Díli
- A intervenção dos Estados Unidos marcou a vinda para Timor-Leste da força
internacional INTERFET em setembro de 1999 tendo o Governo norte-americano
ordenado a Jacarta que travasse ações contra os militares internacionais,
segundo documentos secretos.
As
referências fazem parte de mais de 600 telegramas desclassificados pelos
Estados Unidos -- ainda que com secções secretas -- referentes ao período entre
o entre final de 1998 e o início da presidência do líder indonésio Abdurrahman
Wahid, em 2000, a que a Lusa teve acesso.
Um
dos documentos, de 30 de setembro, 10 dias depois do começo da missão da
INTERFET em Timor-Leste, detalha o encontro do então secretário de Defesa
norte-americano, William S. Cohen, com o então comandante das forças
indonésias, o general Wiranto.
Esse
documento da embaixada dos Estados Unidos em Jacarta, nota que Cohen disse a
Wiranto que os Estados Unidos estavam empenhados numa Indonésia "estável,
prospera e unida", mas que "os eventos em Timor-Leste tinham tornado
isso impossível sem uma correção significativa do lado indonésio".
"Nenhum
grau de alegadas irregularidades eleitorais pode justificar a onda de violência
que eclodiu em Timor-Leste. O apoio das TNI (forças indonésias) às milícias era
evidentemente aparente e totalmente inaceitável", refere o texto, que
sumariza as declarações de Cohen.
Cohen
insiste que "as milícias devem ser desarmadas" e que "os
refugiados em Timor-Leste devem poder voltar para casa em segurança", mas
deixa igualmente avisos sobre as forças internacionais.
"A
INTERFET deve poder fazer o seu trabalho sem ser assediada. É necessário haver
uma responsabilização transparente para lidar com os que cometeram
atrocidades", refere. "Sem estes passos, não será possível considerar
a recuperação de uma relação normalizada", conclui o texto.
Instado
a interpretar o documento, o académico australiano Clinton Fernandes diz que
esta intervenção dos Estados Unidos -- "mostrando que havia um novo leão
na floresta a dizer ao predador mais fraco para parar" -- foi essencial para
garantir o êxito da missão da INTERFET.
"Mas
tragédia real desta conversa é que poderia ter ocorrido em qualquer altura dos
24 anos de ocupação ilegal indonésia de Timor-Leste. Durante a invasão de 1975
ou até em 1999, no período até ao referendo", afirmou à Lusa em Díli.
Ex-militar
australiano e responsável pela Timor Desk da Força de Defesa Australiana a
partir de 1998, Clinton Fernandes esteve destacado no Australian Army
Intelligence Corps (AUSTINT) e é atualmente professor de Estudos Políticos e Internacionais
na Universidade de NSW-Camberra, tendo publicado vários artigos e livros sobre
Timor-Leste.
Fernandes
destaca o papel importante que a presença de soldados australianos teve em
Timor-Leste depois da onda de violência pós-referendo, notando que muitos foram
"pessoalmente transformados por essa experiência" no país.
Porém,
insiste, em termos diplomáticos e políticos, foi essencial o apoio dos Estados
Unidos, especialmente porque, considera, a Austrália "tentou durante todo
o ano de 1999 manter uma força internacional fora de Timor-Leste".
"Nunca
teria havido INTERFET sem o poder dos Estados Unidos. Em 1999 a Austrália foi o
aliado diplomático ideal da Indonésia. Deu cobertura diplomática à campanha
indonésia para continuar a reter Timor-Leste", defende Fernandes.
"Não
foi até 07 de setembro que se vergou perante um tsunami de pressão pública e
decidiu, chapéu na mão, ir pedir ajuda aos Estados Unidos", afirmou.
A
tensão sobre esta questão é evidente num dos telegramas desta coleção, datado
de 02 de agosto de 1999 e oriundo da embaixada dos EUA em Camberra refere que o
então ministro dos Negócios Estrangeiros australiano, Alexander Downer -- que
durante todo o ano de 1999 tentou minimizar a violência indonésia em
Timor-Leste -- tinha ficado "furioso" com notícias que apontam a
discrepâncias entre Camberra e Washington sobre uma força internacional em
Timor-Leste.
Downer
negou as notícias e depois ordenou ao seu departamento enviar "notas de
imprensa" que os EUA deveria usar para igualmente negar as notícias caso
houvesse perguntas dos jornalistas nesse sentido.
Agora,
20 anos depois, Clinton considera que Camberra "quer vestir o fato de
salvador" em 1999, quando "para o Governo australiano, Timor-Leste
foi sempre o país inconveniente".
"O
destacamento da INTERFET reverteu duas décadas de empenho da diplomacia
australiana de tentar ter acesso aos recursos petrolíferos de Timor-leste e até
depois da INTERFET vemos claramente esforços da Austrália para continuar a
reter controlo dos recursos timorenses", disse.
Clinton
diz que este mês de agosto e além dos 20 anos do referendo se comemora outro
aniversário: "os 15 anos da ação de espionagem australiana ao Conselho de
Ministros" timorense.
Um
dos documentos - datado 20 de setembro de 1999, o primeiro dia da missão da
INTERFET em Timor-Leste -- é um dos que detalham o principal objetivo do que
foi a campanha de terror indonésia em 1999.
Enviada
do cônsul em Surabaya, o telegrama cita "várias fontes" em Timor
Ocidental que explicam que a deslocação forçada de refugiados timorenses para a
metade indonésia da ilha pretendia "enfraquecer a legitimidade do
referendo da ONU".
A
estratégia, explica, era de que o referendo não era legitimo porque muitos
tinham "fugido" para Timor Ocidental e que, por isso, a Indonésia
deveria rejeitar o resultado do referendo.
O
documento confirma outros telegramas secretos divulgados em 2002 pelo
jornalista australiano Hamish McDonald sobre telefonemas do responsável militar
indonésio em Timor-Leste, Zacky Anwar, a 04 de setembro, sobre como estava a
decorrer a contagem dos votos do referendo de 30 de agosto.
Nessa
conversa Anwar mostra-se surpreendido quando a informação aponta a que o apoio
à autonomia é de menos de 20%.
O
telegrama de 20 de setembro nota que para muitos do lado indonésio "era
inconcebível" haver um apoio tão grande à independência, "com as
milícias a reportarem que controlavam nove dos 13 distritos". António Sampaio, da “Agência Lusa” in “Sapo
Timor-Leste”
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