Lei Chi Veng, pintor de Macau e antigo
professor de arte de uma escola primária na Ilha Verde, fez renascer as
memórias, vivências e paisagens que caracterizavam a zona há 40 anos numa série
de pinturas em aguarela. Nas 80 obras expostas, o artista pretende reavivar as
“recordações colectivas” dos moradores com quem se cruzou ao longo dos anos,
quer sozinho como com os alunos que os acompanhavam nesse processo criativo a
quem presta agora uma pequena homenagem
“Nunca
me vou esquecer. Antigamente, a Escola Primária da Ilha Verde ocupava apenas um
andar. Mal cabia uma turma, os alunos corriam para os campos como se voassem, e
quando a campainha soava iam rapidamente para a sala. Antes, a escola estava
rodeada de flores e plantas muito coloridas. Mas todas estas imagens agradáveis
já desapareceram”, recorda Lei Chi Veng, autor de uma série de aguarelas
intitulada “Amor da Ilha Verde”.
A
mostra que integra 80 obras do artista local de 71 anos está patente na sala de
exposições do Centro UNESCO até sábado. Um conjunto de pinturas através do qual
revive os momentos ainda bem presentes na memória de Lei Chi Veng. “O processo
de criação estendeu-se ao longo de três décadas: fui professor de arte na
Escola Primária da Ilha Verde ao longo de 40 anos, fiz a primeira pintura deste
série no início da carreira e conclui a última há 10 anos. Aposentei-me em
2013”, contou, em entrevista ao Jornal Tribuna de Macau.
Neste
sentido, Lei Chi Veng desvendou que o convívio com os alunos esteve sempre
presente no momento em que decidia pintar. “Aproveitávamos o tempo de aula ou
fora dela para nos deslocarmos a diferentes locais, onde captávamos momentos
harmoniosos na Ilha Verde que se tornaram hoje em memórias colectivas dos
moradores de Macau”, referiu.
“Estou
muito familiarizado com a zona da Ilha Verde, mas os meus alunos conhecem ainda
mais porque é onde vivem. Levaram-me a conhecer sítios bonitos, a maioria dos
quais desconhecia até porque tenho medo de cães e não me queria cruzar com eles
no meio da rua”. contextualizou.
Para
o artista, a essência desta exposição é o amor pessoal pela Ilha Verde, mas
também pelos alunos – companhia insubstituível e indispensável neste longo
caminho de produção artística. “Os moradores da zona eram muito pobres e
trabalhavam arduamente. Podiam comprar apenas um quarto ou construir uma casa
com chapas de zinco. Mas, na altura, todas abriam as portas das suas casas, sem
medo de serem assaltados. Era tudo muito natural”, recordou, entre sorrisos.
Contudo,
nem todos os alunos mostravam interesse em participar nesta actividade, pois o
estilo de vida na zona era “péssimo”. Aliás, afirmou, para os moradores mais
antigos as memórias da zona trazem cheiros desagradáveis, potenciados por um
calor extremo, mas típico de Verão. “Na altura, a escola só tinha uma ventoinha
e os estudantes costumavam concentrar-se na mesma sala de aula onde ela estava
instalada”, lembrou.
Numa
das pinturas, vê-se uma idosa “parada” no momento em que estava a tirar peças
de roupa penduradas num bambu conectado a uma varanda e a uma árvore. Uma obra
que enche o artista de orgulho, apontando para o detalhe que retratou em
aguarela de carne seca pendurada da mesma forma. “Os moradores faziam isto e
sentiam-se orgulhosos por dominar esta técnica”, salientou.
Noutra
pintura, Lei Chi Veng retrata uma idosa de pele escura, de pés descalços e
sentada numa cadeira de plástico, de costas voltadas para a parede da sua casa
erguida em chapas de zinco transparecendo uma tranquilidade solitária, ainda
que acompanhada por um gato que se encontrava igualmente relaxado. “São
paisagens, momentos, que praticamente já não existem. Desapareceram. E mesmo
que ainda existam, estão diferentes, como o Mosteiro da Ilha Verde rodeado de
lixo”, lamentou.
Quanto
à opção pela aguarela, ao invés da pintura a óleo que o pintor melhor conhece,
Lei Chi Veng explicou que a escolha recaiu no facto da primeira técnica ser de
fácil execução – o que não o impede, ainda assim, de transmitir as ideias de
forma “real e directa”. “Não havia telemóveis, e comprar uma máquina
fotográfica era um luxo. Por isso, se não tivéssemos tempo suficiente para
retratar as paisagens, fazíamos um esboço e depois recordávamos as cores, já em
casa”, acrescentou.
Sobre
os sentimentos que pretende transmitir aos espectadores, o pintor sublinhou a
palavra “recordações colectivas”, mas também o papel de incentivo junto de
estudantes pela arte. Lei Chi Veng diz ser positivo que os artistas locais
retratem mais nas suas obras os elementos locais, como o património cultural,
por ser favorável ao desenvolvimento do turismo local. Rima Cui – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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