“São vários os fatores que importam a quem
olha um país como um potencial parceiro. Um investidor estrangeiro não valoriza
apenas o custo e a formação da mão-de-obra, as imposições fiscais sobre as
empresas e trabalhadores, a legislação e o modelo vigente nas relações
laborais, o peso da burocracia, os riscos de corrupção, o caráter mais ou menos
expedito do funcionamento do serviço da Justiça, os incentivos fiscais ou os
estímulos financeiros aos projetos que apresenta. Importa-lhe também o grau de
estabilidade política e a possibilidade da sua alteração no tempo, as tensões
sociais, as questões de segurança, a existência ou não de uma real equidade no
tratamento dos operadores económicos nacionais ou estrangeiros, etc. Mas, tanto
ou mais importante do que tudo isso, um empresário procura ter a certeza de que
aquilo que é subscrito pela administração do Estado que com ele lida não vai
ser, em nenhuma circunstância, unilateralmente posto em causa por uma
legislação posterior elaborada por esse mesmo Estado. Chama-se a isso segurança
jurídica e a colocação dos países no "ranking" internacional de
confiança tem esse elemento no seu centro.
O mais importante e sacrossanto princípio da
segurança jurídica, como aprende qualquer aluno de Direito, é a não retroatividade
das leis. Em termos simples, isto significa que, num Estado de direito, nenhuma
lei pode vir a alterar o quadro de relações jurídicas pré-estabelecidas.
Porquê? Porque se assim não for, nenhum cidadão sentirá confiança no momento em
que estabelece uma nova relação jurídica, porque existe o perigo de a ver
alterada por uma lei futura. E, quebrada a confiança, o investimento retrai,
porque ninguém quer correr riscos estúpidos, se acaso pressente que tem à sua
frente um parceiro que é capaz de mudar as regras a meio do jogo.
Mas, perguntará o leitor, como é que se
poderá ter essa certeza? Não pode, em absoluto. Porém, pode sempre olhar-se - e
a comunidade internacional fá-lo - para o comportamento dos Estados, no tocante
ao respeito face àquilo a que se comprometeram, na observância das leis em
vigor, e daí extrair as necessárias ilações para o futuro. Se um país coloca em
causa, na sua ordem jurídica interna, o princípio da não retroatividade das
leis, então a possibilidade desse desrespeito pelos princípios do Estado de
direito poder vir a ocorrer com parceiros estrangeiros não pode deixar de ser
seriamente considerada. Um investidor estrangeiro pensará duas vezes antes de
colocar dinheiro num país cujas autoridades, num ato de desrespeito pela
palavra dada, comprometeram seriamente a relação de confiança entre o Estado e
os seus cidadãos. E legitimamente poderá pensar que, se esse Estado o faz face
aos cidadãos que elegem os seus titulares, muito mais facilmente o poderá fazer
face a entidades oriundas do mundo exterior. É assim que, ao afastarem o Estado
da sua imagem de pessoa de bem, as autoridades podem comprometer decisivamente
a credibilidade do seu país à escala internacional. Para a perda dessa
credibilidade, basta um único ato político-jurídico. Para a voltar a recuperar
é preciso muito mais tempo. E, claro, outras pessoas.” Seixas da Costa – Portugal in “duas ou três coisas”
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