Pucallpa
(Peru), Manaus e Barra Bonita (SP) — O Rio Ucayali nasce a cerca de 100km ao
norte do Lago Titicaca, a leste das Cordilheiras dos Andes, e escorre até a
fronteira do Brasil. Ao longo do trajeto, entre cidades peruanas e brasileiras,
troca de nome duas vezes, passando a se chamar Amazonas e Solimões. Em vários
trechos, a sensação de medo e a violência real são constantes, como nos
arredores da cidade de Pucallpa, com os seus 270 habitantes e distante 740km de
Lima.
No
barco rápido de passageiros, a caminho de uma comunidade indígena conhecida
como Nuevo Saposoa, um segurança com espingarda calibre 12 semiautomática e
pistolas 45 dispara cinco tiros para cima a cada meandro tortuoso do Rio
Ucayali. São alertas para ladrões e piratas saberem que, naquela embarcação, há
gente armada. O medo invade a fronteira e chega nos rios brasileiros da Região
Amazônica. O prejuízo com roubos de cargas chega a R$ 100 milhões por ano no
território brasileiro, segundo números da Federação Nacional de Empresas de
Navegação (Fenavega).
As
perdas são menores em relação aos roubos computados nas rodovias brasileiras
(cerca de R$ 2 bilhões por ano), mas crescem a cada ano e não existe esperança
de serem reduzidas num futuro próximo. Comparados aos crimes nas estradas, os
barcos de passageiros e de cargas não podem ter seguranças ou mesmo escoltas. A
falta de formação adequada de marinheiros é outro problema, dada a baixa
qualidade e quantidade de mão de obra. Como parte das quadrilhas se utilizam de
funcionários das companhias de navegação, os empresários do ramo acabam reféns
dos próprios empregados. Assumem as perdas por falta de pessoal para
substituição.
A
falta de sinal de internet também colabora para a ação dos criminosos no Norte
do país, algo que não ocorre na hidrovia Tietê-Paraná, por exemplo. Na Região
Amazônica, os garimpos ilegais acirram os conflitos com os empresários e
trabalhadores do setor da navegação de interiores (além do impacto ambiental).
Uma parte do combustível roubado de embarcações na região norte, por exemplo,
alimenta dragas usadas pelos faiscadores. Dragas essas que também tomam parte
do curso d’água e dividem espaços arriscados com embarcações de combustível e
outros produtos que sobem o Rio Madeira. São em torno de 4 mil obstruindo o
caminho.
Quem
conta é Raimundo Holanda, presidente da Federação Nacional de Empresas de
Navegação (Fenavega). Em Manaus, a reportagem ouviu relatos de piratas que
abordam embarcações no meio da noite, no Amazonas, no próprio Madeira ou no
Negro, em pontos em que mal se vê a margem. Agem com violência, roubam a carga
e desaparecem em igarapés no meio da floresta. Mas o presidente da Fenavega
explica que a prática de ação noturna já ficou no passado. Com a dificuldade de
acesso a socorro, criminosos agem em plena luz do dia.
Piratas
A
reportagem teve acesso a imagens de uma ação criminosa. Os piratas atuam em
grupos divididos em vários pequenos barcos. Muitos donos de embarcações já
desistiram de recorrer às autoridades. Holanda conta que, na Polícia Federal, o
mais comum é empurrarem a responsabilidade para outros órgãos. Na Marinha, o
inquérito segura barco e população por vários dias, muitas vezes, sem uma
solução. Com a demora, o prejuízo é ainda maior. Somado a isso, o medo de
retaliação ou de afastar clientes termina por silenciar de vez as vítimas.
“Só
existe combate a pirataria no Pará, próximo a Belém, mas é um contingente
pequeno para combater as quadrilhas, que são um problema grave nos estreitos
(de Breves e Buiuçu). Acontece quase que diariamente. Tem no Pará, no Madeira e
no Solimões. E como não existe uma ação contrária, aumenta a cada dia. Eles têm
preferência por combustíveis e eletroeletrônicos, que são mais fáceis de
vender. Sem estrutura, até que chegue socorro, já se passaram três dias”,
relata Holanda.
O
representante da categoria conta que, muitas vezes, os empresários levam
seguranças. A reportagem ouviu o mesmo relato de empresários na Feira Manaus
Moderna, na capital do Amazonas. A maioria dos proprietários e funcionários de
embarcações são reticentes ao tocar no tema. O comandante Adilson Sousa, 38,
falou dos riscos que tripulação e passageiros sofrem no Estreito de Breves
(PA). “Hoje, tem ficado mais perigoso. Têm acontecido muitos assaltos entre
Parentins (AM) e Santarém (PA), principalmente no Estreito de Breves”, conta.
Natali Zanish, empresária do ramo de embarcações, diz nunca ter sofrido
assalto, mas se precavê. “Andamos com segurança a bordo”, admite.
Como
os rios passam entre estados e fronteiras, são de jurisdição da Polícia
Federal. Procurada no decorrer de duas semanas para apresentar dados sobre os
roubos a embarcações, porém, a corporação não se manifestou. Por e-mail, a
assessoria de imprensa da corporação disse, apenas, que não obteve um
posicionamento do “setor responsável”.
Em
resposta ao Correio, a Marinha elencou como crimes mais comuns o assalto, roubo
ou furto. “A Marinha coopera com outros órgãos federais na repressão aos
delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas
interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência,
de comunicações e de instrução”, respondeu o vice-almirante Roberto Carneiro da
Cunha, diretor de Portos e Costas. “Nesse sentido, cabe ressaltar que a Marinha
vem intensificando, em todo o território nacional, as atividades de patrulha e
inspeção naval.” Leonardo Cavalcanti, Luiz
Calcagno – Brasil in “Correio Braziliense”
Sem comentários:
Enviar um comentário