Adeus a Georges Moustaki
“Lembro-me de momentos felizes, no nosso
apartamento do Rio, na Equitativa, em Santa Teresa: os raios do sol que, das
janelas, batiam nas paredes brancas, numa atmosfera ao mesmo tempo fresca e
quente; eu desenhando em papéis, paredes, capas de LPs, quadro negro, cada
traço representando para mim uma primeira idéia de luto, pois sabia que estes
desenhos desapareceriam logo e para sempre.
Devia ser sábado, domingo ou feriado, já que,
somente nestes dias, eu tinha minha mãe e meu pai comigo em casa, cozinhando,
lendo, escrevendo, ocupando-se das plantas tropicais que colonizavam nossa
casa. Cada um no silêncio de um cômodo. Não os via, cada um de nós ficava no
seu próprio mundo, mas nos encontrávamos todas dentro de um espaço envolvido
pela música.
A música daqueles dias felizes era cantada
pela única voz que, ainda hoje, consegue-me fazer sorrir até mesmo nos momentos
mais tristes, ou a dar um sentido vital à melancolia. Um grego maldito, Georges
Moustaki, que cantava em francês Sacco et Vanzetti de Morricone, Le temps de
vivre, Le Métèque, Ma Solitude, Ma Liberté, entre as mais belas músicas que
existem.
Gênio daquela França sem fronteiras,
esquerdista, livre, gentil, doce, que era pátria de todos nós, judeus errantes
exilados, sem pátria por escolha ou por religião, sem partido, num país onde
podia-se não ter um, unidos a todos aqueles que, em Moustaki, ouviam uma das
mais belas gerações que a humanidade teve a honra de conhecer. Ele que, para a
criança que eu era, era parecido com Marx, com os cabelos aos quatro ventos.
Ele que cantava, sem a nomear, a revolução permanente.
Moustaki cantou Portugal, e neste país, eu o
apresentei aos meus amigos, este famoso desconhecido, cantando e dançando com
eles, na felicidade de um apartamento de paredes brancas com vista para o
Douro, as músicas brasileiras, risonhas de Moustaki: Danse, Donne du Rhum à Ton
Homme, La philosophie Batucada... "nous avons toute la vie pour nous
amuser, nous avons toute la mort pour nous reposer, là là là là là...".
Bem dito, Georges.
Ao escutar sua música, sempre pensei que era
assim que deveria ser cantado o amor, aquele que sentimos por dois pais que
estão ali, cada um no silêncio de um cômodo, ou pelas pessoas que compõem o
jardim de nossa vida. "Il y avait un jardin qu'on appelait la terre".
Adeus companheiro Georges. Um Dia Foste
Embora, tinha que ser. Obrigado. Nunca deixarei de te ouvir e de te cantar:
"Adolescência" e... "Dire qu'il faudra mourir un jour".” Gregorio Maestri – Brasil in “Diário da Liberdade”
O artigo é de Gregorio Carboni Maestri, não de Mário Maestri.
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