Camberra
- O especialista australiano em direito do mar Donald R. Rothwell considera que
o acordo sobre a jurisdição dos poços petrolíferos do Greater Sunrise no Mar de
Timor foi uma concessão "surpreendente" dos timorenses que permitiu
definir as fronteiras marítimas.
Donald
R. Rothwell, considerado um dos maiores especialistas australianos sobre a lei
do mar e que acompanha a questão da fronteira no Mar de Timor desde 1983,
admitiu à Lusa que algumas pessoas no Governo australiano não esperavam essa
concessão.
"Uma
das coisas que me chocou quando se soube o resultado, foi o acordo
relativamente ao Greater Sunrise, que é uma grande concessão da parte de
Timor-Leste. A Austrália perceber que Timor estava preparado para negociar uma
solução para o Greater Sunrise deu-lhe mais confiança para avançar", disse
em entrevista à Lusa em Camberra.
"Algumas
pessoas no Governo australiano pensavam que assim que perdemos a conciliação,
Timor ia ganhar isto 100%, por isso ver Timor-Leste a dar concessões causou
alguma surpresa. Não é 100% para Timor. Timor consegue um bom resultado, mas a
Austrália recebe alguma fatia, o que surpreendente face à posição
inicial", explicou Rothwell, entrevistado pela Lusa na Universidade
Nacional Australiana (ANU) em Camberra.
Na
justiça arbitral, Timor-Leste ganhou a sua causa face à Austrália do que
respeitava aos poços. Posteriormente, foi celebrado um tratado de fronteiras
marítimas permanentes entre Timor-Leste e a Austrália, acordado num processo de
conciliação mediado por uma comissão criada no âmbito da lei do mar.
O
documento, assinado pelos dois Governos em março de 2018, já foi, entretanto,
ratificado pelos dois países, estando prevista para 30 de agosto a troca de
notas entre os chefes de Governo dos dois países que formaliza a sua entrada em
vigor.
Para
isso, é ainda necessário que o Presidente da República timorense promulgue um
pacote de propostas de lei e decretos aprovados com ampla maioria no parlamento
e sobre os quais tem de tomar uma decisão até 26 de agosto.
O
processo de negociação do tratado permitiu "alcançar uma solução global
negociada para a disputa sobre a delimitação permanente das respetivas
fronteiras marítimas", que inclui "a concordância sobre a ligação
inextrincável entre a delimitação das fronteiras marítimas e a criação do
regime especial para os Campos do Greater Sunrise".
Crucial,
antes disso, foi também o facto de a Austrália perder -- logo no primeiro
momento da reunião da comissão de conciliação -- o debate sobre a competência,
a jurisdição da própria comissão, composta por elementos nomeados pelos dois
países.
"Essa
decisão levou a Austrália a aceitar que era obrigada a participar e a decidir
participar em boa fé. O que ajudou a consolidar a opinião na Austrália de que
esta era uma questão que tinha de ser resolvida", frisou Rothwell.
"E
também de que se o assunto chegasse a qualquer fórum internacional, os
argumentos da Austrália não teriam o peso que tiveram aqui em Camberra. Não
sobreviveriam a um forte escrutínio internacional", referiu.
Durante
décadas, desde o tempo da administração portuguesa de Timor-Leste, que Camberra
manteve uma posição intransigente de que a fronteira marítima deveria seguir a
linha continental e não a linha mediana entre os dois países, como define a Lei
do Mar.
Rothwell,
que diz que sempre houve um "reconhecimento de que delimitar a fronteira
no Mar de Timor seria um desafio", explica.
Alcançado
este acordo histórico -- o tratado já foi ratificado pelos dois países e a
troca de notas está prevista para 30 de agosto em Díli -- Rothwell admite que a
Indonésia pode agora querer mexer nas suas fronteiras com a Austrália.
O
académico recorda, por exemplo, que o tratado de Perth, que define as
fronteiras entre a Austrália a Indonésia desde o Mar de Java ao Oceano Índico
ainda não foi ratificado por Jacarta.
"Porque
é que a Indonésia não ratifica? Quer manter as suas opções abertas
especialmente agora que houve um acordo com Timor-Leste?", sublinhou.
Rothwell
sugere que Jacarta pode dizer que ratifica o tratado de Perth a troco de
renegociar as fronteiras fechadas na década de 1970, dos dois lados de Timor e
que hoje, comparativamente ao novo tratado entre Díli e Camberra, não são
consistentes.
"Se
olharmos para as fronteiras no Mar de Timor, de Java e de Arafura, a de
Timor-Leste é muito mais para o sul do que as com a Indonésia. Podem agora
tentar renegociar para serem mais favoráveis a Jacarta", explicou.
Questionado
sobre os vários passos até ao tratado permanente de fronteiras, Rothwell
relembra que Timor-Leste independente "herdou um legado de acordos no Mar
de Timor".
Muito
do que ocorreu, explicou, deve-se ao facto dos "operadores comerciais
quererem manter a estabilidade desses acordos", uma questão que não deve
ser subestimada na avaliação dos passos dados. In “Sapo Timor-Leste” com “Lusa”
Sem comentários:
Enviar um comentário