Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Macau - Café Lisboa sai da Taipa em direcção ao NAPE para fusão com o Baía

O icónico restaurante muda de sítio, depois de 18 anos nas ilhas. No início desta semana começou uma nova vida, que agora se mistura com outro espaço bem conhecido da comunidade portuguesa, o Baía. O casal Carlos e Rosa já tem saudades do passado, mas olha para o futuro com esperança. Os bitoques, o bacalhau, o arroz de pato, e os incontornáveis grelhados vão continuar a ser actores principais do novo capítulo do antigo Lisboa



Ao final de 18 anos, a mudança. Não foi por vontade própria, mas por um fenómeno que em Macau passou a ser o prato do dia: a pressão imobiliária. Carlos e Rosa, donos do Café Lisboa, começaram a fazer contas a vida, e o que ganhavam não dava para fazer face a uma renda que ultrapassava as 100 mil patacas por mês. Tiveram que arranjar alternativa. E a oportunidade levou-os para a península, na zona do NAPE, para o lugar de um também afamado restaurante. O nome Lisboa caiu, para já, e é o antigo Baía que dá nome ao espaço. Pode-se mesmo, segundo o casal, falar de uma fusão entre o Lisboa e o Baía.

São 15h30, e o casal recupera do terceiro dia em que serve o almoço depois da reabertura. Têm sido dias de grande azáfama, com o ‘set lunch’ a fazer furor. O Café Lisboa — local de referência para a comunidade portuguesa de Macau quando é altura de almoçar ou jantar — teve de sair da Taipa onde o espaço conquistou fama.

Culpado? O valor exagerado das rendas. “O senhorio tinha aumentado o ano passado, e eu já tinha dito que não aguentava o valor o que ele queria”, afirma Carlos Lao, de 59 anos.

O dono do Lisboa explica que, no ano passado, o negócio não estava a correr tão bem, e que, por essa razão, “não dava para pagar a renda que eles estavam a pedir”. “Não dava mesmo para continuar. Já tínhamos decidido”, repete.

Carlos e Rosa começaram a falar de alternativas, e a necessidade de arranjar outro local para continuar o negócio tornou-se uma evidência. O senhorio nem sequer manifestou vontade de negociar. O crescimento da Taipa enquanto espaço turístico tem feito encarecer os arrendamentos do outro lado do rio, e, segundo Carlos, a realidade actual é a de que o aluguer de espaços comerciais está mais caro do que em Macau. “Ainda procurámos na Taipa, mas não encontrámos nada”, avança o proprietário.

Começaram a busca, e conversa puxa conversa, com amigos em comum à mistura, e houve duas vontades que se juntaram. A de Constantino José, ex-dono do Baía — de abandonar a RAEM depois de aqui ter assentado arraiais em 2013 — e a dos líderes do Café Lisboa de precisarem de um novo lugar para prosseguir a sua vida. Começou, logo ali, a ganhar forma a fusão que aconteceria mais tarde.

O pessoal do Lisboa mudou-se para o antigo Baía. “Trocar de nome é muito complicado, a burocracia é muito grande, mas se calhar, lá mais para a frente, isso poderá acontecer”, avança Rosa.

Prós e contras

A mudança, segundo Lao, foi uma decisão difícil de tomar. “Sempre são 18 anos. Tínhamos a clientela feita”, lamenta. Rosa acrescenta, entre risos: “Nem quero muito pensar nisso”. “Foi muito tempo naquele sítio, e agora há também a adaptação aqui”.

E ainda recorda que, antes, “fazíamos as coisas de olhos fechados”. “A cozinha lá era melhor, apesar de esta estar bem equipada, mas faltam-me os frios. Tinha os dois frigoríficos, e aqui não há”, enumera.

Mas, claro, também há coisas boas com a passagem para o NAPE. “Temos mais espaço, é ligeiramente mais barato, mas não muito”, começa por dizer. Se no anterior Lisboa havia lugar para 40 pessoas “bem apertadinhas”, aqui “podem sentar-se 50”. Ou seja, há mais espaço para rentabilizar. Mas o que pode parecer à primeira vista uma mais-valia, é avaliado por estes empresários como um pau de dois gumes. É que se por um lado podem ter mais gente, por outro lado isso terá como consequência o aumento de todos os custos.

“Pensámos numa coisa mais pequenina, para ter menos encargos. Arranjar pessoal é uma dor de cabeça muito grande, porque depois ainda é preciso treiná-los. Não queríamos ter tantas despesas, mas foi o que apareceu”, explica a mulher.

Sucesso imediato

No entanto, os primeiros dias de funcionamento ao almoço, segundo Rosa, têm sido uma loucura. Muita afluência. Mesas cheias. Pratos a entrar e a sair da cozinha. “Temos o ‘set menu’ e isto enche. Este é o terceiro dia, e isto é uma dor de cabeça porque a equipa ainda não está oleada”, confessa a mulher que comanda a operação.

O pessoal que forma a equipa é também uma fusão dos dois restaurantes, saem dois da cozinha do antigo Lisboa, e entram dois do antigo Baía.

Esta afluência ao almoço contrasta com o que era a rotina na Taipa, onde era o momento mais parado do dia. “Não ia muita gente, porque não há muitos escritórios. Trabalhávamos melhor à noite, porque os nossos clientes eram mais as pessoas que ali viviam”, explica, o que contrasta com aquela zona do NAPE, polvilhada de empresas e de funcionários.

Um ‘handicap’ da anterior “casa” na Taipa era a falta de sitio para os clientes estacionarem, o que a nova localização tem em bom número. No novo Baía, Rosa e Carlos esperam conseguir manter muitos dos clientes antigos, que já prometeram não abandonar o espaço, e conquistar novos públicos.

Longe vão os tempos em que era apenas a comunidade portuguesa a dar corpo à realidade do então Café Lisboa. Rosa lembra que, depois desse início, começaram a vir os chineses, “muitas pessoas de Taiwan”, e o turismo trouxe os japoneses e os coreanos que se apaixonaram pelos sabores portugueses. Hoje é um espaço muito heterogéneo.

Ementa de fusão

O casal ainda está a apalpar terreno. Para já o menú é aquele que Constantino José e a mulher Noémia tinham delineado. No futuro será uma mistura dos dois restaurantes. Rosa diz que vão aproveitar, da anterior gestão, “pelo menos os pratos de marisco”, que “são muito bons”. A esses vão acrescentar os clássicos “bife, bitoque, carne de porco à alentejana e a lula recheada”. Juntar-se-ão o “arroz de povo e o arroz de pato”, “o bacalhau assado e o polvo à lagareiro”. Não vão faltar os tradicionais grelhados, em que os frangos, a entremeada, e os secretos, eram as vítimas mais conhecidas.

Mas se no antigo Lisboa a carta era até grande demais para o número de mesas que o restaurante detinha, no novo Baía, a carta vai ser mais pequena, apesar de haver mais espaço para clientes. A razão é uma: “A cozinha é mais pequena, por isso não pode ser de outra forma”.

Se na Taipa o Café Lisboa estava aberto ininterruptamente entre as 11 horas e as 22 horas, a gestão vai adoptar, para já, outro modelo. Uma primeira abertura às 12 até as 15 horas para o almoço, e outra das 18 às 22 horas para o jantar.

Uma história que começou com salgadinhos

Os dezoito anos na vida dos humanos é uma marca que está ligada à entrada na fase adulta, e o mesmo se passa no caso do restaurante Café Lisboa.

Rosa relembra o início desta história quando tudo era mais voluntarista e nascia com a espontaneidade de quem se lembra de uma receita ou um prato novo para pôr na lista. “Nós começámos e não tínhamos condições nenhumas, era só para ser salgados e bolinhos”, recorda.

Tudo o que havia era “uma copazinha”. Rosa começou por fazer tudo em casa, primeiro uma carne assada, depois um arroz de pato. “E as pessoas começaram a pedir mais coisas. Ia mudando”, diz nostálgica.

Ela explica logo que não é cozinheira de profissão, mas que o acabou por ser por vocação. “Gosto de fazer, mas nunca pensei em trabalhar numa cozinha destas”, declara. O Café Lisboa foi crescendo, e o casal ficou com a parte que estava ao lado do estabelecimento.

“A partir daí começámos a fazer mais coisas, e eu todos os dias acrescentava um prato. Começámos a ter a lista, porque não a tínhamos sequer. E as coisas foram por aí fora”, relembra.

Podemos estar a entrar num capítulo de mais 18 anos, numa nova casa? “Ui, não”, solta, sonora, Rosa. “Isto será só mais uns aninhos, e depois passamos. É até à reforma. Dezoito anos são muitos anos, mas haja saúde”, remata. João Malta – Macau in “Ponto Final”

Joaomalta.pontofinal@gmail.com

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