Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 27 de julho de 2019

Galiza – Revista “Revirada Feminista” um altifalante do feminismo com escuta no mundo lusófono

“Graças à nossa escolha ortográfica, na Revirada chegamos a feministas de países como Moçambique”. O PGL conversa com Paloma Fidalgo, membro da equipa editorial da revista feminista, que apresenta o seu quinto número, 'Receitas feministas antifascistas', com conteúdos que debatem a luta política diária




Recém chegada desde Kuala Lumpur, Paloma Fidalgo toma o sol no terraço do Pichel, em Compostela. Ela é uma das quatro pessoas membro da equipa editorial de Revirada Feminista. O PGL fala com a ativista feminista sobre o projeto da revista, que acaba de tirar do prelo o seu quinto número, e a sua função dentro do tecido de movimentos sociais da Galiza.

Chegais ao número 5 da Revirada, que novidades traz esta nova entrega?

O número novo pretendia dar resposta a um tema de bastante atualidade, tristemente, que é o tema dos fascismos. Está cada vez mais presente na nossa sociedade e nos meios de comunicação. Então quisemos fazer um  pouco um jogo de palavras, porque o tema da cozinha sempre foi entendido como um tema feminino, pelo que queríamos fazer unas receitas antifascistas. Esperamos então que assim a gente pudesse refletir sobre como combater o fascismo, desde o dia a dia, desde os bairros, desde as nossas casas porque afinal é algo transversal, não é só estar nas instituições e nos meios. Impata-nos a nível diário.
Tem isto algo a ver com as figuras centrais do número? Por que escolhestes Marielle Franco, Agnès Varda e Pastora Dominga. São três figuras de referencia muito diferentes: uma ativista brasileira, uma diretora francesa, uma mãe galega…

A verdade é que nessa tempada que estivemos a preparar o número chegaram as noticias das suas mortes que são muito distintas mas, como sabemos, os feminismos são muito transversais. Vai desde Pastora da Corunha, que fazia trabalho nas cadeias e desde os bairros –as três editoras da Corunha conheciam-na–, até o caso de Agnès Varda –que é pioneira da nouvelle vague– ou o tema de Marielle que temos próxima porque com o tema da língua sentimos muito perto Brasil. Tentamos achegar-nos mais aos países lusófonos e foi-nos muito impatante o seu assassinato. É muito transversal porque afinal o feminismo toca-o tudo. Toca desde as altas instâncias de governo, digamos, até o dia a dia. E estas mulheres demonstram que o feminismo está por todo o lado.

A Revirada já leva tempo a vogar. Como nasceu a ideia da sua criação?

Eu cheguei depois. As fundadoras foram Giada, Mariola e um moço chamado Pablo, quem já não está na equipa editorial. A revista começou um pouco pela ideia de ter um projeto feminista continuado no tempo porque muitas vezes parece que o feminismo é de reação. É dizer, por exemplo, o governo cria um problema com uma lei do aborto, e o feminismo reage. Não havia um movimento continuado, e queríamos criar um movimento continuado de reflexão de difundir e criar vozes. Não dependermos de outros, senão tomar a iniciativa. Foi criado na Corunha e eu uni-me com outra moça.

São todas de diferentes pontos do país? Quem está detrás da Revirada?

Somos todas muito distintas. Agora mesmo somos quatro moças. Está Mariola, da Corunha, e está Sara, que é uma moça que vive em Compostela. Está também Giada, que é italiana que vive desde há muitos anos na Galiza. De facto, fala muito melhor o galego ca mim, é muito humilhante [risas]. E depois estou eu, que sou de Ourense mas realmente vivo em Kuala Lumpur, em Malásia. Para trabalhar fazemos muito Skype, mas agora como estou a passar cá uns meses, aproveito para trabalhar mais na revista. Todas tentamos escrever quando temos tempo. E, como todo ativismo, é uma dedicação de tempo da nossa vida, do nosso trabalho, para algo que não é retribuído.

Como é o processo de criação de cada número?

Pois o processo começa com uma chuva de ideias para decidir o tema do próximo número. Há temas que são muito claros, como o do último número, que nos encantou. Depois de escolher o tema, lançamos a proposta às colaboradoras. As colaboradoras podem ser qualquer pessoa, pode animar-se quem for. Então a colaboradora é qualquer pessoa que se sinta interessada em mandar-nos algo. Limitamos uma deadline de, imagina, três meses, e a gente manda os seus textos para que nós façamos seleção.

No início é verdade que Revirada começou como uma web onde aglomerar todas estas vozes e ter a revista como exemplo, mas o certo é que afinal a revista acabou por absorver tudo e colher mais pulo [ri]. É claro, não temos orçamento para colocar todo aquilo do que gostaríamos. Por exemplo, não temos capacidade para meter mais páginas, publicarmos todas as coisas que nos chegam a cor, como é o caso das contra-capas, que são super lindas.

Então, as editoras o que fazemos é ler todos os textos, selecionar quais podem entrar melhor no tema ou não… Praticamente não se descarta nenhum texto porque a gente que trabalha um texto para enviar não costuma enviar algo fora de tema… Também gerimos a página web e o Facebook, e intentamos fazer um conglomerado dos movimentos sociais, de eventos que haja… Damos voz para intentar dinamizar.



O financiamento desde onde chega?

Pois temos a parte de Classificadas, na contra-capa. São negócios com uma perspetiva feminista como Étik@s… Elas achegam algo para a revista, e depois nas páginas do interior temos também algo de publicidade de negócios que são afins mas não se auto-definem diretamente como feministas. Houve também no inicio um investimento inicial que se vai recuperando aos poucos.

Ainda que utilizais outras normas ou línguas na vossa publicação, por que a escolha linguística do galego reintegrado como ‘norma veicular’?

Quando Revirada foi fundada, duas das fundadoras utilizam a norma reintegracionista, e a sua escolha foi ciente. O outro fundador não a utilizava mas concordava. Que passa? Que afinal a publicação pretende ser um alto-falante do feminismo, pelo que respeitamos a língua e norma que cada pessoa utilize nos textos que envia. Por isso publicamos em galego ou em castelhano ou em francês, se nos mandam. Porém, a nossa linha é o reintegracionismo porque todas concordamos com isto. E isso chamou a minha atenção, porque não há muitíssimas iniciativas na Galiza que utilizem o reintegracionismo. E isso convenceu-me sobre o projeto [risas].

A publicação toma o pulso dos movimentos sociais feministas na atualidade, integrando debates e polémicas vivos nestes espaços como a utilização da violência, a utilidade dos protocolos, o pos-colonialismo… Quais achas ou achais na equipa que são os principais desafios dos feminismos galegos atualmente?

Temos falado muito deste tema, e pensamos que está muito inconexo. Falta muita posta em comum, falta união, sentar todas a falar, sermos mais transversais… É um problema geral do feminismo global, porque é muito branco, heteronormativo.. E não damos voz às pessoas raçalizadas, pessoas com diversidade funcional… É um tema que todo feminismo tem, e no feminismo galego deveríamos ser mais politizadas, mas no final todas temos empregos muito precários e precisamos investir muita energia. Não é fácil ser ativista e feminista, complica a vida, a verdade [ri]. É o problema que penso eu que tem o feminismo galego. Muita desunião. Nós agora estamos com o do protocolo, que o apresentamos com a Revirada, porque Giada foi uma das que trabalhou nisto.

Atualmente os mídia e, em geral, a voz hegemónica é masculina e branca. Nas redes sociais, na criação cultural, na opinião dos meios de massas… Contra isto, como percebeis a receção do público cara a vossa publicação?

Pois… A verdade é que o reintegracionismo ajudou-nos muito com o feedback que recebemos. Há um feedback que não esperávamos, sobretudo de países lusófonos. Por exemplo, agora incluímos o trabalho de umas raparigas de Moçambique, que quando nos chegou quase desmaiamos todas! [ri] Chegamos super longe! Quer que sejamos lidas em Brasil ou em Portugal, em diversos festivais feministas… É muito positivo, a verdade, que estejas a fazer algo na Galiza e sejas lida além daqui. Depois, nas apresentações que fizemos, uma foi na Comuna, na Corunha. E chamou-nos muito a atenção que vieram muitos moços, porque às vezes semelha que sempre somos mulheres no feminismo e não é certo. Semelha que interessa muito o tema do Protocolo para a prevenção e abordagem das violências machistas nos movimentos sociais.

Podes explicar um bocado em que consiste este Protocolo?

Realmente, o protocolo é de Giada e de outras moças de Compostela, e estamos a apresentá-lo conjuntamente com a revista porque por questões laborais não houve oportunidade de dar-lhe a difusão necessária antes, e por isso aproveitamos esta oportunidade para dá-lo a conhecer. O protocolo é uma ferramenta que está baseada noutra que tinham em centros sociais da Catalunya, então está adaptado à realidade galega e melhorada. É uma ferramenta para quando há uma agressão machista num centro social, ou num movimento de esquerdas, para saber como enfrentar esta situação sem recorrer à justiça patriarcal. Porém, claro, por muito que sejas de esquerdas não significa que não vaia haver agressões, e há mil casos assim. Afinal, o protocolo é uma ferramenta para as mulheres e os homens, para as assembleias dos centros sociais… para parar as agressões.

Uma vez que já chegais ao quinto número… qual é o vosso plano de futuro para a Revirada?

Agora estamos intentando difundir a revista, quanto antes, melhor. Por exemplo, estamos a programar uma apresentação na Gentalha do Pichel, em Compostela. Queremos ir ao festival Agrocuir, de Monterroso, para fazer uma apresentação ou levar um posto de informação. A nossa ideia principal é dar-lhe difusão porque leva muito trabalho e não queremos correr ao seguinte número sem dar-lhe difusão. A verdade é que a publicação está a atrair outros perfis que não pertencem aos feminismos de esquerdas clássicos e está chegar às apresentações gente que vem mais pelo âmbito da arte, pessoas que nunca antes estiveram numa associação feminista. E queremos fazer isso, abrir ainda um bocado mais onde fazemos as apresentações para não falar sempre para gente conhecida que já nos conhece.

E a longo prazo… Em que gostarias que se convertesse a revista?

Sim, por pedir… [ri] Queremos revisar o formato, neste tempo que vamos colher pensamos em mudar cara a um formato mais jornalístico, aumentar o número de páginas… porque temos muitos conteúdos que não colhem na revista atual. E a periodicidade… Pronto, poder publicar cada três meses seria genial, mas tendo em conta que trabalhamos é muito mais difícil. In “Portal Galego da Língua” - Galiza

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