Rádio
ONU: Qual é a sua mensagem ao Conselho de Segurança sobre a situação em
Guiné-Bissau?
Ramos Horta: A minha mensagem é que há
esperança. Houve alguns passos pequenos, as coisas estão voltando ao lugar
desde a minha chegada. Estou trabalhando bem de perto com organizações
regionais como a Cedeao, a União Africana, a CPLP, a União Europeia e os
parceiros da ONU. Estamos desenhando uma visão e estratégia conjuntas sobre
como assistir a Guiné-Bissau neste rápido processo de transição para eleições,
que esperemos, ocorra em novembro. Tem que haver um governo mais inclusivo.
Isso pode ocorrer nos próximos dias, uma semana ou duas. Isso ajudaria a
estabelecer as bases para que a União Africana levantasse a suspensão da
Guiné-Bissau como membro do bloco. Na verdade, a União Africana fez a coisa
certa, assim como também foi o caso da União Europeia e da CPLP. Hoje, no
século 21, não se pode dar um golpe de Estado e esperar que o resto do mundo
não note, e que tudo continue do mesmo jeito. Não. Houve uma reação forte, e
previsível, da União Africana. E isso deve ser louvável. Isso seria impensável
30 anos atrás. Havia tantos golpes de Estado na África. Mas hoje, há menos
porque os africanos estão impondo padrões. Foi totalmente correto. Isso
encorajou os líderes políticos na Guiné-Bissau, que não se envolveram no golpe
militar; mas isso está levando a acelerar, a intensificar os esforços para o
diálogo e promover discussões em todos os níveis para uma visão comum. Então,
esperamos que haja um governo inclusivo, muito em breve, as eleições em
novembro. Nem tudo é negativo ou crime organizado na Guiné-Bissau. Fora disso,
existem as pessoas da Guiné-Bissau. É um país muito multiétnico, multirreligioso
e multicultural. Nunca houve violência étnica na Guiné-Bissau, você nunca viu
comunidades se matando, jovens saqueando prédios públicos e lojas,
assassinatos, roubos. Os guineenses são pessoas fabulosas. E isso sempre me
deixou maravilhado. Então, eu tenho esperança de que teremos uma Guiné-Bissau
diferente no próximo ano.
RO: Não
existem muitas situações políticas como essa, onde um Prêmio Nobel da Paz
dirige negociações para o fim do impasse político. Como é o que o Sr. imagina
esta solução, uma vez que estas negociações não são fáceis.
RH: Não. Definitivamente. Realmente não o
são. Os políticos da Guiné-Bissau, como em qualquer parte do mundo, gostam de
poder, de privilégios e uma vez que você tem o poder político, você acha
difícil ter que compartilhá-lo. As pessoas dizem uma coisa de manhã, outra à
tarde e outra à noite. É difícil. Você tem que ser muito paciente e saber ouvir
e não esperar nada garantido. Mas como o representante do Secretário-Geral, eu
jamais trabalho sozinho. Meu parceiro número 1, e que tem a liderança no
processo é a Cedeao. Os países da África Ocidental: Senegal, Cabo Verde,
Gâmbia, Guiné-Conacri, Gana, Nigéria… e o presidente da Cedeao são os líderes
legítimos da região. Eu trabalho com eles, e procuro a liderança deles. Mas
também existe a União Africana, a organização-mãe. Eu trabalho com eles também.
E aí vem a CPLP, que tem cinco países africanos. E tem a União Europeia que tem uma relação
única com a Guiné-Bissau e temos feito tudo para preservar esta relação. Eu
estou impressionado e até emocionado como os europeus querem ficar ao lado da
Guiné porque eles foram tão decepcionados, tantas vezes, nos últimos anos, que
teriam motivo suficiente para bater a porta, e dizer que não querem saber mais
da Guiné-Bissau. Mas os europeus têm sido bastante generosos e pacientes. Eu
sempre sou bem recebido quando vou a Bruxelas, e aqui em Nova York. Eu já me
reuni com todos os 27 embaixadores, com o comissário Durão Barroso, e fiquei
muito impressionado. Apesar dos problemas que a Europa está atravessando, eles
ainda têm tempo, interesse e recursos para a Guiné-Bissau.
RO:
Como está sendo tratado o problema do tráfico de drogas na Guiné-Bissau, uma
vez que este é uma parte muito importante com relação à situação da Guiné.
RH: Realmente é um problema sério. É tão
sério quanto a pesca ilegal na Guiné-Bissau ou o desmatamento ilegal das
florestas do país. Não deve ser, portanto, visto como o único problema que a
Guiné enfrenta. O tráfico de drogas que vem da América do Sul e usa a
Guiné-Bissau como trânsito para a Europa é um problema sério. Os americanos
(dos Estados Unidos) estão certos em intervir com força. Cada país com seus
recursos e vontade política tenta defender suas sociedades sobre este problema
insidioso das drogas. Quanto você vê centenas de milhares de americanos morrendo
por causa da droga, quando você vê os cartéis de drogas infiltrando
instituições e criando instabilidade, seja nos Estados Unidos ou na Europa,
você não pode culpar os americanos ou os europeus por agirem. Então, países em
questão como a Guiné-Bissau são os que têm que levar em consideração que ao
permitir ou serem indiferentes às gangues criminosas da Colômbia, da Bolívia,
do Peru usarem seu território como um ponto de transição, mais cedo ou mais
tarde, eles terão alguém - neste caso os americanos -, aterrissando no seu
território e entrando em ação. Neste caso, é melhor que as autoridades mesmas
da Guiné-Bissau tomem esta atitude. E que indivíduos na Guiné-Bissau, no
Exército ou política, que estejam envolvidos, cessem todas as atividades e cooperem
com as autoridades. Acabem com as drogas. Se eles estiveram envolvidos no
passado, terminem com tudo completamente. Eu estou avisando a vocês: mais cedo
ou mais tarde, os americanos vão capturar mais uma pessoa. Não os subestimem. Se
eles foram capazes de capturar a Al-Qaeda nas cavernas do Iêmen, no Afeganistão
e no Paquistão. Pegar alguém na Guiné-Bissau ou em qualquer lugar da África
Ocidental é piquenique para eles. Então, parem com o negócio das drogas que
está afetando as pessoas da África Ocidental antes que mais uma pessoa acabe
nas cadeias de Manhattan (por causa da droga).
RO:
Agora, vamos falar do seu país, o Timor-Leste. Quando o Sr. era presidente lá,
o Sr. desenvolveu um conceito importante de ajuda externa baseada na
solidariedade e não, necessariamente, na riqueza do país ou em quanto dinheiro
tem para gastar. Agora, Timor-Leste está levando uma agência de desenvolvimento
para a Guiné-Bissau com o valor de US$ 2 milhões. Como é que essa agência vai
funcionar na prática e a partir de quando?
RH: Bom, em primeiro lugar, a Agência de
Desenvolvimento já foi autorizada pelo Conselho de Ministros timorense. O
Parlamento também já alocou o dinheiro. Agora, estão sendo procurados dois ou
três funcionários timorenses para liderar a agência. O primeiro-ministro Xanana
Gusmão disse que não quer fazer como outras agências ricas de desenvolvimento
que gastam muito dinheiro com elas mesmas. Ele disse que a nossa só terá duas
ou três pessoas, que serão pagas por um orçamento diferente. Os custos
operacionais serão cobertos por um outro fundo. Ou seja: os US$ 2milhões de
ajuda serão gastos com a ajuda mesmo na Guiné. Eu creio que as coisas podem
começar já em junho, julho. O escritório já foi alugado em Bissau. Nós
trabalhamos rápido. Mas esta não é a primeira vez que nós fornecemos ajuda para
outros países. Nos últimos cinco anos, o Timor-Leste doou pelo menos US$ 10
milhões para países que tiveram desastres naturais severos. Nós fomos um dos
primeiros a doar US$ 500 mil para Cuba depois do ciclone, o mesmo se deu com
Mianmar, doamos para o Brasil por causa das enchentes. Prestamos ajuda a
Portugal devido às cheias em Madeira, até mesmo para a Austrália quando eles
tiveram grandes enchentes no estado de Queensland. Nós fazemos isso com
sinceridade. Sabemos que não é muito, mas o Timor-Leste já se beneficiou tanto
da ajuda internacional, e agora que temos um pouco de dinheiro do petróleo e do
gás, faremos aquilo que outros fizeram pela gente: ajudar. Nós continuamos
sendo pobres, mas os pobres também devem demonstrar, e às vezes têm mais
sensibilidade para ajudar que outros.
RO: Mas
este dinheiro, desta vez também ajudará a sociedade civil, a mídia. Como será
na prática?
RH: Bom, a decisão será feita pelo chefe da
agência, eles me deverão consultar como o representante especial do
Secretário-Geral da ONU. Mas, eu espero que nós possamos providenciar
assistência à mídia da Guiné-Bissau. Eu me encontrei com jornalistas lá, eles
têm dificuldades, os salários são miseráveis, as condições de trabalho também
são ruins. Eles têm que ser apoiados. Espero que os americanos e a União
Europeia também apoiem a mídia guineense. Eles merecem apoio político para se
sentirem protegidos, mas além disso, eles precisam de transporte, equipamento,
até dinheiro vivo para que possam comer, possam comprar roupa, porque os
salários deles são miseráveis. Quando você tem um político que ganha milhares
de dólares na Guiné-Bissau, como também no meu país, e aí você vê jornalistas,
que prestam um serviço público, e mal podem comer. Então será uma prioridade
para a agência de desenvolvimento do Timor-Leste ajudar a mídia guineense.
RO:
Última pergunta. Como é que os países de língua portuguesa podem ajudar ainda
mais a Guiné-Bissau, como por exemplo, Brasil?
RH: Bom. Os outros países de língua
portuguesa fizeram ainda mais que o Timor-Leste. Veja o apoio de Portugal, por
exemplo. Eles têm sido muito pacientes e generosos. Vamos analisar não só o
apoio bilateral de Portugal, mas nos últimos anos, e até mesmo agora, Portugal
suspendeu a ajuda direta ao governo, mas não os programas humanitários, que
continuam. Portugal é também a porta da Guiné-Bissau para a Europa. Se Portugal
decidir bloquear a ajuda para a Guiné na União Europeia, não haverá mais
dinheiro da União Europeia para a Guiné-Bissau. No caso de Angola, houve uma
situação de enorme generosidade e liderança, mas aí ocorreu o golpe e Angola
saiu da Guiné. Os guineenses não demonstraram muita sabedoria em fazer uso da
ajuda angolana. Se os políticos da Guiné-Bissau não querem usar a ajuda de
Angola, essa mesma poderia ter sido bem-vinda no Timor-Leste. Angola queria construir
uma rodovia, um novo porto, ajudar a modernizar o Exército, mas houve
complicações políticas, e eu ainda estou intrigado como tudo isso aconteceu
porque não foi uma decisão unilateral de Angola de ir à Guiné-Bissau. A mesma
ocorreu através de um acordo com a CPLP. Foi assinado um acordo com militares
da Guiné-Bissau. Não foi Angola que decidiu, de uma hora para, outra ir para a
Guiné. Mas foi uma decisão de chefes de Estado da CPLP baseados num acordo
escrito. E Angola é um país rico com uma experiência tremenda em modernizar as
Forças Armadas. E Angola não tem nenhum outro interesse. Eles sabem os
problemas imediatos deles que são internos e têm a ver com a estabilização da
República Democrática do Congo. Eles se deslocaram para a Guiné-Bissau por causa
da solidariedade como membro da CPLP. Se a Guiné-Bissau não quis usar esta
ajuda, é uma perda para a Guiné.
RO: E o
Brasil?
RH: Bom o Brasil tem sido mais que generoso.
Eu sempre digo que os africanos podem contar com o Brasil porque é o único país
da América Latina que tem uma profunda herança africana. Através de capítulos
trágicos da História. Daquele extremo ponto da Guiné-Bissau, em Cacheu, onde
centenas de milhares de africanos foram acorrentados, colocados em navios de
escravos e levados para o Brasil e ao resto da América. Então, esta ligação
profunda existe. Você encontra no Brasil uma enorme simpatia por qualquer coisa
da África. E a Guiné-Bissau, um dos menores e mais pobres países, pode inspirar
ainda mais os brasileiros. Os brasileiros são incrivelmente generosos. São
fáceis de lidar, informais, eu adoro os brasileiros. Eles sabem como gozar a
vida, mas eles também sabem o que é o sofrimento por causa dos próprios
desafios deles no passado. E hoje, o Brasil é um dos países mais ricos do planeta
e pode ajudar. E eles estão preparados para ajudar. Eu conversei com vários
líderes brasileiros. Então, os guineenses têm que ser inteligentes e irem
frequentemente a Brasília, mas com um bom governo e com um plano, assim será
fácil convencer os brasileiros sobre a ajuda.
RO:
Algo mais a acrescentar?
RH: Obrigada. E Deus abençoe vocês.
Rádio
ONU – EU América Entrevista de Mônica
Villela e Eleutério Guevane a José Ramos-Horta, representante especial do Secretário-Geral
das Nações Unidas para a Guiné Bissau in “Djemberém”
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