“Graças à nossa escolha ortográfica, na Revirada chegamos
a feministas de países como Moçambique”. O PGL conversa com Paloma Fidalgo,
membro da equipa editorial da revista feminista, que apresenta o seu quinto
número, 'Receitas feministas antifascistas', com conteúdos que debatem a luta
política diária
Recém chegada desde Kuala Lumpur, Paloma Fidalgo toma o
sol no terraço do Pichel, em Compostela. Ela é uma das quatro pessoas
membro da equipa editorial de Revirada Feminista. O PGL
fala com a ativista feminista sobre o projeto da revista, que acaba de tirar do
prelo o seu quinto número, e a sua função dentro do tecido de movimentos
sociais da Galiza.
Chegais ao número 5 da
Revirada, que novidades traz esta nova entrega?
O número novo
pretendia dar resposta a um tema de bastante atualidade, tristemente, que é o
tema dos fascismos. Está cada vez mais presente na nossa sociedade e nos meios
de comunicação. Então quisemos fazer um pouco um jogo de palavras, porque
o tema da cozinha sempre foi entendido como um tema feminino, pelo que
queríamos fazer unas receitas antifascistas. Esperamos então que
assim a gente pudesse refletir sobre como combater o fascismo, desde o dia a
dia, desde os bairros, desde as nossas casas porque afinal é algo transversal,
não é só estar nas instituições e nos meios. Impata-nos a nível diário.
Tem isto algo a ver com as figuras centrais do número?
Por que escolhestes Marielle Franco, Agnès Varda e Pastora Dominga. São três
figuras de referencia muito diferentes: uma ativista brasileira, uma diretora
francesa, uma mãe galega…
A verdade é que nessa tempada que estivemos a preparar o
número chegaram as noticias das suas mortes que são muito distintas mas, como
sabemos, os feminismos são muito transversais. Vai desde Pastora da Corunha,
que fazia trabalho nas cadeias e desde os bairros –as três editoras da Corunha
conheciam-na–, até o caso de Agnès Varda –que é pioneira da nouvelle vague– ou o tema de
Marielle que temos próxima porque com o tema da língua sentimos muito perto
Brasil. Tentamos achegar-nos mais aos países lusófonos e foi-nos muito
impatante o seu assassinato. É muito transversal porque afinal o feminismo
toca-o tudo. Toca desde as altas instâncias de governo, digamos, até o dia a
dia. E estas mulheres demonstram que o feminismo está por todo o lado.
A Revirada já leva tempo a vogar. Como nasceu a ideia da
sua criação?
Eu cheguei depois. As fundadoras foram Giada, Mariola e
um moço chamado Pablo, quem já não está na equipa editorial. A revista começou
um pouco pela ideia de ter um projeto feminista continuado no tempo porque muitas
vezes parece que o feminismo é de reação. É dizer, por exemplo, o governo cria
um problema com uma lei do aborto, e o feminismo reage. Não havia um movimento
continuado, e queríamos criar um movimento continuado de reflexão de difundir e
criar vozes. Não dependermos de outros, senão tomar a iniciativa. Foi criado na
Corunha e eu uni-me com outra moça.
São todas de diferentes pontos do país? Quem está detrás
da Revirada?
Somos todas muito
distintas. Agora mesmo somos quatro moças. Está Mariola, da Corunha, e está
Sara, que é uma moça que vive em Compostela. Está também Giada, que é italiana
que vive desde há muitos anos na Galiza. De facto, fala muito melhor o galego
ca mim, é muito humilhante [risas]. E depois estou eu, que sou de Ourense mas
realmente vivo em Kuala Lumpur, em Malásia. Para trabalhar fazemos muito Skype,
mas agora como estou a passar cá uns meses, aproveito para trabalhar mais na
revista. Todas tentamos escrever quando temos tempo. E, como todo ativismo, é
uma dedicação de tempo da nossa vida, do nosso trabalho, para algo que não
é retribuído.
Como é o processo de criação de cada número?
Pois o processo começa com uma chuva de ideias para
decidir o tema do próximo número. Há temas que são muito claros, como o do
último número, que nos encantou. Depois de escolher o tema, lançamos a proposta
às colaboradoras. As colaboradoras podem ser qualquer pessoa, pode animar-se
quem for. Então a colaboradora é qualquer pessoa que se sinta interessada em
mandar-nos algo. Limitamos uma deadline de,
imagina, três meses, e a gente manda os seus textos para que nós façamos
seleção.
No início é verdade
que Revirada começou como uma web onde aglomerar todas estas vozes e ter a
revista como exemplo, mas o certo é que afinal a revista acabou
por absorver tudo e colher mais pulo [ri]. É claro, não temos orçamento
para colocar todo aquilo do que gostaríamos. Por exemplo, não temos capacidade
para meter mais páginas, publicarmos todas as coisas que nos chegam a cor, como
é o caso das contra-capas, que são super lindas.
Então, as editoras
o que fazemos é ler todos os textos, selecionar quais podem entrar melhor no
tema ou não… Praticamente não se descarta nenhum texto porque a gente que
trabalha um texto para enviar não costuma enviar algo fora de tema… Também
gerimos a página web e o Facebook, e intentamos fazer um conglomerado dos
movimentos sociais, de eventos que haja… Damos voz para intentar dinamizar.
O financiamento desde onde chega?
Pois temos a parte de Classificadas, na contra-capa. São negócios com uma
perspetiva feminista como Étik@s… Elas achegam algo para a revista, e depois
nas páginas do interior temos também algo de publicidade de negócios que são
afins mas não se auto-definem diretamente como feministas. Houve também no
inicio um investimento inicial que se vai recuperando aos poucos.
Ainda que utilizais outras normas ou línguas na
vossa publicação, por que a escolha linguística do galego reintegrado como
‘norma veicular’?
Quando Revirada foi
fundada, duas das fundadoras utilizam a norma reintegracionista, e a sua
escolha foi ciente. O outro fundador não a utilizava mas concordava. Que passa?
Que afinal a publicação pretende ser um alto-falante do feminismo, pelo que
respeitamos a língua e norma que cada pessoa utilize nos textos que envia. Por
isso publicamos em galego ou em castelhano ou em francês, se nos mandam. Porém,
a nossa linha é o reintegracionismo porque todas concordamos com isto. E
isso chamou a minha atenção, porque não há muitíssimas iniciativas na Galiza
que utilizem o reintegracionismo. E isso convenceu-me sobre o projeto [risas].
A publicação toma o pulso dos movimentos sociais
feministas na atualidade, integrando debates e polémicas vivos nestes espaços
como a utilização da violência, a utilidade dos protocolos, o pos-colonialismo…
Quais achas ou achais na equipa que são os principais desafios dos
feminismos galegos atualmente?
Temos falado muito
deste tema, e pensamos que está muito inconexo. Falta muita posta em comum,
falta união, sentar todas a falar, sermos mais transversais… É um problema
geral do feminismo global, porque é muito branco, heteronormativo.. E não damos
voz às pessoas raçalizadas, pessoas com diversidade funcional… É um tema que
todo feminismo tem, e no feminismo galego deveríamos ser mais politizadas, mas
no final todas temos empregos muito precários e precisamos investir muita
energia. Não é fácil ser ativista e feminista, complica a vida, a verdade [ri].
É o problema que penso eu que tem o feminismo galego. Muita desunião. Nós agora
estamos com o do protocolo, que o apresentamos com a Revirada, porque Giada foi
uma das que trabalhou nisto.
Atualmente os mídia e, em geral, a voz hegemónica é
masculina e branca. Nas redes sociais, na criação cultural, na opinião dos
meios de massas… Contra isto, como percebeis a receção do público cara a vossa
publicação?
Pois… A verdade é que o reintegracionismo ajudou-nos
muito com o feedback que
recebemos. Há um feedback que
não esperávamos, sobretudo de países lusófonos. Por exemplo, agora incluímos o trabalho de umas raparigas de Moçambique, que
quando nos chegou quase desmaiamos todas! [ri] Chegamos super longe! Quer que
sejamos lidas em Brasil ou em Portugal, em diversos festivais feministas… É
muito positivo, a verdade, que estejas a fazer algo na Galiza e sejas lida além
daqui. Depois, nas apresentações que fizemos, uma foi na Comuna, na Corunha. E
chamou-nos muito a atenção que vieram muitos moços, porque às vezes semelha que
sempre somos mulheres no feminismo e não é certo. Semelha que interessa muito o
tema do Protocolo para a prevenção e
abordagem das violências machistas nos movimentos sociais.
Realmente, o
protocolo é de Giada e de outras moças de Compostela, e estamos a apresentá-lo
conjuntamente com a revista porque por questões laborais não houve oportunidade
de dar-lhe a difusão necessária antes, e por isso aproveitamos esta
oportunidade para dá-lo a conhecer. O protocolo é uma ferramenta que está
baseada noutra que tinham em centros sociais da Catalunya, então está adaptado
à realidade galega e melhorada. É uma ferramenta para quando há uma agressão
machista num centro social, ou num movimento de esquerdas, para saber como
enfrentar esta situação sem recorrer à justiça patriarcal. Porém, claro, por
muito que sejas de esquerdas não significa que não vaia haver agressões, e
há mil casos assim. Afinal, o protocolo é uma ferramenta para as mulheres
e os homens, para as assembleias dos centros sociais… para parar as agressões.
Uma vez que já chegais ao quinto número… qual é o vosso
plano de futuro para a Revirada?
Agora estamos
intentando difundir a revista, quanto antes, melhor. Por exemplo, estamos a
programar uma apresentação na Gentalha do Pichel, em Compostela. Queremos ir ao
festival Agrocuir, de Monterroso, para fazer uma apresentação ou levar um posto
de informação. A nossa ideia principal é dar-lhe difusão porque leva muito
trabalho e não queremos correr ao seguinte número sem dar-lhe difusão. A
verdade é que a publicação está a atrair outros perfis que não pertencem aos
feminismos de esquerdas clássicos e está chegar às apresentações gente que vem
mais pelo âmbito da arte, pessoas que nunca antes estiveram numa associação
feminista. E queremos fazer isso, abrir ainda um bocado mais onde fazemos as
apresentações para não falar sempre para gente conhecida que já nos conhece.
E a longo prazo… Em que gostarias que se
convertesse a revista?
Sim, por pedir…
[ri] Queremos revisar o formato, neste tempo que vamos colher pensamos em mudar
cara a um formato mais jornalístico, aumentar o número de páginas… porque temos
muitos conteúdos que não colhem na revista atual. E a periodicidade… Pronto,
poder publicar cada três meses seria genial, mas tendo em conta que trabalhamos
é muito mais difícil. In “Portal Galego da
Língua” - Galiza
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