Baixou
o pano sobre a última Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP,
que, em São Tomé, serviu de mote para a passagem da presidência da organização,
de Angola para São Tomé e Príncipe.
Tudo
aparentemente normal, quiçá, como expectante. Porém, considerando os fenómenos
antecedentes à referida reunião, não é demais questionar a verdadeira
importância (se é que há alguma) da CPLP para as aspirações dos comuns cidadãos
dos países que compõem a Comunidade. Quiseram as regras da rotatividade que a
última Conferência de Chefes de Estado e de Governo ocorresse em São Tomé,
capital da República de São Tomé e Príncipe.
A
Conferência foi preparada num clima de indisfarçável desalento decorrente do
trágico incidente do dia 25 de Novembro de 2022, que custou a vida de cidadãos
civis, barbaramente espancados e mortos por militares, militares estes que
foram protegidos a todo o custo pelo Governo local e a seguir promovidos para
funções de relevo superior (nas palavras de Domingos Simões Pereira, Presidente
da Assembleia Nacional Popular da Guiné Bissau, não é novidade para ninguém que
esse incidente causou desconforto a todos – eu diria que não é mero
desconforto).
Nas
vésperas da Conferência o Ministro dos Negócios Estrangeiros santomense foi
obrigado a demitir-se do cargo, por ter sido inconveniente nas declarações a
propósito do esforço (ou falta dele) de alguns Estados da CPLP na promoção do
português na Guiné Equatorial (olvidou o Ministro que quem vive de mãos
estendidas está diminuído na sua dignidade e no direito de, livremente,
verbalizar o que pensa. Custou-lhe o cargo).
Ainda
mais próximo da data da reunião dos Chefes de Estado e de Governo, o executivo
local, através do altar do “venerando” conselho de ministros, decidiu ordenar,
pelo período de 15 dias, a proibição de quaisquer manifestações com carácter
reivindicativo ou protestatório (o Presidente da República local prontamente
apareceu a chancelar esta pérola do executivo, quiçá temendo raspanete
semelhante a que, diz-se a boca pequena, levou, quando publicamente afirmou que
não participara da cerimónia de entronização do Rei Carlos III porque o país
não havia recebido qualquer convite, sugerindo, assim, que a presença do seu
Primeiro Ministro naquela cerimónia só podia justificar-se numa categoria de
“pato”).
Este
o quadro reinante no país que acolheu a Cimeira da CPLP, de cara “lavada”
(diz-se, com dinheiro de Angola!). Ora, dizem os Estatutos da CPLP que, entre
outros princípios, a Comunidade rege-se pelo princípio do Primado da Paz, da
Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social (al.
e) do n.º 1 do art. 5.º).
Deixo
para os especialistas (que hoje são aos montes) a dissertação sobre se o quadro
atrás destacado está no alinhamento com, pelo menos, esse princípio dos
Estatutos da CPLP. O que acho que qualquer normal cidadão da Comunidade
esperava era alguma manifestação, ainda que abstrata, em relação à situação
reinante no país anfitrião. Dito de outra forma, face à ostensiva violação do
elementar direito à manifestação (fora de um cenário de estado de sítio), do
direito à vida (execuções perpetradas por militares das Foras Armadas), do
direito a um processo justo, etc., não seria de esperar que a Conferência de
Chefes de Estado e de Governo da CPLP transmitisse algum sinal que acalentasse
os anseios que tantos santomenses, e não só (veja-se os pronunciamentos da Dra.
Ana Gomes, Portugal, e Dr. Domingos Simões Pereira, Guiné Bissau, apenas para
citar alguns) têm vindo a suscitar?
A
questão mais preocupante é a de saber quem, com responsabilidades na CPLP,
poderia liderar uma tal manifestação em relação àquilo que se passa em São Tomé
e Príncipe, e que não se pode tomar por perfeitamente normal. Dos países,
declaradamente mais influentes (nestas coisas o dinheiro conta primeiro),
Angola e Moçambique, certamente por razões internas (só pode exigir aos outros
quem é inquestionável nos exemplos), não assumiriam tal desiderato. A Guiné Equatorial,
apesar do petróleo, em relação à CPLP continua a ser um mero pendulo à busca do
melhor lugar para se agarrar (realce-se a ovação da Conferência por,
finalmente, aquele país abolir a pena de morte!).
O
Brasil, apesar do esforço do Presidente Lula da Silva (que vai enviando farpas
por onde passa – não se pode esquecer o seu posicionamento em relação ao
conflito Rússia-Ucrânia, ou do episódio em que, em Luanda, sugeriu que os
jornalistas angolanos são domesticados pelo “chefe”!), não parece estar, por
ora, tão por dentro dos assuntos domésticos santomenses como os outros
Estados-membros.
Restaria
Portugal, no seu papel paternal (que vai usando com mais ou menos acutilância
em razão do que realmente interessa em cada momento). Porém, em relação ao primeiro-ministro
português, António Costa tem assuntos internos mais sérios, pelo que não arriscaria
mais uma exposição. No que se refere ao Presidente Marcelo, de um político de
enorme empatia, transformou-se num fofinho, essencialmente neste seu último
mandato, pelo que já muito pouca gente o leva a sério (perguntem a António
Costa).
De
forma que as questões antecedentes à Cimeira, relacionadas com o país
anfitrião, passaram completamente ao lado de tudo e de todos. Dos 64 pontos da
Declaração de São Tomé – 14.ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da
CPLP (novas e meras declarações de intenção), não há uma só que, ainda que de
forma tímida, sugira que algo de anormal se passa naquelas Ilhas do Equador.
Neste
particular a Conferência serviu também, quiçá, para branquear a situação, dando
ao executivo local maior margem para cometer ou negligenciar o cometimento de
atrocidades contra aqueles que se manifestem (por qualquer forma) contra os
actos governativos. Dir-me-ão: em encontros bilaterais foram abordados outros
temas, e, quiçá, a situação das Ilhas.
Mas,
convenhamos, isto, ainda que tenha acontecido, é muito poucochinho, pois as
pessoas da Comunidade têm o direito de saber o que pensam os Chefes de Estado e
de Governo da CPLP sobre as questões concretas dos países membros, como são as
acima enunciadas.
A
Conferência, envolta nesta aparente normalidade, transformou-se numa simples
feira das vaidades, sem qualquer resultado palpável, pelo menos para os
cidadãos, alegados destinatários da Comunidade. Terminou como começou, com
declarações inócuas, por desprovidas de significado prático, beijinhos e
abraços, até à feira seguinte. Mais uma demonstração de que a CPLP continua no
seu caminho errático, sendo uma simples organização internacional, de políticos
para políticos, com escassa ou nenhuma real preocupação com as pessoas (de
carne e osso) que compõem a referida Comunidade.
É
exactamente por isso que os cidadãos continuam a não se reverem na CPLP, tendo
cada vez menos razão para nela se reverem. A qualquer cidadão é legítimo
questionar: para que serve a CPLP? Victor
Ceita – São Tomé e Príncipe in “Téla Nón”
Observação:
qualquer verdade que possa emergir desta crónica é “mera” e “pura”
coincidência.
Sem comentários:
Enviar um comentário