Um
ousado trabalho de geografia que mapeou o nível de envenenamento dos alimentos
produzidos no Brasil foi lançado em maio, em Berlim, na Alemanha, país que
contraditoriamente sedia as maiores empresas agroquímicas do mundo. Quem estava
presente no lançamento do atlas “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e
conexões com a União Europeia” ficou perplexo com a informação sobre o
elevado índice de resíduos agrotóxicos permitidos em alimentos, na água
potável, e que, potencialmente, contamina o solo, provoca doenças e mata
pessoas. A obra, que já foi publicada no Brasil, é de autoria da geógrafa
Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da Universidade de São Paulo.
O
Brasil é campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura, alternando a
posição dependendo da ocasião apenas com os Estados Unidos. O feijão, a base da
alimentação brasileira, tem um nível permitido de resíduo de malationa
(inseticida) que é 400 vezes maior do que aquele permitido pela União Europeia;
na água potável brasileira permite-se 5 mil vezes mais resíduo de glifosato
(herbicida); na soja, 200 vezes mais resíduos de glifosato, de acordo com o
estudo, que é rico em imagens, gráficos e infográficos. “E como se não bastasse
o Brasil liderar este perverso ranking, tramita no Congresso nacional leis que
flexibilizam as atuais regras para registro, produção, comercialização e
utilização de agrotóxicos”, relata Larissa.
A
pesquisadora explica que o lançamento do atlas na Europa se deu pelo fato de a
Alemanha sediar a Bayer/Monsanto e a Basf, indústrias agroquímicas que
respondem por cerca de 34% do mercado mundial de agrotóxicos. A Monsanto, recentemente
incorporada ao grupo Bayer, é a líder mundial de vendas do glifosato, cujos
subprodutos têm sido associados a inúmeras doenças, incluindo o câncer e o
Alzheimer. “Queríamos promover discussão sobre a contradição de sediarem
indústrias que controlam toda a cadeia alimentar agrícola – das sementes,
agrotóxicos e fertilizantes – e serem rigorosos quanto ao uso de mais de um
terço dos pesticidas que são permitidos no Brasil. Eles são corresponsáveis
pelos problemas gerados à população porque vendem e exportam substâncias
sabidamente perigosas, porém, proibidas em seu território”, diz.
Intoxicação e suicídios
Segundo
a geógrafa, as perdas não se limitam à contaminação de alimentos e dos cursos
d’água. O atlas traz informações de que, depois de extensa exposição aos
agrotóxicos, ocorrem também casos de mortes e suicídios associados ao contato
ou à ingestão dessas substâncias.
Entre
2007 e 2014, o Ministério da Saúde teve cerca de 25 mil ocorrências de
intoxicações por agrotóxicos. O atlas mapeia as regiões mais afetadas: dos
Estados brasileiros, durante o período da pesquisa, o Paraná ficou em primeiro
lugar, com mais de 3700 casos de intoxicação. São Paulo e Minas Gerais ficaram
na segunda colocação, com 2 mil. Das 3723 intoxicações registradas no Paraná, 1631
casos eram de tentativas de suicídio, ou seja, 40% do total. Em São Paulo e
Minas gerais o percentual foi o mesmo. No Ceará, houve 1086 casos notificados,
dos quais 861 correspondiam a tentativas de suicídio, cerca de 79,2%. Os mapas
de faixa etária mostram que 20% da população afetada era composta de crianças e
jovens com idade até 19 anos.
Segundo
Larissa, no Brasil, há relação direta entre o uso de agrotóxicos e o
agronegócio. Em 2015, soja, milho e cana de açúcar consumiram 72% dos
pesticidas comercializados no País.
O
atlas “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões
com a União Europeia”, em português, foi lançado no
Brasil em 2017 e traz um conjunto de mais de 150 imagens entre mapas, gráficos
e infográficos que abordam a realidade do uso de agrotóxicos no Brasil e os
impactos diretos deste uso no País. A pesquisa que deu origem à publicação teve
o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes).
Em
Berlim, o lançamento aconteceu na sede do ENSSER (European Network of
Scientists for Social and Environmental Responsability), rede europeia sem fins
lucrativos que reúne cientistas ativistas responsáveis ambiental e socialmente,
em Glasgow, Escócia. O suporte financeiro para o lançamento do atlas na Europa
foi da FFLCH e da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. Ivanir Ferreira – Brasil in “Diário
do Centro do Mundo” com “Jornal USP”
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