Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Machado de Assis escurecido

RIO DE JANEIRO - Recentemente a mídia tem divulgado que o tom da pele de Machado de Assis, apresentado pelas antigas fotos do genial escritor, era falso e apresentou-o com a tez muito escura. Como o autor dessa afirmativa chegou a essa constatação, não lhe foi questionado. Pelo que li e assisti nas televisões não foram apresentados documentos da época, registrando a manipulação da cor da pele de Machado de Assis ─ a seu pedido ─ pelos diversos fotógrafos do século 19 e início do século passado.

Por outro lado, é gravíssima essa denúncia de que o genial escritor tivesse vergonha da cor de sua pele e, por isso, corrompeu todos os fotógrafos para estamparem sua imagem embranquecida. Mais surpreendente é a não reação dos Machadianos, da Academia Brasileira de Letras, das Universidades e do mundo cultural brasileiro.

Se os defensores da tez preta de Machado de Assis estudassem um pouco a história dos africanos e seus descendentes no Brasil e um pouco de genética não teriam coragem de levantar, como possível, esse falso histórico.

Vejamos as classificações usadas nos documentos eclesiásticos, jurídicos, jornalísticos, estatísticos e outras fontes no período da escravidão no Brasil, para pretos e miscigenados.

AS PESSOAS PRETAS

Escravos vindos da África eram classificados como: Preto de Nação (Angola, Moçambique, Cabinda, Monjolo etc.). Como mostra o anúncio de jornal do Rio (1812) 





Os filhos de escravos africanos que nascessem no Brasil eram classificados como crioulos.

Os pretos escravos que adquirissem liberdade eram classificados como forros, ou alforriados.

Os filhos de pretos forros eram classificados como Pretos livres.

Após os tratados com a Inglaterra ─ com Portugal e, posteriormente, com o Brasil ─ os escravos contrabandeados pelos navios negreiros quando aprisionados por navios ingleses, portugueses e brasileiros eram libertos e classificados como Africanos livres.

Os filhos de pretos com indígenas eram denominados de Cafuzos.

OS MISCIGENADOS

A primeira miscigenação entre pessoas pretas e brancas classifica-se como Parda.

A Parda miscigenada com Preta classifica-se como Cabra (homem ou mulher). O anúncio, abaixo, de fuga de escravo (jornal do Rio 1812) cita duas categorias: Crioula e Cabra.



A miscigenação entre pessoa Parda e uma Branca origina o Mulato.

A pessoa Mulata miscigenando-se com Branca gera a pessoa Mulata. Evidentemente que esse segundo nível de Mulato, geneticamente tem a possibilidade de ter a tez da pele mais clara do que a anterior.

CLASSIFICAÇÃO DE ALGUNS PERSONAGENS IMPORTANTES, COM ORIGEM AFRICANA

PRETOS LIVRES:

Príncipe Obá II (Candido da Fonseca Galvão). Baiano (1834-1890) filho do africano livre Príncipe Obá I (Benvindo da Fonseca Galvão). Herói da Guerra do Paraguai, escritor.



Cruz e Souza. Catarinense (1861-1898). Poeta, filho dos pretos forros Guilherme da Cruz e Carolina Eva da Conceição.



PARDOS:

José do Patrocínio. Fluminense (1853-1905). Farmacêutico, jornalista e líder abolicionista. Filho do padre João Carlos Monteiro (branco) e da preta africana, Nação Mina, Justina do Espírito Santo.



André Rebouças. Baiano (1838-1898). Engenheiro, escritor, professor e inventor. Filho do pardo Antonio Pereira Rebouças e da (parda?) Carolina Pinto Rebouças.



Luiz Gama. Baiano (1830-1882). Advogado, jornalista, escritor e abolicionista. Filho de um comerciante português e da preta forra Luiza Mahin.



Theodoro Sampaio. Baiano (1855-1937). Engenheiro, escritor e professor. Filho do padre Manoel Fernandes Sampaio e da escrava (preta ?) Domingas da Paixão do Carmo.



MULATOS:

Lima Barreto. Carioca (1881-1922). Escritor e funcionário público. Filho do pardo João Henriques de Lima Barreto e da mulata Amália Augusta.



General Glicério (Francisco Glicério Cerqueira Leite). Paulista (1846-1916). Advogado, Ministro e general Honorário do Exército brasileiro. Filho do branco Antonio Benedito de Cerqueira Leite e da parda Maria Zelinda da Conceição.



Machado de Assis. Carioca (1839-1908). Escritor, funcionário público e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Filho do mulato Francisco José de Assis e da portuguesa (branca) Maria Leopoldina da Câmara Machado.



Portanto, era Machado de Assis o mulato descendente de pessoas brancas em três níveis, o que justifica a sua tez ser mais clara do que a dos demais miscigenados. Nireu Cavalcanti – Brasil


Nireu Oliveira Cavalcanti, (1944), arquiteto formado em 1969 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, é doutor em História Social, com ênfase em História Urbana, pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1997. Tem especialização em Planejamento Urbano e Regional e em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Santa Úrsula (1979-1982). É professor de pós-graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), da qual foi seu diretor de 2003 a 2007. É autor, com Hélio Brasil, de “Tesouro: o Palácio da Fazenda”, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Pébola-Casa Editorial, 2015); e de “O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte” (Zahar, 2003), seu trabalho de doutorado, com o qual obteve o primeiro lugar da 42ª Premiação Anual do Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ em 2004; “Histórias e conflitos no Rio de Janeiro colonial: da Carta de Caminha ao contrabando de camisinha – 1500-1807” (Civilização Brasileira, 2013); “Arquitetos e Engenheiros: sonho de entidade desde 1978” (Crea-RJ, 2007); “Crônicas históricas do Rio colonial” (Civilização Brasileira/Faperj, 2004); “Santa Cruz – uma paixão” (Relume-Dumará, 2004); e “Construindo a violência urbana” (Madana, 1986). Participou com capítulos em vários livros.

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