I
Depois
de 22 anos, Politica e Profezia: Appunti
e frammenti 1910-1935 (Roma, Antonio Pellicani Editore, 1996), que reúne
textos políticos do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), traduzidos e
anotados por Brunello Natale De Cusatis, professor de Língua Portuguesa e
Literaturas Portuguesa e Brasileira da Universidade de Perugia, hoje aposentado,
ganhou em 2018 pela Edizioni Bietti, de Milão, uma segunda edição, revista e
aumentada, constituindo o 26º volume da coleção l´Archeometro. Na introdução que preparou para esta edição, entre
outras argutas observações, De Cusatis recupera a polêmica travada à época da
primeira edição com o escritor italiano Antonio Tabucchi (1943-2012), autor de Afirma Pereira (1994), na qual também teve
participação (involuntária) este articulista.
Como
se sabe, à época, o fato de ter mostrado que o pensamento político de Fernando
Pessoa passava longe dos hostes esquerdistas, embora não se pudesse
qualifica-lo de fascista, aparentemente, desagradou Tabucchi, antigo professor
de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Siena, diretor do
Instituto Italiano de Cultura em Lisboa e tradutor de obras de Fernando Pessoa
para o italiano. E o que se seguiu foi uma série de ataques pela imprensa,
especialmente um artigo publicado no jornal Corriere
della Sera, de Milão, em 31 de
maio de 2001.
Como
escreveu o crítico José Almeida, no periódico impresso O Diabo, de Lisboa, na edição de 15 de janeiro de 2019, a polêmica
mostrou, “de um lado, as calúnias, as mentiras e as infâmias de Tabucchi e
respectivo séquito, de outro a verdade assente sobre os fatos, a honestidade
intelectual e o profundo conhecimento de De Cusatis em relação à obra do
modernista português”.
Na
tentativa de desqualificar o trabalho de De Cusatis, Tabucchi, entre outras
diatribes, acusou o professor de apoiar-se em “estudiosos menores e pouco
conhecidos (um certo Eduardo Frias, colaborador da revista Futuro Presente ou um brasileiro desconhecido (ignoto brasiliano), Adelto Gonçalves, e eventualmente na posição
marxista-leninista de Alfredo Margarido, ignorando completamente críticos
importantes como Villaverde Cabral, José A. Seabra e sobretudo a imprescindível
edição crítica em vários volumes publicada pela Imprensa Nacional”, como se lê
à página 24 na introdução preparada para esta segunda edição.
II
Na
introdução, De Cusatis lembra que Frias nunca fora colaborador da Futuro Presente, cujo primeiro número é
da década de 1980, porque morreu em 1971, enquanto “Adelto Gonçalves é um
prestigioso crítico e ensaísta brasileiro, autor de uma fundamental biografia
do poeta árcade português-brasileiro, Tomás Antônio Gonzaga, publicada em 1999
pela editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro”. Ademais, destaca que baseara suas
pesquisas também em estudos de outros especialistas, como João Gaspar Simões
(1903-1987), Ángel Crespo (1926-1995), Pierre Rivas, Jacinto do Prado Coelho
(1920-1984), Francisco Iglésias (1923-1999), Gonzalo Fernández de la Mora
(1924-2002), Nuno Rogeiro e Joel Serrão (1919-2008).
A
bem da verdade, diga-se aqui que De Cusatis, em suas pesquisas, consultara na
Biblioteca Nacional de Lisboa o meu ensaio “O ideal político de Fernando
Pessoa”, um dos três textos contemplados no concurso de monografias Fernando
Pessoa promovido pela Fundação Cultural Brasil-Portugal, do Rio de Janeiro, e que
seriam publicados no livro Estudos sobre
Fernando Pessoa pela mesma instituição em 1986, juntamente com trabalhos das professoras Simone Pereira
Schmidt e Ana Helena Cizotto Belline. O ensaio seria também publicado em Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos,
Universidade Santa Cecília, 1997).
Por
trás de tudo, sabe-se agora, o que estava em jogo no chamado “Caso Pessoa”,
como o episódio ficou conhecido nos meios intelectuais italianos, eram
questiúnculas paroquiais, além de um certo despeito de Tabucchi, que,
provavelmente, imaginava que fosse o único italiano “autorizado” a escrever
sobre Pessoa. É de se ressaltar ainda que a publicação do artigo no Corriere della Sera deu-se meses antes de um concurso a catedrático a que o
professor De Cusatis se submeteu na Itália, tendo a esposa do próprio Tabucchi,
a professora portuguesa Maria José de Lencastre, também autora de livros sobre
Fernando Pessoa, como integrante do júri.
À
época, por questões de foro íntimo, De Cusatis preferiu não contestar as
acusações de Tabucchi, só o fazendo agora quase duas décadas mais tarde, mas
ainda sem revelar os detalhes menores da contenda. Fosse como fosse, segundo afirmou
De Cusatis, em conferência feita a 22 de dezembro de 2018, no Palacete dos
Viscondes de Balsemão, no Porto, a propósito da apresentação do volume ao
público português, a intenção de Tabucchi, “com ataques de certa forma
infelizes e muito pertos do linchamento”, seria a de “esmagar” a sua carreira
universitária.
III
Além
de reviver essa polêmica, o mais importante é que Politica e profezia. Appunti e frammenti 1910-1935 reúne, em seis
capítulos organizados em ordem cronológica, textos em que é possível detectar
sem sectarismos o pensamento político de Fernando Pessoa: “Radicalismo repubblicano. Nazionalismo. Integralismo (1910-1916)”; “La
civiltà europea e la Grande Guerra (1916-1918)”; “Il problema iberico (1916
(?)-1918(?)”; “Il sidonismo e i problemi del Portogallo postbellico
(1918-1919)”; “Rivoluzione e controrivoluzione. Dittatura come “Interregno” e
dittatura “istituzionalizzata (1926-1935)” e “Mitogenia e spirito profetico”.
Com
esses textos selecionados por De Cusatis, o leitor terá a oportunidade de
conhecer a fundo os matizes do pensamento pessoano para, provavelmente,
concluir que o poeta, ainda que fosse um antidemocrata por definição, não
admitia a opressão, passando longe de ser fascista ou extremista de direita.
Seria, sim, um monarquista, embora considerasse a monarquia completamente
inviável para o Portugal de sua época. Ou seja, defendia uma monarquia formal,
com a família real representando a nação e o poder moderador, enquanto o
parlamento cuidava da administração do Estado. Era, como ele mesmo se definiu,
um conservador ao estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e
absolutamente antirreacionário.
Por
colocar com exatidão e da melhor maneira possível os matizes do sofisticado
pensamento pessoano, seu modo aristocrático e corajoso de expor suas ideias
políticas, este livro merece ter sua publicação imediata tanto em Portugal como
no Brasil, ainda que os textos pessoanos já tenham sido publicados de maneira
dispersa ao longo dos tempos. A novidade é que, do modo como estão reunidos e
estruturados, constituem um arcabouço perfeito do pensamento pessoano, abrangendo
25 anos de história de Portugal, quer política, quer das ideias, analisada e
comentada por um poeta que, sem dúvida, como observa De Cusatis, está entre os
maiores do século XX.
IV
Brunello
Natale De Cusatis é ainda articulista com trabalhos publicados em jornais e
revistas italianos e no exterior. Estudioso de Fernando Pessoa, publicou em
Portugal o ensaio Esoterismo, Mitogenia e
Realismo Político em Fernando Pessoa (Porto, Caixotim Edições, 2005).
Organizou o livro Studi su Fernando
Pessoa (Perugia, Edizioni dell’Urogallo, 2010), que reúne onze ensaios de
especialistas no poeta português, inclusive deste articulista.
Organizou
também o livro La vita plurale di Fernando Pessoa, do crítico
espanhol Ángel Crespo, publicado em 2014 por Edizioni Bietti. Em 40 anos de seu
percurso como professor universitário, é de se notar que De Cusatis dedicou os
últimos 25 anos a pesquisas e disseminação em publicações, cursos e
conferências da obra e do pensamento do poeta português. Adelto Gonçalves - Brasil
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Fernando
Pessoa: Politica e profezia. Appunti e frammenti 1910-1935, a cura di Brunello N. De Cusatis, nova edição
revista. Milão:
Edizioni Bietti. 378 páginas, 24 euros, 2018. Site: www.bietti.it
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Adelto Gonçalves
é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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