Três anos em Macau fizeram com que se
apercebesse da dificuldade que é chegar mais perto da comunidade chinesa. De
volta a Lisboa, Bruno Saavedra levava consigo essa incógnita por resolver, algo
que não tinha conseguido ultrapassar e que talvez partisse de questões
culturais. A fotografia foi a quase resolução do problema: o projecto “Made in
China” permitiu-lhe “pensar diferente e começar a entendê-los”, ainda que
continue a ter “alguma dificuldade”. A mostra do mundo chinês que se desenrola na
capital portuguesa que conta com 19 fotografias e será inaugurada a 2 de
Setembro na Fundação Rui Cunha
“Se
em Macau a comunidade chinesa é um pouco fechada, aqui [Lisboa] é ainda mais”,
assim descreve Bruno Saavedra o cenário com que se deparou durante os três
meses em que fotografou os chineses que residem entre o Bairro do Intendente e
os Anjos. Três meses em que “a comunicação não foi fácil”, à semelhança do que
já era natural no território, onde viveu durante três anos. “Falam entre eles,
os mais velhos não sabem falar português. Os jovens que nasceram cá já falam,
mas mesmo assim é muito complicado”, disse em entrevista ao Jornal Tribuna de
Macau.
Por
uma questão cultural, ou “por acharem que poderia estar a roubar alguma coisa”
à sua intimidade, Bruno Saavedra diz muitos diziam ou mostravam não querer ser
fotografados. Se no primeiro mês conheceu a fundo as ruas e bairros daquela
zona da capital, depois percebeu que precisava de ajuda para ir mais longe. Foi
então que pediu ajuda a uma amiga macaense que fala mandarim. “Foi a partir daí
que comecei a entrar nas casas deles, mas via-se uma barreira, como se fosse
uma porta de vidro entre eu e eles, sabe? Não ultrapassava nunca aquela porta.
Queria sempre saber mais, perguntar mais, mas ela estava lá”, contou.
O
luso-brasileiro traz agora ao território a mostra individual intitulada “Made
in China”, que estará patente na Galeria de Arte da Fundação Rui Cunha, entre 2
e 11 de Setembro, com o apoio da Casa de Portugal, onde trabalhou. O projecto
iniciou-se quando voltou a Portugal e depois de se ter começado a dedicar “a
100% à fotografia, algo que em Macau não conseguia”. Foi no “workshop” da
fotógrafa Pauliana Valente Pimentel – “Narrativas Fotográficas do Intendente” –
que decidiu dedicar-se ao tema.
Ao
longo do processo de fotografar – tanto pormenores como retratos -, Bruno
Saavedra deu conta de que aquelas pessoas “praticamente vivem para trabalhar” e
que “muitos vivem nas mesmas casas, por vezes em situações precárias”,
descreveu. “Fui-me apercebendo dessa realidade. No início achava que cada um
tinha a sua casa, por exemplo. No geral vivem todos ali no mesmo bairro,
trabalham ali, fazem toda a vida ali e por vezes acaba por ser tudo até um
pouco clandestino”, prosseguiu.
A
única altura em que considera ter chegado ao mais genuíno modo de viver daquela
comunidade foi durante as comemorações do Ano Novo Chinês. “Consegui mesmo
conviver com eles e entrar dentro da cultura. Foi o Ano do Galo, em 2017, em
que limpavam as casas, como acontece aí, as senhoras as melhores roupas que
tinham, nessa altura consegui conviver com eles, mas não era exactamente isso que
queria”, explicou. Na verdade, Bruno Saavedra “queria ver como são realmente no
dia-a-dia e não num dia de festa”. Tanto que, as fotografias deste dia quase
não utilizadas para o projecto final.
Uma “visão fria e distante”
Volvidos
três meses “muito complicados”, Bruno Saavedra quis, no processo de selecção das
imagens, “dar um olhar mais especial”: a sua visão através de pormenores que
encontrou nas casas e lugares frequentados por esta comunidade, “nunca
assumindo plenamente quem é quem, mas sempre olhando para eles como uma
comunidade”. “Essa visão muito fria e distante foi o que senti durante o
trabalho todo”, disse, acrescentando que foi isso mesmo que quis mostrar a quem
visitar a exposição.
Dos
pormenores que conseguiu captar destaca, por exemplo, cantos das casas ou
partes do vestuário. “Há uma fotografia de uma bacia em que lavam a roupa na
casa de banho, depois um pormenor de um sapato dourado de uma jovem – essa foi
no dia do Ano Novo Chinês -, e outra em que uma senhora estava toda vestida de
vermelho , com um colar, e estava um calor insuportável, e ela estava com um
casacão de pêlo, são coisas assim pequenas”, descreveu.
Mas
há também retratos, por exemplo, o de uma criança vestida de galo, durante as
celebrações do Ano Novo Chinês, retratos de pessoas mais velhas e outras mais
jovens. “Descobri que todos os dias às sete da manhã havia um senhor que ia
fazer tai chi para o largo e que às seis da manhã havia um grupo de mulheres
que ia fazer danças chinesas antes de entrar para o trabalho”, recordou.
Bruno
Saavedra contou ainda que durante todo este processo descobriu as diferenças
entre os mais novos, que nasceram já em Portugal, e aqueles que mudaram de país
e aí foram obrigados a recomeçar uma vida. “Os jovens têm uma mentalidade muito
diferente, diversas vezes perguntei se queriam voltar para a China e diziam que
não. Às pessoas mais velhas fiz a mesma pergunta e diziam sempre que tinham de
morrer lá [China], que queriam regressar ao local onde nasceram”, afirmou.
“Chinatown” invisível, mas que existe
Restaurantes,
salões de massagens, cabeleireiros, lojas e supermercados chineses, clínicas e
igrejas – “uma Chinatown que não se mostra, mas, se for lá, vê que existe”. O
problema é que “é tudo muito escondido”. Bruno Saavedra só descobriu este mundo
por causa do projecto a que se dedicou. “Se não tivesse feito este trabalho,
passava por lá todos os dias e não sabia que existia. Eles tentam sempre ser
muito invisíveis”, observou. Outra descoberta que fez foi a existência de um
jornal em língua chinesa que era publicado mensalmente.
“Fui
a um restaurante clandestino em que a dona também tinha um salão de
cabeleireiro, de noite abria o restaurante e dia cortava o cabelo. O salão era
dentro da sua própria casa, tínhamos de tocar à campainha e só consegui entrar
porque fui com a minha amiga chinesa, porque se forem pessoas que não são
chinesas eles não aceitam. É mesmo tudo muito fechado”, exemplificou o
fotografo.
“Made
in China” acabou “por abrir os horizontes” a Bruno Saavedra: “Consegui de
alguma forma mudar o meu pensamento, continuo a ter alguma dificuldade culturalmente
com eles, mas acabei de alguma forma por conseguir pensar diferente e começar a
entendê-los. Para mim foi super positivo”, considerou.
O
fotógrafo considera que “será uma enorme alegria regressar a Macau ao fim de
cinco anos, principalmente para mostrar o meu trabalho fotográfico. Será uma
mistura de sentimentos e um enorme privilégio”.
Assim
que voltar para Portugal, ainda no mês de Setembro, Bruno Saavedra irá levar a
sua exposição “Made in China” até a galeria do espaço Solar dos Zagallos em
Sobreda, Almada. O projeto também está pré-selecionado para se apresentar na
edição de 2019 do festival de fotografia Paraty em Foco no Rio de Janeiro,
Brasil. Catarina Pereira – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
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