O porto de Santos (e outros portos) nas
artes
I
O
porto, local de encontros e adeuses, já serviu de tema para poemas, romances,
contos, filmes e pinturas. Serviu também para o jornalista Alessandro Atanes
escrever, entre 2005 e 2008, a sua dissertação de mestrado em História Social
pela Universidade de São Paulo (USP), “História e Literatura no Porto de
Santos: o romance de identidade portuária Navios
Iluminados”, ainda inédita, mas acessível no banco de dados da instituição
no Google (www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/.../tde-30092008-145514/).
A
partir desse trabalho acadêmico, o investigador passou a se especializar na
produção literária nascida a partir do porto santista que, a rigor, teria hoje
só 121 anos, pois foi a 2 de fevereiro de 1892 que aportou no cais do Valongo o
vapor inglês Nasmith, mas cuja
trajetória confunde-se com a História do Brasil, a se levar em conta que, no
começo do século XVI, já havia caravelas que aportavam na região da Ponta da
Praia, então chamada porto de São Vicente.
Como
não poderia deixar de acontecer, o pesquisador preferiu não se limitar ao chamado
“ciclo do romance santista”, nome dado pelo poeta Narciso de Andrade (1925-2007)
em crônica publicada no jornal A Tribuna,
de Santos, em 19 de novembro de 1993, a uma série de romances que tiveram o
porto santista como cenário, a partir de Navios
Iluminados, de Ranulpho Prata (1896-1942), publicado em 1937. Até porque o
tema é vasto e universal. Ao decidir dar passos mais largos em sua
investigação, Atanes escreveu onze trabalhos que acabam de ser reunidos em Esquinas do Mundo: ensaios sobre História e
Literatura a partir do porto de Santos (São Paulo, Dobra Editorial, 2013).
II
Não
foram poucos os poetas que se encantaram com a geografia da baía de Santos e
com os pequenos dramas ocorridos junto ao mar, como Vicente de Carvalho
(1866-1924), hoje injustamente esquecido, Ribeiro Couto (1898-1963), Oswald de
Andrade (1890-1954), Roldão Mendes Rosa (1924-1988), Narciso de Andrade e, mais
recentemente, Alberto Martins, Ademir Demarchi, Madô Martins, Lídia Maria de
Melo, Flávio Viegas Amoreira, Marcelo Ariel, Zellus Machado (1959-2012) e
outros. De todos, Atanes diz um pouco, sendo que a Ariel, autor também do
prefácio, dedica o ensaio “A tragédia da Vila Socó na poesia de Marcelo Ariel”,
que encerra o livro.
Mas
não foi só a poetas brasileiros – muitos deles santistas – que o porto surgiu
como inspiração. Também estrangeiros como o chileno Pablo Neruda (1904-1973),
Prêmio Nobel de Literatura de 1971, a norte-americana Elizabeth Bishop
(1911-1979) e o suíço Blaise Cendrars (1887-1961) escreveram poemas sobre o
porto que conheceram de passagem.
Também
romancistas seguiram na senda aberta por Ranulpho Prata, como Jorge Amado
(1912-2001), autor de Agonia da Noite
(1938), que faz parte da trilogia Subterrâneos
da Liberdade, Plínio Marcos (1935-1999), autor de Querô: uma reportagem maldita (1976), Juarez Bahia (1930-1998),
autor de Ensina-me a Ler (1989), e este
articulista, autor dos romances Os
Vira-latas da Madrugada (1981) e Barcelona
Brasileira (1999). Nesta lista também se costuma incluir Alberto Leal
(1908-1948), autor de Cais de Santos
(1939), embora este seja um livro de contos, injustamente esquecido e jamais
reeditado.
É
claro que a pesquisa não tem a intenção de se tornar definitiva, pois sempre há
a possibilidade de se encontrar referências ao porto de Santos aqui e ali na
literatura brasileira e até na universal. Trópico
Enamorado (1968), romance policial do boliviano Augusto Céspedes
(1904-1997), também traz referências ao porto de Santos como local em que se
movimentava um contrabandista de armas, ex-militar, obviamente interessado em
fomentar algum golpe de estado na Bolívia. Com certeza, este livro estará sob os
olhos de Atanes num dos próximos ensaios acerca do tema.
III
Pesquisador
atento, Atanes encontrou uma referência implícita ao porto de Santos no conto O Horla (1887), de Guy de Maupassant
(1850-1893), e aproveitou para escrever o ensaio “O horror vem pelo porto”. O
conto diz de um possível monstro – ou uma entidade sobrenatural – que teria
viajado num navio brasileiro que saíra do litoral da província de São Paulo
rumo ao rio Sena, já nas proximidades de Paris. O nome de Santos não é
mencionado, mas supõe-se que Maupassant tenha se deixado influenciar pelas
notícias freqüentes no século XIX sobre epidemias que grassavam na província de
São Paulo e, especialmente, na cidade de Santos, em época ainda anterior ao
trabalho de saneamento empreendido pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito
(1864-1929).
Se
ficasse por aqui o ensaísta já teria escrito um trabalho interessante, mas foi
bem além ao traçar paralelos com a produção do pintor argentino Benito
Quinquela Martín (1890-1977), que deixou muitas telas sobre o bairro de La Boca
de Buenos Aires, com cenas em que “é comum deparar-se com navios encostados,
carcaças de proas podres, incêndios, fornalhas e homens trabalhando”, ou seja,
estivadores, foguistas, bombeiros, mecânicos, pilotos, marinheiros, enfim,
gente do cais. Aliás, Boca foi o nome pelo qual o bairro portuário do Paquetá,
em Santos, era bastante conhecido nas décadas de 1950/1970, provavelmente
porque algum argentino viu muita semelhança entre a sua paisagem e aquela área
de Buenos Aires.
Em
outro ensaio, o investigador discorre sobre a presença dos bairros portuários
como cenário de filmes produzidos por Hollywood, especialmente os portos de Los
Angeles e Nova York. E observa: “(...) o porto é o espaço do desconhecido, da
aventura, para o qual são levados os personagens quando as cenas devem oferecer
perigo”. Um personagem famoso é o estivador vivido por Marlon Brando
(1924-2004) em Sindicato dos Ladrões
(1954), que nada tem de revolucionário, não passando de um pobre resignado
tanto aos criminosos como ao patrão. Com base em análise de Roland Barthes
(1915-1980), diz o ensaísta: “Assim, no filme, quem salva o proletário não é a
revolução, mas sim, veja só, o capitalismo”.
Em
outro ensaio, “São Petersburgo, o porto de onde saiu a literatura russa”,
Atanes traça a história dessa cidade nascida de uma ordem do czar Pedro I, em
1703, às margens do Golfo da Finlândia, voltada para a Europa. E lembra que a
linhagem de autores de São Petersburgo teve início com Alexander Puchkin
(1799-1837), autor de O Cavaleiro de
Bronze (Medny Vsadnik), de 1833.
Esse poema narrativo sobre o monumento ao fundador da cidade levantado em 1782 é
que dá início à literatura russa moderna, abrindo um ciclo em que se incluem
Fiódor Dostoievski (1821-1881), Nikolai Gogol (1809-1852) e, já no século XX, Vladimir
Nobokov (1899-1977), Anna Akhmátova (1899-1966) e Joseph Brodsky (1940-1996),
Prêmio Nobel de Literatura de 1987.
De
Brodsky, Atanes reproduz um extenso trecho do ensaio “Guia para uma cidade
renomeada” em que o poeta defende a tese segundo a qual o fato de São
Petersburgo ser uma cidade projetada em direção à Europa, uma “estrangeira” em
seu próprio país, fez dela um local propício para a formação de uma das mais
notáveis literaturas da história da humanidade.
Por
esse ensaio, que, de certo modo, constrói pontes entre o porto de Santos e o
porto russo, um exemplar deste livro deve em breve também a figurar em lugar de
destaque na estante dedicada à literatura brasileira que o professor Vadim
Kopyl, diretor do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica
Hertzen, em São Petersburgo, vem pacientemente organizando nos últimos anos com
a contribuição solidária de escritores, editoras e instituições do Brasil.
IV
Alessandro
Atanes (1973), nascido em Santos, é jornalista formado pela Universidade
Católica de Santos (Unisantos), com especialização em História e Historiografia
pela Universidade Bandeirante (Uniban) e mestrado em História Social pela USP.
É servidor público em Cubatão desde 1999. Também compositor, é autor das canções
e do texto-base do recital Rota
Literária: um passeio poético pelo Porto de Santos, encenado em uma escuna
no canal do estuário a partir de alguns poemas ligados ao porto santista.
Escreve
semanalmente desde 2005 a coluna Porto
Literário no portal www.portogente.com.br e é, juntamente com Márcia Costa,
Marcelo Ariel e Flávio Viegas Amoreira, um dos criadores do blog Revista Pausa
(http://revistapausa.blogspot.com). Professor universitário na área de
jornalismo do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), mantém a oficina Conheça Santos por meio da Literatura na
Estação da Cidadania, instalada numa antiga estação da ferrovia Sorocabana, na
Avenida Ana Costa.
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ESQUINAS
DO MUNDO: ensaios sobre História e Literatura a partir do porto de Santos,
de Alessandro Atanes. São Paulo: Dobra Editorial, 168 págs., 2013, R$ 30,00.
Site: www.dobraeditorial.com.br E-mail: contato@dobraeditorial.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na
área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro,
Academia Brasileira de Letras, 2012), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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