo não se preocupava com
o Oriente. Havia de facto também interesse pelo Oriente, sobretudo pela Índia.
O problema africano não deixou de lado o Oriente na segunda modernidade e a
partir daí conseguiríamos falar de um orientalismo português no século XIX e
XX”, frisou o autor.
Importa
dar o contexto de que o ultimato inglês foi a resposta britânica às pretensões
territoriais portuguesas espelhadas no Mapa cor-de-rosa, que traçava uma faixa no
continente africano, entre Angola e Moçambique, englobando na soberania lusa
países como Zâmbia, o Zimbábue e Maláui, entre o Atlântico e o Índico. Ora, as
pretensões portuguesas esbarraram no projecto ferroviário britânico que
pretendia ligar a África do Sul ao Egipto. Como tal, a Rainha Vitória fez um
ultimato à coroa portuguesa: Ou esquecem o mapa ou têm guerra. Apesar dos
protestos do rei D. Carlos, Portugal acaba por recuar face ao ultimato de
Londres.
A preocupação com Macau
Para
o investigador, há uma questão de “centralidade” no livro de Tomás Ribeiro,
pela forma como o autor “coloca as questões relativamente à Índia e ao Império
português”, ao estabelecer a ideia de que “há outros orientes portugueses”.
Apesar disso, “a Índia acaba por ser estruturadora e representar as grandes
conquistas, como a chegada de Vasco da Gama ao território. A Índia ocupa no
imaginário português um lugar especial e ‘As Jornadas’ acabam por nos dar essa
realidade”, acrescentou Everton Machado.
A
viagem de Tomás Ribeiro é feita na companhia de vários intelectuais que iam
desempenhar serviços nos territórios orientais, como foi o caso de Januário
Correia de Almeida, visconde de São Januário. Este, depois de dois anos a
desempenhar um importante papel como vice-governador da Índia Portuguesa,
embarca para Macau. Tomás Ribeiro regressaria depois à metrópole.
Apesar
de “As Jornadas” não retratarem Macau, acabam por estabelecer um elo de ligação
com o território, dado o importante papel que Januário Correia de Almeida teve
no desenvolvimento da Macau portuguesa.
“Ele queria desenvolver Macau”, apontou Everton Machado. “Ferreira do
Amaral foi o grande Governador, que no século XIX garantiu a colonização de
Macau, pois havia a preocupação de garantir a soberania dos portugueses no
território”, explicou o académico.
O
livro mostra também “a própria acção do visconde São Januário em Goa, que foi
considerada das mais importantes, apesar de só lá ter estado dois anos, e
também por causa da sua acção em Macau, que nos mostra que ele tentou lutar
pela soberania de Portugal em Macau”.
A crítica ao “desleixo”
Everton
Machado recorda as palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos,
que fala da existência, no século XIX, de “um colonialismo subalterno de
Portugal”, isto porque Portugal se havia tornado “quase numa colónia formal do
império britânico, pois não tinha mais nenhum poder no tabuleiro político da
época”.
Nesse
sentido, “As Jornadas” fazem críticas ao facto de Portugal se ter rendido ao
papel de país periférico e de não ter lutado para manter a glória do século
XVI, tal como o fizeram outros intelectuais da época.
“O
que muitos intelectuais fazem, e o que Tomás Ribeiro faz também, é essa
constante crítica ao desleixo do Governo português na altura com as suas
colónias, ao mesmo tempo que crítica as acções dessas posições hegemónicas,
exaltando sempre a grandiosidade do império português, mas, por outro lado,
pondo de parte Portugal”, disse Everton Machado.
No
livro “O Orientalismo Português e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização
de um problema”, o autor não deixa de lembrar que Tomás Ribeiro não foi o único
a lamentar a decadência do império português. “O sentimento híper-identitário é
patente noutras narrativas de viajantes portugueses da altura, acompanhado da
denúncia face ao desleixo da metrópole para com as colónias. São exemplos
“Jornadas pelo mundo” (1895), do Conde de Arnoso, Bernardo Pinheiro Correia de
Melo (1855-1911), e “No Oriente: de Nápoles à China” (1896-1897), de Adolfo
Loureiro (1836-1911).”
Everton
Machado cita mesmo Fátima Outeirinho quando esta afirma que “os textos de Tomás
Ribeiro e Adolfo Loureiro são ocasião de testemunho de um sentimento de
decadência, de denúncia de uma atitude de negligência e de lamento perante a
malsucedida acção governativa portuguesa nessas paragens longínquas”. Andreia Silva – Macau in “Hoje
Macau”
Andreia Sofia Silva - Jornalista,
31 anos de idade. Formada em Jornalismo com uma pós-graduação em Ciência
Política e Relações Internacionais. Escreve sobretudo sobre política, sociedade
e cultura. Email: andreia.silva@hojemacau.com.mo
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