O icónico restaurante muda de sítio, depois de 18 anos
nas ilhas. No início desta semana começou uma nova vida, que agora se mistura
com outro espaço bem conhecido da comunidade portuguesa, o Baía. O casal Carlos
e Rosa já tem saudades do passado, mas olha para o futuro com esperança. Os
bitoques, o bacalhau, o arroz de pato, e os incontornáveis grelhados vão
continuar a ser actores principais do novo capítulo do antigo Lisboa
Ao
final de 18 anos, a mudança. Não foi por vontade própria, mas por um fenómeno
que em Macau passou a ser o prato do dia: a pressão imobiliária. Carlos e Rosa,
donos do Café Lisboa, começaram a fazer contas a vida, e o que ganhavam não
dava para fazer face a uma renda que ultrapassava as 100 mil patacas por mês.
Tiveram que arranjar alternativa. E a oportunidade levou-os para a península,
na zona do NAPE, para o lugar de um também afamado restaurante. O nome Lisboa
caiu, para já, e é o antigo Baía que dá nome ao espaço. Pode-se mesmo, segundo
o casal, falar de uma fusão entre o Lisboa e o Baía.
São
15h30, e o casal recupera do terceiro dia em que serve o almoço depois da
reabertura. Têm sido dias de grande azáfama, com o ‘set lunch’ a fazer furor. O
Café Lisboa — local de referência para a comunidade portuguesa de Macau quando
é altura de almoçar ou jantar — teve de sair da Taipa onde o espaço conquistou
fama.
Culpado?
O valor exagerado das rendas. “O senhorio tinha aumentado o ano passado, e eu
já tinha dito que não aguentava o valor o que ele queria”, afirma Carlos Lao,
de 59 anos.
O
dono do Lisboa explica que, no ano passado, o negócio não estava a correr tão
bem, e que, por essa razão, “não dava para pagar a renda que eles estavam a
pedir”. “Não dava mesmo para continuar. Já tínhamos decidido”, repete.
Carlos
e Rosa começaram a falar de alternativas, e a necessidade de arranjar outro
local para continuar o negócio tornou-se uma evidência. O senhorio nem sequer
manifestou vontade de negociar. O crescimento da Taipa enquanto espaço
turístico tem feito encarecer os arrendamentos do outro lado do rio, e, segundo
Carlos, a realidade actual é a de que o aluguer de espaços comerciais está mais
caro do que em Macau. “Ainda procurámos na Taipa, mas não encontrámos nada”,
avança o proprietário.
Começaram
a busca, e conversa puxa conversa, com amigos em comum à mistura, e houve duas
vontades que se juntaram. A de Constantino José, ex-dono do Baía — de abandonar
a RAEM depois de aqui ter assentado arraiais em 2013 — e a dos líderes do Café
Lisboa de precisarem de um novo lugar para prosseguir a sua vida. Começou, logo
ali, a ganhar forma a fusão que aconteceria mais tarde.
O
pessoal do Lisboa mudou-se para o antigo Baía. “Trocar de nome é muito
complicado, a burocracia é muito grande, mas se calhar, lá mais para a frente,
isso poderá acontecer”, avança Rosa.
Prós e contras
A
mudança, segundo Lao, foi uma decisão difícil de tomar. “Sempre são 18 anos.
Tínhamos a clientela feita”, lamenta. Rosa acrescenta, entre risos: “Nem quero
muito pensar nisso”. “Foi muito tempo naquele sítio, e agora há também a
adaptação aqui”.
E
ainda recorda que, antes, “fazíamos as coisas de olhos fechados”. “A cozinha lá
era melhor, apesar de esta estar bem equipada, mas faltam-me os frios. Tinha os
dois frigoríficos, e aqui não há”, enumera.
Mas,
claro, também há coisas boas com a passagem para o NAPE. “Temos mais espaço, é
ligeiramente mais barato, mas não muito”, começa por dizer. Se no anterior
Lisboa havia lugar para 40 pessoas “bem apertadinhas”, aqui “podem sentar-se
50”. Ou seja, há mais espaço para rentabilizar. Mas o que pode parecer à
primeira vista uma mais-valia, é avaliado por estes empresários como um pau de
dois gumes. É que se por um lado podem ter mais gente, por outro lado isso terá
como consequência o aumento de todos os custos.
“Pensámos
numa coisa mais pequenina, para ter menos encargos. Arranjar pessoal é uma dor
de cabeça muito grande, porque depois ainda é preciso treiná-los. Não queríamos
ter tantas despesas, mas foi o que apareceu”, explica a mulher.
Sucesso imediato
No
entanto, os primeiros dias de funcionamento ao almoço, segundo Rosa, têm sido
uma loucura. Muita afluência. Mesas cheias. Pratos a entrar e a sair da
cozinha. “Temos o ‘set menu’ e isto enche. Este é o terceiro dia, e isto é uma
dor de cabeça porque a equipa ainda não está oleada”, confessa a mulher que
comanda a operação.
O
pessoal que forma a equipa é também uma fusão dos dois restaurantes, saem dois
da cozinha do antigo Lisboa, e entram dois do antigo Baía.
Esta
afluência ao almoço contrasta com o que era a rotina na Taipa, onde era o
momento mais parado do dia. “Não ia muita gente, porque não há muitos
escritórios. Trabalhávamos melhor à noite, porque os nossos clientes eram mais
as pessoas que ali viviam”, explica, o que contrasta com aquela zona do NAPE,
polvilhada de empresas e de funcionários.
Um
‘handicap’ da anterior “casa” na Taipa era a falta de sitio para os clientes
estacionarem, o que a nova localização tem em bom número. No novo Baía, Rosa e
Carlos esperam conseguir manter muitos dos clientes antigos, que já prometeram
não abandonar o espaço, e conquistar novos públicos.
Longe
vão os tempos em que era apenas a comunidade portuguesa a dar corpo à realidade
do então Café Lisboa. Rosa lembra que, depois desse início, começaram a vir os
chineses, “muitas pessoas de Taiwan”, e o turismo trouxe os japoneses e os
coreanos que se apaixonaram pelos sabores portugueses. Hoje é um espaço muito
heterogéneo.
Ementa de fusão
O
casal ainda está a apalpar terreno. Para já o menú é aquele que Constantino
José e a mulher Noémia tinham delineado. No futuro será uma mistura dos dois
restaurantes. Rosa diz que vão aproveitar, da anterior gestão, “pelo menos os
pratos de marisco”, que “são muito bons”. A esses vão acrescentar os clássicos
“bife, bitoque, carne de porco à alentejana e a lula recheada”. Juntar-se-ão o
“arroz de povo e o arroz de pato”, “o bacalhau assado e o polvo à lagareiro”.
Não vão faltar os tradicionais grelhados, em que os frangos, a entremeada, e os
secretos, eram as vítimas mais conhecidas.
Mas
se no antigo Lisboa a carta era até grande demais para o número de mesas que o
restaurante detinha, no novo Baía, a carta vai ser mais pequena, apesar de
haver mais espaço para clientes. A razão é uma: “A cozinha é mais pequena, por
isso não pode ser de outra forma”.
Se
na Taipa o Café Lisboa estava aberto ininterruptamente entre as 11 horas e as
22 horas, a gestão vai adoptar, para já, outro modelo. Uma primeira abertura às
12 até as 15 horas para o almoço, e outra das 18 às 22 horas para o jantar.
Uma história que começou com salgadinhos
Os
dezoito anos na vida dos humanos é uma marca que está ligada à entrada na fase
adulta, e o mesmo se passa no caso do restaurante Café Lisboa.
Rosa
relembra o início desta história quando tudo era mais voluntarista e nascia com
a espontaneidade de quem se lembra de uma receita ou um prato novo para pôr na
lista. “Nós começámos e não tínhamos condições nenhumas, era só para ser
salgados e bolinhos”, recorda.
Tudo
o que havia era “uma copazinha”. Rosa começou por fazer tudo em casa, primeiro
uma carne assada, depois um arroz de pato. “E as pessoas começaram a pedir mais
coisas. Ia mudando”, diz nostálgica.
Ela
explica logo que não é cozinheira de profissão, mas que o acabou por ser por
vocação. “Gosto de fazer, mas nunca pensei em trabalhar numa cozinha destas”,
declara. O Café Lisboa foi crescendo, e o casal ficou com a parte que estava ao
lado do estabelecimento.
“A
partir daí começámos a fazer mais coisas, e eu todos os dias acrescentava um
prato. Começámos a ter a lista, porque não a tínhamos sequer. E as coisas foram
por aí fora”, relembra.
Podemos
estar a entrar num capítulo de mais 18 anos, numa nova casa? “Ui, não”, solta,
sonora, Rosa. “Isto será só mais uns aninhos, e depois passamos. É até à
reforma. Dezoito anos são muitos anos, mas haja saúde”, remata. João Malta –
Macau in “Ponto Final”
Joaomalta.pontofinal@gmail.com
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