Joel, 9 anos, tem na ‘t-shirt’ a mesma
foto do bisavô, Evaristo Madeira, que está colocada numa das campas onde jazem,
em Aileu, 12 portugueses e timorenses mortos na 2ª Guerra Mundial
De
cabelo comprido ligeiramente encaracolado, mochila pelas costas, mostra o mesmo
olhar intenso de Evaristo José Madeira, o bisavô que morreu aos 32 anos, às
mãos das colunas negras das forças japonesas.
Evaristo
Madeira, nasceu a 14 de agosto de 1910 e morreu a 01 de outubro de 1942, lê-se
na placa simples, preta e cinzenta, a mesma cor da foto onde o primeiro cabo
aparece de boné militar, com um bigode preto e fino a decorar-lhe o rosto sério.
As
campas – são 10, mas têm 12 corpos, entre eles três timorenses não
identificados – são o coração do monumento “Aos Massacrados de Aileu – 1942”,
cuja obra de recuperação, trabalho de militares timorenses e portugueses, foi ontem
apresentada.
Depois
da parte oficiosa, a entrada no perímetro do monumento das famílias dos homens
e mulheres ali enterrados, foi a mais solene.
Joel
entrou no monumento em formato de tranqueira, de mãos dadas com a avó, Teresa
Madeira, hoje com 84 anos, sogra do ex-primeiro-ministro timorense Rui Maria de
Araújo.
“Estou
muito agradecida por arranjarem tudo isto. Isto estava tudo muito sujo”, disse
à Lusa.
Praticamente
com a idade do neto, a 01 de outubro de 1942 testemunhou, sem compreender o
massacre que aqui é ali recordado.
“Tinha
seis ou sete anos. Era muito pequenina. Chamaram-nos para fora, numa dessas
casas, que já nem sei bem onde é. Chamaram-nos todos fora, ficámos sentado num
corredor e mataram o João Florindo e o Alves Meira à nossa frente”, recordou.
“Morreu
muita gente. Aqui enterrado está o meu pai, Evaristo”, explicou.
Numa
campa quase ao lado, cenas idênticas: Alice Florindo e o irmão mais velho, João
Florindo, os dois octogenários evocaram a memória do pai junto ao seu túmulo.
Alice
beijou a mão e levou o beijo na mão até à foto da campa. Depois ajudou a levar
a mão do irmão, com dificuldades de visão, a cumprimentar do mesmo modo a memória
do pai.
Com
uma área total de quase 3000 metros quadrados, o monumento foi construído em
1947 aproveitando o amuralhado e pórtico da antiga tranqueira, residência do
comandante.
Quem
ali está enterrado morreu na madrugada de 01 de outubro de 1942 pelas Colunas
Negras durante a invasão japonesa de Timor-Leste que ocorreu depois de soldados
australianos e holandeses terem ocupado a ilha, violando a neutralidade de
Timor-Leste.
Estão
sepultados no local um capitão de infantaria, quatro cabos, três soldados
timorenses e quatro civis.
Promotor
da iniciativa de recuperação, a par do seu homólogo timorense, o chefe do
Estado-maior General das Forças Armadas portuguesas, almirante António Silva
Ribeiro disse que a obra representa “cumprir um dever fundamental (…) de honrar
e respeitaram aqueles que fizeram o sacrifico supremo, dando a sua vida pelo
ideal da liberdade do território onde viviam e da bandeira que juraram
defender”.
Na
cerimónia, recordou a “grande violência e o grande número de atacantes que não
permitiram aos militares portugueses garantirem a defesa dos habitantes locais”
e que apesar dos gestos heroicos não sobreviveram “aquela fatídica noite”.
Na
sua primeira visita a Timor-Leste, Joaquim Chito Rodrigues, presidente da Liga
dos Combatentes, recordou a ligação antiga a Timor-Leste, desde as menções ao
Tata Mailau e ao Ramelau, nos seus livros da escola primária, à veneração à
bandeira portuguesa, mensagens “recebidas e jamais esquecidas”.
“Vivi
sempre os assuntos de Timor sem nunca cá ter estado”, disse, recordando o
“sentimento nacional” dos portugueses, em apoio a Timor-Leste, durante a luta
pela independência.
“Aqui
se mistura o sangue português e o sangue timorense. Aqui homenageamos e
aprofundamos a amizade entre dois povos”, afirmou, mostrando-se disponível para
apoiar a recuperação de outros monumentos.
Um
por um, leu o nome dos “massacrados de Aileu”, declarando a cada nome a palavra
“presente”.
O
comandante das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Lera Anan Timur,
aproveitou o momento para saudar “os laços de amizade e solidariedade
construídos e consolidados em momentos difíceis da história recente de Timor” e
que “vão para lá das simples relações institucionais”.
E
depois deixou recados: há que recuperar os edifícios e locais históricos do
país, homenageando o que representam, mas ao mesmo tempo ecoando como “memórias
do passado”.
“Servem
para mostra às gerações futuras o sacrifício de tantos que deram a sua própria
vida na defesa da sua terra, da sua pátria, de valores que consideravam
fundamentais”, disse. In “Sapo Timor-Leste” com “Lusa”
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