"Nueva Palmira é o porto
mais ao sul da hidrovia Paraguai-Paraná, a 3442 km de onde a rota transnacional
se inicia, em Cáceres, no Mato Grosso,percorrendo cinco países. O capitão do
porto, Hebert Marquez, está otimista com a possibilidade de receber mais cargas
brasileiras e de outros vizinhos. “Esta é a última escala das barcaças que
navegam os rios até os portos de ultramar. Pelo menos três estados do Brasil
têm potencial para vender seus produtos utilizando este porto. Convido
representantes das zonas produtivas brasileiras a fazer uma reunião de
intercâmbio ou uma conferência, porque cremos que a irmandade dos povos vai se
construindo com uma notícia, um conhecimento, a oportunidade de um negócio,
tudo entrelaçado”.
Cargas vindas do Brasil, no
entanto, são tão raras no pequeno porto como os itens de um planeta distante.
Os mestres desses caminhos fluviais são os paraguaios – o país guarani tem a
terceira maior frota de barcaças do mundo, com 3000 unidades operando nos
meandros da Bacia do Prata. “Neste ponto, todos deveríamos nos inspirar no
Paraguai. O paraguaio é um bom marinheiro, maneja com facilidade o rebocador e
as barcaças. Eles têm uma cultura naval que os outros países da Bacia do Prata
não têm. Por necessidade, eles aproveitam o rio muito mais do que nós”,
sublinha Marquez.
Se o Paraguai domina as águas
da hidrovia, a Argentina detém o maior percentual de cargas. Um estudo da
Universidade Federal do Paraná para a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (ANTT), divulgado em 2017, mostra que a Argentina transportava pela
hidrovia 64,60 milhões de toneladas de cargas por ano; em segundo lugar, o
Paraguai (12,97 milhões de toneladas), depois o Brasil (4,47 milhões de
toneladas), Bolívia (1 milhão de toneladas) e Uruguai (52 mil toneladas).
Proporcionalmente às cargas transportadas por outros modais, o Brasil, com
0,6%, só não fica atrás do Uruguai, que escoa apenas 0,4% de seus produtos pelo
rio. O Paraguai, em contrapartida, movimenta pela hidrovia 76,8% de suas
cargas, contra 54,6% da Argentina e 12,9% da Bolívia.
De
olho no Oeste do Paraná
Uma obra rodoviária, no
Paraguai, pode ser o impulso que falta para que Nueva Palmira finalmente comece
a receber commodities agrícolas
brasileiras que, dali, seguiriam para Ásia e Europa, pelo Atlântico Sul. A
rodovia batizada de “Corredor de Exportação” está sendo construída com
financiamento japonês e deve ficar pronta em três anos. Os 147 km de extensão
margeiam e interligam o Rio Paraná com zonas de produção, próximo à fronteira
com o Brasil.
No percurso da rodovia estão
onze portos fluviais, alguns deles, como o Puerto Torocuá, a apenas 100 km da
zona fronteiriça do Oeste do Paraná, uma das principais regiões produtoras de
grãos do estado. Em um raciocínio simples, a soja do oeste paranaense poderia
seguir apenas 200 km até os portos paraguaios e fazer o restante do caminho nas
balsas, evitando a viagem de 600 km de caminhão até o Porto de Paranaguá. Um
comboio de 16 balsas pode transportar 24 mil toneladas, enquanto por outros
modais seriam necessários 686 caminhões ou 300 vagões de trem. O estudo da UFPR
para a Antaq demonstrou que o custo do transporte hidroviário é de apenas 25%
do rodoviário tomando como base uma viagem de mil quilômetros.
Para o consultor de logística
portuária Luiz Henrique Dividino, que durante seis anos dirigiu o Porto de
Paranaguá, a saída pelo Paraguai não tem vantagem competitiva para os
paranaenses. Dividino diz que o transporte de grãos por hidrovias envolve
alguns gargalos operacionais – como o transbordo do caminhão para a barcaça e
desta para os navios – que implicam aumento de custos, perdas físicas no
manuseio e eventuais perdas de qualidade, devido às intempéries ou contaminação
com outros produtos (mistura de soja e milho, por exemplo). “Todo mundo fala
que o transporte por caminhão é caro, que é ineficiente. Mas hoje o que vemos
na frota de granéis é a melhor geração de caminhão que já existiu, extremamente
eficiente. E no Porto de Paranaguá temos o efeito natural do frete de retorno,
que no outro caso não existe. Descem 23 milhões de toneladas de granéis para
exportação e sobem 10 milhões de toneladas em fertilizantes, cevada e malte,
entre outros produtos”, aponta.
O ex-dirigente portuário
reconhece que, pontualmente, poderá haver alguns embarques do Oeste do Paraná
pela hidrovia Paraguai-Paraná, “que está ali do lado de Cascavel”. “De repente,
o operador não tem frete, está com a barcaça parada e decide botar o
equipamento para rodar, oferecendo fazer o serviço pelo custo. Se tiver
oportunidade, pode aparecer algum negócio. Mas o mercado predominante e cativo
é Paranaguá”.
Expedição
Safra vai até o extremo sul da Hidrovia Paraguai-Paraná
Paranaguá
pode ser imbatível
O sistema de Paranaguá poderia
se tornar imbatível, segundo Dividino, se fossem instalados “terminais privados
puros”, como em Santos. “Paranaguá hoje tem terminais privados interligados com
o cais público. Se tivermos os dois modelos, serão duas figuras disputando o
mercado. Daí iríamos tomar carga de São Francisco do Sul, e digo mais,
poderíamos trazer o Paraguai de volta para cá”.
Dividino se refere ao fato de
que, até o início dos anos 2000, quase toda a safra de grãos do Paraguai era
exportada por Paranaguá. O bloqueio das cargas transgênicas, por ordem do então
governador paranaense Roberto Requião, fez com que o país vizinho descobrisse
sua vocação fluvial. Hoje, 96% do que o Paraguai produz é exportado por
hidrovia.
Em outros trechos da hidrovia
transnacional, as cargas agrícolas brasileiras começam finalmente a dar o ar da
graça. A multinacional argentina Vicentin importou 600 mil toneladas de soja do
Mato Grosso do Sul, no ano passado, pelos portos de Murtinho e Ladário, no
Brasil, e via Concepción, no Paraguai. No ano anterior tinham sido apenas 185 mil
toneladas e, dois antes, míseras 16 mil toneladas.
“Os embarques aumentaram
geometricamente. Não iríamos comprar 600 mil toneladas se estivéssemos perdendo
dinheiro”, diz Peter J. Graham, diretor do grupo Vicentin. A soja do Mato
Grosso do Sul, com teor mais alto de proteína, é levada para ser esmagada e
fazer um blend nas indústrias argentinas de Rosário.
Para o diretor-executivo do
Movimento Pró-Logística de Mato Grosso e presidente da Câmara de Infraestrutura
e Logística de Transportes do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Edeon
Vaz Ferreira, ao fim e ao cabo tudo se resume a uma questão de custos. “Dólar
por dólar, o transporte de commodities
se resolve nos detalhes. Exportar soja do Mato Grosso para a Argentina, a conta
não fecha. Teria de haver um frete de retorno, com fertilizante, por exemplo,
para as barcaças não voltarem batendo lata em todo o trecho. Já de algumas
regiões do Mato Grosso do Sul, isso é possível”, avalia.
As compras de soja do Mato
Grosso do Sul para escoamento via hidrovia, até agora, foram feitas
exclusivamente pelo grupo Vicentin, mas mostram a viabilidade econômica de uma rota
até então inexplorada. “A soja do Mato Grosso do Sul era uma das mais baratas,
mas agora até se valorizou com essas exportações. E os produtores estão
plantando 5% a mais a cada ano”, diz Peter Graham, da Vicentin.
Veio
para ficar
O fato é que a alternativa de
escoamento da safra de Mato Grosso do Sul pela hidrovia Paraguai-Paraná veio
para ficar. Juliano Schmaedecke, presidente da Aprosoja-MS, diz que só não se
exporta mais pelo rio devido à falta de capacidade de embarque nos terminais
brasileiros. Uma das empresas que atuam em Porto Murtinho, a FV Cereais,
conseguiu licenças ambientais e já começou a ampliar a área do cais. “Vamos ter
três operadores portuários e isso é muito bom. Vai trazer mais competitividade
para o mercado. Hoje a gente ainda envia soja de caminhão para embarcar lá pelo
porto de Rio Grande (RS), que tem mais eficiência e taxas mais baratas. Mas é
uma barbaridade descer quase 2 mil quilômetros, tendo portos muito mais perto”,
critica Schmaedecke.
Outro gargalo que prejudica o
potencial da hidrovia Paraguai-Paraná são os atestados fitossanitários. Por
falta de regulamentação e acordo entre os países, a soja brasileira tem de sair
em lotes fechados, prontos para embarcar nos navios Panamax. Isso impede que as
indústrias formem seus lotes na Bacia do Prata. “Na verdade, essa navegação
ainda não está redonda. Para os laudos fitossanitários, é uma quantidade tão
grande de documentos que exigem que isso também emperra um pouco essa
negociação de venda do Brasil com a Argentina e o Uruguai”, destaca Edeon
Ferreira. Segundo Schmaedecke, da Aprosoja, a questão dos laudos
fitossanitários está sendo tratada diretamente pela ministra da Agricultura,
Tereza Cristina, e espera-se para breve uma solução.
Se a saída sul-matogrossense
para o rio irá se consolidar, se o caminho fluvial é viável também para o
Paraná e o Mato Grosso, se Nueva Palmira vai finalmente receber soja brasileira
– todas essas são questões que se resolverão na planilha das empresas de
logística e nas obras de infraestrutura dos governos. Cada dólar de redução nos
custos, como se vê, tem o potencial de fazer a balança pender para um ou outro
lado. In “Gazeta do Povo” - Brasil
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