Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Portugal – “A Porta de Vidro” um retrato da comunidade chinesa

Três anos em Macau fizeram com que se apercebesse da dificuldade que é chegar mais perto da comunidade chinesa. De volta a Lisboa, Bruno Saavedra levava consigo essa incógnita por resolver, algo que não tinha conseguido ultrapassar e que talvez partisse de questões culturais. A fotografia foi a quase resolução do problema: o projecto “Made in China” permitiu-lhe “pensar diferente e começar a entendê-los”, ainda que continue a ter “alguma dificuldade”. A mostra do mundo chinês que se desenrola na capital portuguesa que conta com 19 fotografias e será inaugurada a 2 de Setembro na Fundação Rui Cunha



“Se em Macau a comunidade chinesa é um pouco fechada, aqui [Lisboa] é ainda mais”, assim descreve Bruno Saavedra o cenário com que se deparou durante os três meses em que fotografou os chineses que residem entre o Bairro do Intendente e os Anjos. Três meses em que “a comunicação não foi fácil”, à semelhança do que já era natural no território, onde viveu durante três anos. “Falam entre eles, os mais velhos não sabem falar português. Os jovens que nasceram cá já falam, mas mesmo assim é muito complicado”, disse em entrevista ao Jornal Tribuna de Macau.

Por uma questão cultural, ou “por acharem que poderia estar a roubar alguma coisa” à sua intimidade, Bruno Saavedra diz muitos diziam ou mostravam não querer ser fotografados. Se no primeiro mês conheceu a fundo as ruas e bairros daquela zona da capital, depois percebeu que precisava de ajuda para ir mais longe. Foi então que pediu ajuda a uma amiga macaense que fala mandarim. “Foi a partir daí que comecei a entrar nas casas deles, mas via-se uma barreira, como se fosse uma porta de vidro entre eu e eles, sabe? Não ultrapassava nunca aquela porta. Queria sempre saber mais, perguntar mais, mas ela estava lá”, contou.

O luso-brasileiro traz agora ao território a mostra individual intitulada “Made in China”, que estará patente na Galeria de Arte da Fundação Rui Cunha, entre 2 e 11 de Setembro, com o apoio da Casa de Portugal, onde trabalhou. O projecto iniciou-se quando voltou a Portugal e depois de se ter começado a dedicar “a 100% à fotografia, algo que em Macau não conseguia”. Foi no “workshop” da fotógrafa Pauliana Valente Pimentel – “Narrativas Fotográficas do Intendente” – que decidiu dedicar-se ao tema.

Ao longo do processo de fotografar – tanto pormenores como retratos -, Bruno Saavedra deu conta de que aquelas pessoas “praticamente vivem para trabalhar” e que “muitos vivem nas mesmas casas, por vezes em situações precárias”, descreveu. “Fui-me apercebendo dessa realidade. No início achava que cada um tinha a sua casa, por exemplo. No geral vivem todos ali no mesmo bairro, trabalham ali, fazem toda a vida ali e por vezes acaba por ser tudo até um pouco clandestino”, prosseguiu.

A única altura em que considera ter chegado ao mais genuíno modo de viver daquela comunidade foi durante as comemorações do Ano Novo Chinês. “Consegui mesmo conviver com eles e entrar dentro da cultura. Foi o Ano do Galo, em 2017, em que limpavam as casas, como acontece aí, as senhoras as melhores roupas que tinham, nessa altura consegui conviver com eles, mas não era exactamente isso que queria”, explicou. Na verdade, Bruno Saavedra “queria ver como são realmente no dia-a-dia e não num dia de festa”. Tanto que, as fotografias deste dia quase não utilizadas para o projecto final.

Uma “visão fria e distante”

Volvidos três meses “muito complicados”, Bruno Saavedra quis, no processo de selecção das imagens, “dar um olhar mais especial”: a sua visão através de pormenores que encontrou nas casas e lugares frequentados por esta comunidade, “nunca assumindo plenamente quem é quem, mas sempre olhando para eles como uma comunidade”. “Essa visão muito fria e distante foi o que senti durante o trabalho todo”, disse, acrescentando que foi isso mesmo que quis mostrar a quem visitar a exposição.

Dos pormenores que conseguiu captar destaca, por exemplo, cantos das casas ou partes do vestuário. “Há uma fotografia de uma bacia em que lavam a roupa na casa de banho, depois um pormenor de um sapato dourado de uma jovem – essa foi no dia do Ano Novo Chinês -, e outra em que uma senhora estava toda vestida de vermelho , com um colar, e estava um calor insuportável, e ela estava com um casacão de pêlo, são coisas assim pequenas”, descreveu.

Mas há também retratos, por exemplo, o de uma criança vestida de galo, durante as celebrações do Ano Novo Chinês, retratos de pessoas mais velhas e outras mais jovens. “Descobri que todos os dias às sete da manhã havia um senhor que ia fazer tai chi para o largo e que às seis da manhã havia um grupo de mulheres que ia fazer danças chinesas antes de entrar para o trabalho”, recordou.

Bruno Saavedra contou ainda que durante todo este processo descobriu as diferenças entre os mais novos, que nasceram já em Portugal, e aqueles que mudaram de país e aí foram obrigados a recomeçar uma vida. “Os jovens têm uma mentalidade muito diferente, diversas vezes perguntei se queriam voltar para a China e diziam que não. Às pessoas mais velhas fiz a mesma pergunta e diziam sempre que tinham de morrer lá [China], que queriam regressar ao local onde nasceram”, afirmou.

“Chinatown” invisível, mas que existe

Restaurantes, salões de massagens, cabeleireiros, lojas e supermercados chineses, clínicas e igrejas – “uma Chinatown que não se mostra, mas, se for lá, vê que existe”. O problema é que “é tudo muito escondido”. Bruno Saavedra só descobriu este mundo por causa do projecto a que se dedicou. “Se não tivesse feito este trabalho, passava por lá todos os dias e não sabia que existia. Eles tentam sempre ser muito invisíveis”, observou. Outra descoberta que fez foi a existência de um jornal em língua chinesa que era publicado mensalmente.

“Fui a um restaurante clandestino em que a dona também tinha um salão de cabeleireiro, de noite abria o restaurante e dia cortava o cabelo. O salão era dentro da sua própria casa, tínhamos de tocar à campainha e só consegui entrar porque fui com a minha amiga chinesa, porque se forem pessoas que não são chinesas eles não aceitam. É mesmo tudo muito fechado”, exemplificou o fotografo.

“Made in China” acabou “por abrir os horizontes” a Bruno Saavedra: “Consegui de alguma forma mudar o meu pensamento, continuo a ter alguma dificuldade culturalmente com eles, mas acabei de alguma forma por conseguir pensar diferente e começar a entendê-los. Para mim foi super positivo”, considerou.

O fotógrafo considera que “será uma enorme alegria regressar a Macau ao fim de cinco anos, principalmente para mostrar o meu trabalho fotográfico. Será uma mistura de sentimentos e um enorme privilégio”.

Assim que voltar para Portugal, ainda no mês de Setembro, Bruno Saavedra irá levar a sua exposição “Made in China” até a galeria do espaço Solar dos Zagallos em Sobreda, Almada. O projeto também está pré-selecionado para se apresentar na edição de 2019 do festival de fotografia Paraty em Foco no Rio de Janeiro, Brasil. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”

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