Muitas vezes pensamos na língua galega como um
instrumento que nos abre possibilidades noutros países de fala lusófona, mas
raras vezes reparamos em que, para muitas pessoas, o português também é um
instrumento para viver na Galiza. Paulo Alexandre é uma dessas pessoas. A sua
ferramenta de trabalho é a palavra. Conhecido por fazer monólogos na zona velha
de Compostela, também é ator de teatro e televisão. Encontro com ele no bar As
Dúas, onde vai atuar numa festa solidária com o seu amigo Paterne, um senegalês
multado por não ter “papeis”.
Como
chegas a Galiza?
Primeiro estive em Portugal, onde estudei e
trabalhei na construção. Ali conheci uma rapariga galega que me convidou a vir
para a Galiza trabalhar como um rei. Eh pá! Eu encantado. Mas quando cheguei
era para fazer de rei Baltasar.
Num tempo, a rapariga, que era minha
namorada, arranjoume um emprego numa granja de porcos. Mais tarde comecei a
dedicar-me ao mundo artístico e comecei a trabalhar de servidor, frente ao
público. Fiz um curso de teatro no Espazo Aberto de Sam Pedro e comecei a trabalhar
com a companhia Cámara Ditea. Mais tarde participei no programa land Rover da TvG
fazendo humor e fiz alguma curta-metragem e longa-metragem.
Recentemente terminei um documentário que fala
para o Brasil em termos linguísticos: há que reparar em que afinal, um galego,
um angolano e um brasileiro entendemo-nos perfeitamente. Há que dar a conhecer
a língua galega no mundo porque tem muito a ver com o português igual que o
português tem muito a ver com o galego.
É raro
ver presença lusófona na TVG
Eu fiz os meus sketches em galego, o público
era galego, e todo o mundo me entende perfeitamente.
A
situação é complicada para qualquer imigrante e o cenário da cultura também é
precário. É mais difícil dedicar-se a isto sendo imigrante?
É. Eu comecei a trabalhar na hotelaria,
Compostela é uma cidade universitária e portanto há muito bar. Mas o mundo
artístico nom é fácil para um imigrante. Tive sorte com determinadas coisinhas
que fui fazendo, vou enviando os meus currículos a produtoras, mas nom é fácil.
Como se
faz humor em Angola? Em Galiza temos a retranca.
Há determinadas expressões que nos custa
entender aos imigrantes. Atendendo à vossa cultura, por razões históricas, os
galegos são muito desconfiados e por isso tenhem a retranca. Existe essa
realidade cultural fruto dessa história, mas a nós toca-nos outra.
Muda
muito a maneira de fazer humor em Angola?
É um bocado diferente. vai um exemplo: Na
década de 80 e 90, a juventude angolana começou a emigrar para Portugal e a
maioria trabalhava na construção. Na hora de comer -que nós chamamos “almoço” e
aqui é o contrário, o nosso almoço é o “jantar”- havia umha separação: os
angolanos de uma banda e os portugueses da outra. Que é o que aconteceu? Um dos
portugueses, enquanto comiam a sopa, viu um angolano a comer a carne, mas
também o osso da carne. o português foi preguntar ao angolano: “Se tu aqui
estás a comer os ossos da carne, lá na Angola, que é o que comem os cães?”. o
angolano, após olhar os portugueses, respondeu: “lá na Angola os cães comem sopa”.
Além do
português, em Angola falam-se mais línguas?
No meu país há entre oito línguas nacionais.
Mas a língua oficializada é o português. Eu falando português estando na
Galiza, torna-me mais doada a comunicação. Fum criado em português.
No norte de angola falam kimbundu, no sul
falam umbundu, e em vários pontos de Angola falam-se outras línguas que tenho que
confessar que não sei porque emigrei logo para Portugal, depois para a França,
para o Brasil e, por último, para aqui.
Que
status crês que deveriam ter todas essas línguas?
Acho que, como acontece na Galiza, que dá a
conhecer a língua galega no mundo, no meu país as línguas nacionais deveriam
ser reconhecidas e também dar-se a conhecer, porque som línguas nacionais e
isso está bem conservá-lo. os portugueses levaram a igreja católica para Angola
e colonizaram-nos com a sua língua, mas as línguas verdadeiras de Angola som o kimbundu
e o umbundu, entre outras. o português é uma língua implantada. Em termos de comunicação
estamos contentes, podo viver na Galiza falando português e sou perfeitamente entendido.
Quando vou almoçar às casas dos meus amigos
na aldeia, as suas avós, após servirem a comida, sempre perguntam: “Paulo,
queres um pouco de molho?”. Nós em Angola falamos “molho”, na Galiza falam
“molho” as avós, mas as novas gerações empregam o castelhano “salsa”. isso não
é galego. Encanta-me ouvir as avós porque falam um galego mais parecido ao
português de Angola.
A gente gosta mais da tua forma de falar
quando fazes um monólogo?
A gente gosta mais quando falo português, que
tem mais a ver com o galego antigo. Estamos na Galiza e a gente está contente
de ouvir galego numa pessoa de fora como eu. Muita gente fica surpreendida de
que um imigrante fale galego! Raul Rios
– Galiza in “Novas da Galiza”
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