Um estudo que, pela primeira
vez, avaliou o impacto de fármacos anticancerígenos na água do interior das
células foi distinguido com o "Society Impact Awards"
2019, prémio atribuído pelo "ISIS Neutron and Muon Source",
laboratório que possui um dos mais potentes feixes de neutrões e muões do
mundo, localizado no Reino Unido.
Lançado em 2018, o “ISIS Impact Award” reconhece o impacto
científico, social e económico do trabalho desenvolvido pela comunidade de
utilizadores das instalações do centro – cerca de um milhar de cientistas de
todo o mundo por ano.
O estudo agora premiado, liderado
por Maria Paula Marques e Luís Batista de Carvalho, da Unidade de I & D
“Química-Física Molecular” (QFM) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra (FCTUC), visa o desenvolvimento de novos fármacos
antitumorais com múltiplos locais de ação, a designada quimioterapia multialvo,
que permite aumentar a eficácia do tratamento de doentes com cancro,
principalmente em casos de prognóstico muito baixo.
Geralmente, explicam os
investigadores, «os medicamentos de combate ao cancro têm um único alvo (uma
molécula recetora, que pode ser o ADN, uma proteína específica, a membrana da
célula, etc.). Mas se conseguirmos um fármaco que atue simultaneamente em
vários locais da célula, a eficácia do tratamento será maior, e terá menos
efeitos tóxicos para o paciente».
Sabendo-se que a água, a
substância mais abundante dentro da célula, é essencial para o seu bom
funcionamento, estes investigadores decidiram estudar o comportamento dos
diferentes tipos de água intracelular na presença de fármacos anticancerígenos.
«Só conhecendo todas as
mudanças que os medicamentos desencadeiam na estrutura da água no interior da
célula é possível avaliar de que forma esta água pode ser usada como um alvo
terapêutico. É a primeira vez que se tenta perceber o efeito de fármacos na
água intracelular», notam os investigadores que trabalham no desenvolvimento de
novos fármacos contra o cancro há cerca de duas décadas.
A equipa inovou também na
realização das experiências, já que foi a primeira vez que se colocaram células
cancerígenas humanas sob a ação de um feixe de neutrões. Para tal ser possível,
foi necessário cultivar e incubar com o fármaco um número extremamente elevado
de células cancerígenas humanas imediatamente antes da aquisição dos dados.
«São experiências muito complexas, que exigem a utilização de milhões de
células vivas», contam Maria Paula Marques e Luís Batista de Carvalho.
Foram testados dois fármacos,
em dois tipos de cancro muito agressivos: carcinoma de mama metastático
(triplo-negativo) e osteossarcoma (cancro de osso, que afeta particularmente
crianças e adolescentes). Primeiro foi avaliado o efeito de um medicamento
conhecido – a cisplatina - e, numa segunda fase, foi testado um fármaco
desenvolvido por estes investigadores da QFM-UC. Ambos os compostos têm como
alvo principal o ADN da célula.
Os resultados foram bastante
promissores, revelam os coordenadores do estudo. «No seu conjunto, verificou-se
que os dois fármacos afetam a água intracelular nos tipos de cancro agora
estudados. Mais, observaram-se diferenças significativas no modo de ação dos
dois medicamentos, dependentes ainda do tipo de cancro».
Por outro lado, observou-se um
duplo efeito dos fármacos na dinâmica da água intracelular. A água do
citoplasma tornou-se mais rígida enquanto a água de hidratação das biomoléculas
que se encontram no interior da célula (que funciona como uma capa protetora)
tornou-se mais flexível. Segundo os investigadores, este efeito duplo é «muito
positivo porque significa que provavelmente as biomoléculas não irão funcionar
normalmente, levando à morte celular, que é o que se pretende numa célula
doente».
Sobre o prémio “Society Impact Award”, Maria Paula
Marques e Luís Batista de Carvalho afirmam que foi com «surpresa e satisfação
que recebemos a notícia, já que concorremos com centenas de cientistas de todo
o mundo. É uma honra muito grande ver reconhecida a qualidade do trabalho
desenvolvido na nossa unidade de investigação». Universidade de Coimbra “Faculdade de Ciências e Tecnologia” - Portugal
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