Tem
vindo a causar alguma inquietação, com muitas interpelações ainda por se fazer,
esta procura, esta vontade, este desejo explicitamente manifestado por muitos
jovens de saírem de Cabo Verde, com rumo a Portugal. E estratagemas para o
fazer têm sido vários conforme informação constante de vários órgãos da
comunicação social.
Podia
parecer um movimento normal, dado que nos habituamos ao longo dos anos a alguma
movimentação da população cabo-verdiana que se dizia ser idiossincrática. Só
que respeitava a polémica e politizada expressão “querer ficar e ter de
partir”. Expressão esta que alimentava uma das grandes vertentes da luta
pela independência das ilhas, nos anos 60 e princípios de 70 do século XX, que
era a de pôr fim à emigração uma vez independentes, ao desaparecer deste modo
as suas razões – fuga à pobreza e procura de bem-estar e vida digna – que,
supostamente, se resolveriam com a independência do Arquipélago.
Ironia
do destino! nunca o cabo-verdiano emigrou tanto, como após a independência! Uma
inversão total nos suportes dessa independência – agora é querer partir e
ter de ficar!
Os
destinos então procurados, pelos nossos ilhéus, – Estados Unidos e Europa –
fecharam-se há muito à emigração cabo-verdiana.
E
a acompanhar a ironia surge o paradoxo: É precisamente o país que
“voluntariamente” declinámos no passado que hoje mais desejamos e é
praticamente o único cujas portas ainda se nos abrem e de forma
condicionadamente escancarada – Portugal.
Mas
voltando um pouco atrás e fazendo uma pequena retrospectiva à década de
sessenta do século passado, data da partida dos homens oriundos do interior da
ilha de Santiago, que constituíram a principal mão-de-obra para a construção
não só da rede do Metro de Lisboa como da expansão urbanística da chamada
Grande Lisboa, destacando-se os empreendimentos “J. Pimenta, Lda”.
Aí
tivemos a grande leva, – quiçá a primeira – de migrantes cabo-verdianos que
assentou raízes em Portugal. Mais tarde, em 1974, com a ocorrência da Revolução
de Abril, uma outra leva, esta «diasporizada» – era mesmo uma diáspora
no sentido literal do termo – por motivos políticos, chega a Portugal
integrando aquilo a que então se generalizou chamar “Retornados”.
Ora
bem, abreviando, de 40 mil pessoas que constituía a comunidade cabo-verdiana
imigrada em Portugal, rapidamente se passou para 80 mil na década de oitenta do
século anterior, – sem ter em conta as dezenas de milhares que terão adquirido
a nacionalidade portuguesa, – chegando a ser, naquela década, a maior
comunidade dos PALOP, imigrada em Portugal. Refira-se que alguns estudiosos das
migrações defendem que, de uma maneira geral, a imigração tem como destino
final a aquisição da nacionalidade do país de acolhimento numa óptica de
integração plena, globalizando os direitos dos nacionais.
As
migrações hoje, na era da globalização, são de vária índole, de motivações
várias e de escalões sociais diversos. Mas aqui, referimo-nos às de natureza
laboral feitas por gente profissionalmente pouco qualificada.
Pois
bem, como atrás verificamos, tudo isso tem vindo a acontecer com particular
frenesim após a independência do nosso país, não obstante as medidas
impeditivas que inicialmente se tomaram com evidente incidência no fluxo
migratório de saída.
Isto
porque nos primórdios da independência havia da parte do regime então instalado
uma antipatia aos conterrâneos que viviam no estrangeiro; eram desprovidos do
exercício dos seus direitos de cidadania enquanto residentes no estrangeiro;
impedidos de ter uma segunda nacionalidade, designadamente a do país de
acolhimento; apreciados apenas pela sua ajuda aos familiares constituindo
aquilo que se designa de “remessa de emigrantes”; e apelidados pejorativamente
de “estrangeirados”. O fluxo migratório
de saída, de então, era absolutamente controlado administrativamente pela
chamada “autorização de saída” um documento obrigatório para se viajar passado
pela polícia, – hoje só praticada na Coreia do Norte – o que manifestamente
significa ausência de liberdade definindo deste modo a natureza antidemocrática
e repressiva do regime.
O
espectáculo triste e deprimente que temos assistido junto dos consulados de
Portugal no Mindelo e na Praia é
afrontoso e devia encher de vergonha, todas as instâncias do poder, nelas
incluídos não só os nossos governantes, mas também, toda a classe política
responsável dos últimos cinquenta anos. Neste quadro não podemos culpar aqueles
que o fazem à procura de uma saída para uma vida melhor, para o seu bem-estar,
mas sim aqueles que não criaram condições para que eles, no seu país, pudessem
viver com algum conforto mínimo e dignidade. É simplesmente triste e desolador
o que se passa junto dos consulados de Portugal de Mindelo e Praia. Acaba por
ser algo deprimente e constrangedor para o País!
O
fluxo migratório de entrada é normalmente considerado, uma questão de soberania
dos Estados e é regido pelas leis internas baseadas, logicamente, nos
interesses directos ou indirectos desses Estados e cobertos – nos países
democráticos – pelos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O
direito internacional pouco ou nada tem a ver com isto. Daí que acusar Portugal
ou os seus serviços consulares pelo espectáculo deprimente que se assiste em
Cabo Verde junto dos seus consulados não faz qualquer sentido. Ou é má-fé ou
não é querer aceitar que somos independentes há quase cinquenta anos... e
Portugal como País soberano tem o direito de controlar as suas fronteiras e de
seleccionar a entrada dos migrantes legislando e procedendo de acordo com os
seus interesses de soberania.
Como
travar e explicar esta avalanche de jovens que tentam sair do país a todo o
custo?
Sobre
este assunto, ouvimos de um alto responsável do País de que a emigração é boa e
importante porque corresponderá a uma maior remessa de divisas.
Este
comentário público, porque o achámos demasiado simplista, não cremos que tenha
resultado de uma análise séria do problema, a montante, em pleno século XXI;
mas mais, perguntamos: será que tal pensamento sintetiza tudo o que um
governante pensa quanto à fuga, ao desperdício da força jovem produtiva para o
desenvolvimento do País?
E
jamais acreditaríamos que tais palavras comportassem qualquer espécie de
regozijo e de alívio pela outorga dessa força produtiva a um outro país. Com
quem contará o País, para o seu desenvolvimento?
Perante
tal crise, pois de uma crise se configura, ao que parece os responsáveis
nacionais ainda não se perguntaram o porquê deste afã, esta ânsia generalizada
de deixar a terra? Não vamos apresentar a estatística do desemprego, da pobreza
nem da pobreza extrema.
Quase
50 anos se passaram desde a nossa independência. E elencando os principais
problemas à partida, muito poucos se resolveram fora da evolução que o decorrer
natural do tempo não solucionaria.
Na
verdade ao se nos deparar a possibilidade de autodeterminação e independência –
duas fases que nos permitiria reflectir sobre uma eventual transição, se
necessária; ao invés, quisemos fazer – e fizemos! – jus à célebre frase que se
atribui a Ahmed Sékou Touré: “Nous
préférons la liberté dans la pauvreté à
la richesse dans l’esclavage!” e não demos tempo a uma ponderação sobre os
nossos interesses vitais como muito preconizavam alguns que bem conheciam o
Arquipélago, e abraçámos uma “independência na pobreza”; e, tal como Sekou
Touré, também sem a apregoada liberdade, liberdade esta que levámos 15 longos
anos para a conquistar.
Daí
que talvez a posição de Aristides Pereira tenha mesmo cabimento quando disse: “depois
de ter pensado muito a sério, e muito a frio, sobre todos estes anos”[i]
que (transcrevemos) “Hoje em dia, é minha firme convicção que a aspiração do
povo de Cabo Verde não era a independência, mas a autonomia”[ii]. (fim da
transcrição) Mas talvez quisesse dizer que [a independência] devia ter sido
negociada em vez de se aceitar a encenação[iii].
Mas
ao que parece também [a posição de A. Pereira] se respaldava no pensamento do
seu camarada, amigo e mentor Amílcar Cabral que a seguir transcrevemos:
«Se
porventura em Portugal houvesse um regime (…) disposto a construir não só o
futuro de Portugal, mas também o nosso, mas em pé de absoluta igualdade, quer
dizer que o Presidente da República pudesse ser tanto de Cabo Verde (…) como de
Portugal, etc., que todas as funções (…) fossem igualmente possíveis para toda
a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de (…) fazer a luta pela
independência, porque já seríamos independentes num quadro humano muito mais
largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista de história»[iv]. (fim de transcrição)
e,
igualmente, se inspirava nas conhecidas conversas e insistência de Mário Soares
quanto à independência de Cabo Verde.
Acontece
que entre as ilhas Atlântidas[v] ou Macaronésia, na qual nos inserimos, somos
aqueles que têm o pior nível de vida. E somos também aqueles que durante estes
últimos 50 anos menos se desenvolveram.
É
com elas que nos comparamos – Açores, Madeira e Canárias – as da Macaronésia. É
o espaço geográfico a que pertencemos e no dizer de Francisco Tenreiro [aquele
em que os arquipélagos citados] apresentam “estreitas afinidades
bio-geográficas”. Eles, como nós, elegem democraticamente o seu presidente, a
sua assembleia (deputados), constituem os seus governos e têm os seus tribunais
– administram integralmente os seus respectivos territórios. E não perderam a
sua identidade! Só não têm Forças Armadas e Negócios Estrangeiros, e não têm
também a mão estendida para fazer os seus orçamentos ou financiar os seus
investimentos – reivindicam, não pedem! Não precisam – e não têm necessidade
económica de o fazer – de visto para entrar na Europa nem nos Estados Unidos.
Não
nos parece oportuno nem pertinente entrar por aí, porque teríamos talvez que
falar e de nisso incluir, a ganância de poder – o poder pelo poder – como
motivação principal dos jovens candidatos a governantes da luta pela
independência o que iria encurtar a sua já curta visão cultural, económica e
política do arquipélago; e também porque nos parece que aqui sim, adequa-se o
adágio “não vale a pena chorar sobre o leite derramado”.
E
voltando à nossa emigração, perguntamos o que pensam todos os nossos
responsáveis políticos fazer – Presidente da República, Governo, Assembleia e
as demais organizações políticas – para travar esta compulsão da nossa
juventude em deixar o país?
É
sabido que em democracia o controlo de saída só pode ser regulado através de
medidas de política. O tempo de «autorização de saída» – via administrativa
repressiva – passou porque só lá podia estar, na ditadura e repressão da 1ª
república.
Só
políticas sérias e realistas de desenvolvimento, – sem retóricas
propagandísticas e de conservação de poder, nem debates estéreis e
inconsequentes, – o que implica aproveitar com inteligência e pragmatismo todos
os potenciais recursos – sobretudo os humanos – existentes, poderão salvar este
surto, sustar o movimento ou mesmo – quem sabe? – reverter-lhe o sentido. O
exemplo de Coreia do Sul e Taiwan costuma ser apresentado como paradigmático.
Consistiu numa política de retorno da sua emigração pensante, da sua gente
qualificada, dando-lhes e criando-lhes condições para desenvolverem e aplicarem
nos seus países de origem todas as suas potencialidades e conhecimentos que
adquiriram na emigração.
Impõe-se,
pois, uma orientação estratégica para a questão migratória – normalmente
associada a uma agenda demográfica – centrada na educação, formação, trabalho,
fixação dos jovens, economia e, obviamente, desenvolvimento.
Mas
o que na realidade também muito nos preocupa nesta saída em massa de jovens sem
qualquer preparação, com uma escolaridade precária e sem estarem, na sua grande
maioria, aptos a expressarem-se na nossa Língua segunda, a Língua portuguesa, é
a sua impreparação para enfrentar e concorrer em Portugal a empregos com gente
oriunda do Brasil, de Angola, que fala português e, consequentemente, com as
desvantagens de resultados bem conhecidos.
Os
eventuais insucessos, fracassos, frustrações e desencantos com origem nesta
desvantagem linguística ou outra, podem ter um forte e grave efeito boomerang e
trazer para o País outros problemas bem mais graves do que os de partida.
A
sociedade cabo-verdiana, os seus responsáveis, terão de prestar mais atenção a
este fenómeno.
Falamos
de Cabo Verde, mas parece que o fenómeno se estende a outros PALOP e,
incompreensivelmente, ao Brasil. E de tal forma neste último país que o seu
presidente já veio dizer que qualquer dia haverá mais brasileiros em Portugal
do que portugueses.
O
problema é complexo, sabemos, e assente em causas, motivações,
particularidades, circunstâncias e especificidades de cada país, não obstante
permanecerem certos parâmetros, que, parece, serem comuns a todos: Falta de
visão estratégica da classe política e ineficiência dos governos.
A
emigração laboral não pode ser um desígnio!... É sempre um alerta! Ondina
Ferreira e Armindo Ferreira – Cabo Verde in “coral-vermelho.blogspot.com”
[i]
In “Expresso” de 20 de Novembro de 1993 pág. 45-R
[ii]
Idem
[iii]
Vide “Quase Memórias – Da Descolonização de Cada Território em Particular -
2º Volume” – António Almeida Santos –
Casa das Letras – 2007
[iv]
CABRAL, Amílcar – Guiné-Bissau: Nação Africana Forjada na Luta. Lisboa:
Publicações Nova Aurora, 1974, p. 117.
[v]
Ilhas Atlântidas − arquipélagos [Açores, Madeira, Selvagens e Canárias] que no
Atlântico, e em frente ao «Velho Mundo» se estendem entre 15 e 400 de latitude
norte – Francisco Tenreiro in Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe: esquema de uma
evolução conjunta. – Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação Nº 76 -
Ano VII - Janeiro de 1956
_____________________________
Comentários:
Adriano Miranda Lima disse:
Só
quem queira tapar o sol com a peneira deixará de subscrever integralmente este
texto de reflexão sobre a nossa realidade política e social. Os seus autores
retratam-na rigorosamente como ela é, focando e analisando aquilo que é uma
perfeita evidência da pouca esperança que a população mais jovem deposita no
futuro da sua/nossa terra.
Os
autores recusam, melhor dizendo, denunciam, os disfarces ou mistificações em
que outrora incorreram os que forçaram a independência das nossas ilhas e se
assenhorearam exclusivamente do poder de decisão sobre o seu destino, na
presunção de detentores de uma legitimidade inquestionável e outorgada pela
vontade popular. Por um misto de entusiasmo revolucionário, de inexperiência e
falta de ciência e de recusa em ver o óbvio não tiveram plena consciência da
gravidade do compromisso que então assumiram. Não se aperceberam de que
forçaram o povo das ilhas a embarcar numa carroça cujas rodas iriam futuramente
e fatalmente revelar-se quadradas. Se nos tempos que imediatamente se seguiram
ela andou empurrada pela comunidade internacional e também mercê de um evolucionismo
natural, era inevitável que chegaria o tempo em que a verdade se apresentaria
em toda a sua crueza: as nossas ilhas são pobres, são desprovidas de recursos
naturais e o contexto geográfico não as privilegia. A sua posição
geoestratégica deixou de ter a mesma importância de outrora, e mesmo ela
dificilmente poderia constituir factor determinante para uma decisão crítica,
como de facto não aconteceu. Esta é a realidade, mas apesar de tudo tem de se
reconhecer aos que tomaram o poder um certo espírito de missão e coragem em
enfrentar as adversidades.
Nunca
esquecerei estas palavras de um meu superior hierárquico (português da
metrópole), em finais de Abril de 1974, que em idade mais jovem prestou serviço
em S. Vicente, conhecendo bem a nossa realidade social: “Lima, Cabo Verde tem
mesmo necessidade se se tornar independente agora que vamos ter um Portugal
livre e democrático?” Isto foi-me perguntado depois de ouvirmos uma declaração
de Pedro Pires acerca da independência da Guiné… e necessariamente de Cabo
Verde. Respondi-lhe que ignorava de todo o que iria ou poderia acontecer, mas
que duvidava que os meus conterrâneos tivessem qualquer interesse ou vantagem
na independência. Ademais, não me parecia crível que Portugal pudesse
prescindir das suas próprias e inequívocas responsabilidades relativamente a
ilhas que descobriu e povoou, e bem ou mal administrou ao longo de 5 séculos,
tempo longo demais para ser ignorado e rompido em breves momentos de exaltação
emocional.
Derivando
agora para a questão da língua que os prezados autores consideram ser uma
desvantagem para os nossos jovens que anseiam competir no mercado de trabalho
em Portugal. De facto, é uma desvantagem iniludível, mais do que poderá
parecer. E vou mais longe. É sermos falantes de um crioulo próprio que em parte
nos cria a ilusão de uma identidade distinta que por sua vez alimenta um
exagerado sentimento de auto-estima. Não terá esta circunstância pesado
sobremaneira na presunção de que uma singularidade cultural bastava para
justificar e impor a independência política, independentemente de esta ser ou
não economicamente sustentável? Mas, ao mesmo tempo, cabe perguntar se essa
singularidade cultural não é produto de um excesso de auréola, a ponto de os
promotores da independência terem enveredado por uma política em matéria
linguística com os resultados desastrosos que hoje estão bem à vista e tanto
limitam as possibilidades da nossa gente quer no ensino quer no mercado de
trabalho.
E
é assim que ironicamente caímos no estranho paradoxo de termos
irresponsavelmente enjeitado o antigo país administrante das ilhas – sem dúvida
facilitando-lhe a vida na medida em que se livrou dos encargos e
responsabilidades a que a história e o direito o obrigavam – e agora darmos um
cavaquinho para que ele abra as portas e ofereça trabalho aos jovens que nas
nossas ilhas vêem o futuro trancado.
Insisto
em ver no crioulo (que eu ainda consigo falar com a maior desenvoltura, porque
jamais se esquece da língua aprendida no berço) um enorme e verdadeiro estorvo
para a nossa gente. E até mesmo no mercado da música em Portugal. Ligo o rádio
do meu automóvel e ouço música angolana com grande frequência, e só muito
raramente a nossa música. Actualmente, dois jovens oriundos de S. Tomé,
pertencentes ao grupo “Calema” estão a ter um grande sucesso em Portugal. Na
última festa dos Tabuleiros em Tomar foram um dos grupos convidados para animar
o público num espaço público. Foram muito aplaudidos porque na verdade são
talentosos. Ora, os nossos cantores não são menos talentosos. Só que os
angolanos, são-tomenses e outros cantam em português e o conteúdo das letras é
percebido por todos, portugueses, brasileiros, angolanos e os outros falantes
da mesma língua. Ao passo que as nossas intervenções vocalistas têm o handicap
de só serem percebidos por cabo-verdianos. Aliás, é esta limitação natural que
inibe ou não encoraja os escritores cabo-verdianos a publicar obras em crioulo.
Se nas nossas ilhas ainda assim poderiam encontrar algum ocasional ou raro
comprador, o mesmo não se dirá no vasto mercado dos PALOP.
Bem,
gostaria de partilhar o optimismo – é bom que o não deixemos morrer – dos dois
prezados e amigos autores. Bom seria que conseguíssemos replicar o exemplo
paradigmático da Coreia do Sul e de Taiwan. Mas creio que são distintos os
contextos históricos e os marcos temporais que permitiram o desenvolvimento
explosivo desses países e o que determina a actualidade da nossa terra. No
início da década de 1950 fizeram escolhas decisivas nos planos sociais e
económicos que encorajaram os EUA a prestar-lhes importantes apoios
financeiros. Por outro lado, é possível que a localização geográfica e a
questão cultural e a da idiossincrasia, muito diferentes, não permitam reeditar
experiências semelhantes com o mesmo sucesso. Dificilmente estou a ver a nossa
gente “diasporizada” a regressar à origem para pôr o seu saber e a sua ciência
ao serviço da terra natal, tantos anos se passaram e tão adaptados estão a
realidades sociais diferentes. Também não estou a ver os governantes e
políticos cabo-verdianos a abrir mão de oportunidades que julgam irrepartíveis.
Tive conhecimento de 3 casos de pessoas que ofereceram ajuda e nem resposta
tiveram, o que acho simplesmente deplorável. Assim, é possível que haja
requisitos de mentalidade que também não nos favorecem. No entanto, para não
ser excessivamente pessimista, julgo que é de enaltecer o facto de Cabo Verde
ser o único país das antigas colónias em que a democracia formal funciona sem
peias e os direitos humanos são respeitados, embora não seja confortável
conceber uma plenitude de direitos humanos sem a satisfação de necessidades
básicas para a maioria das populações.
Para
finalizar, porque já fui longe demais, intriga-me que os responsáveis por esta
nossa precária independência pouco ou nada dêem a cara, refugiando-se num
silêncio que talvez só se explique por um certo constrangimento moral. É que
praticamente foram os únicos que em termos pessoais verdadeiramente
beneficiaram com a independência. Pelo que acompanho desde há anos na imprensa,
não se vê um artigo de opinião ou intervenção pública em que partilhem das
preocupações gerais ou sugiram soluções para desbloquear esta “carroça de rodas
quadradas” em que meteram o nosso povo. Ainda não há muito tempo, alguns
conterrâneos, residentes e na diáspora, muito opinaram acerca de uma reforma
administrativa e política que conduzisse a um modelo de regionalização ou descentralização
do poder favorecendo o relançamento da economia e o desenvolvimento mais
harmónico das ilhas. Não me recordo de uma única intervenção dos “heróis da
pátria” que ainda sobrevivem.
É
lastimável que sejamos o único arquipélago da Macaronésia obrigado a arcar com
todos os encargos da sua sobrevivência económica, para isso tendo de estender a
mão ao mundo, quando poderia simplesmente ser parte de um todo mais extenso e
receber o que é de direito.
Mas
dar a volta a esta situação poderá estar na mão das gerações mais novas ou
futuras.
Um
abraço amigo aos autores Ondina e Armindo Ferreira.
Desconhecido disse:
Este
artigo devia ser publicado num jornal de grande tiragem para poder ter a
difusão que a sua importância justifica. A maioria dos caboverdeanos talvez
tenha a mesma opinião de concordância que eu e outros têm mas estou convencida
que haverá muitos hipócritas a fazer de conta que está tudo bem.
São
aqueles que têm as suas vidas bem orientadas nos grandes tachos do estado ou
nos negócios e não se importam se chove ou não, se há trabalho ou não para a
população juvenil ou se há ou não pão para todas as bocas. Ia dizer cachupa mas
ela hoje é muito cara. E estou a pensar principalmente naqueles que foram os
responsáveis originários para a situação de bloqueio em que estamos e que vivem
com chorudas reformas. Dói olhar para a realidade e não se pode assobiar para o
lado.
Adriano Miranda Lima disse:
É
irresistível não continuar a comentar.
No
jornal Público (Portugal) de hoje li que “um estudo recente sobre os países do
Norte de África e do Médio Oriente, citado pelo Financial Times, mostra que
cerca de metade das pessoas entre os 18 e os 24 anos pretende procurar trabalho
no exterior”. Depreende-se que os países africanos do Sahel só não são citados
porque se pretendeu restringir o estudo aos países geograficamente mais
próximos da Europa. Mas ninguém ignora que eles estão e sempre estarão na
primeira linha para integrar maciçamente as ondas migratórias, fazendo-o com
custos e riscos acrescidos e em condições bem mais penosas porque os seus
migrantes têm de chegar ao Norte de África antes de tentarem demandar a Europa
atravessando o Mediterrâneo.
Não
foi objecto do artigo “A emigração laboral não pode ser um desígnio… é um
alerta” abordar as causas do desequilíbrio planetário que impede os povos de
viverem nos seus países com um mínimo de condições, tais como: o
sub-desenvolvimento, as alterações climáticas, a incontrolável corrupção e a
instabilidade política. Ainda hoje foi noticiado um golpe militar no Gabão que
depôs o presidente recentemente reeleito e dissolveu todas as instituições.
Independentemente das razões invocadas pelos golpistas, o facto é que a África
sub-saariana parece destinada a não conseguir libertar-se dos círculos viciosos
de violência e instabilidade. Muitas vezes se responsabiliza a Europa e o mundo
desenvolvido por não investirem em África de forma mais decisiva, mais extensiva
e mais controlada, pressupondo-o como a medida mais acertada para fixar as
populações nas suas terras, travar as ondas migratórias e possivelmente
prevenir uma desestabilização que poderá ter dimensão e riscos imprevisíveis e
incomportáveis. Um amigo bloguista, economista reformado, publicou há tempos um
texto em que demonstrava que o deserto do Saará poderá tornar-se o celeiro do
mundo e resolver os problemas de África. Apontou soluções técnicas, como a
irrigação maciça através de água dessalinizada e transporte de terra arável a
uma escala gigantesca, tudo financiado pela UE e outras potências. Acredita que
a progressão do desenvolvimento agrícola iria inclusivamente alterar com o
tempo as condições climáticas em toda a região. Seria uma reversão ambiental
sem precedentes. Esse amigo português é um sonhador, um ser bom e um coração de
ouro, e ao mesmo tempo um homem de ciência com uma visão pragmática do mundo.
Mesmo que cientificamente viável, essa solução iria certamente levar muitas
décadas a dar frutos, e isto desde que não fosse obstaculizada pelos problemas
graves e endémicos de África, como a corrupção e a instabilidade política.
Posto
isto, volto ao nosso caso concreto, o dos nossos jovens que “querem partir e
têm que ficar”. No comentário anterior, ficou claro que em 1974 estivemos numa
encruzilhada crítica e escolheu-se o caminho: um grupo supostamente iluminado
ou presciente o fez em nome do povo. Honra-nos a circunstância de não sermos
parcela dessa África politicamente atrasada ou imatura, mas infelizmente
confrange reconhecer que para os nossos jovens os horizontes se apresentam
quase tão limitados como o de outros países que até terão melhores condições
económicas, como os magrebinos. E, no entanto, outra tivesse sido a escolha
estaríamos naturalmente integrados no espaço político e económico que é
avidamente procurado pelos migrantes de regiões desfavorecidas. Os nossos jovens
poderiam demandar a Madeira, as Canárias, os Açores e, principalmente,
Portugal
continental, para procurar trabalho, de onde poderiam rumar livremente aos
países do espaço Schengen. Não somos etnicamente europeus? Também não o são as
populações das regiões administrativas francesas: Martinica, Guadalupe, Guiana
Francesa, Maurícia e Reunião. Ou dos diversos territórios britânicos
ultramarinos que preferiram abdicar de uma ilusória independência, como:
Anguilla, Acrotíri e Decelia, Bermudas, Malvinas, Gibraltar, Ilhas Caymans,
Ilhas Virgens Britânicas, Montserrat, Pitcairn, Santa Helena, Ascensão e
Tristão da Cunha, etc. Isto para não falar dos que estão sob a tutela dessa
Holanda que no passado acolheu a nossa gente: Aruba, Curaçau, São Martinho e
Países Baixos Caribenhos.
Mas,
orgulhosamente, ou talvez crentes numa qualquer predestinação, preferimos ficar
“sozim na munde”, sem medir as consequências, sobretudo as futuras.
Alguns
poderão observar que caso estivéssemos na mesma condição
político-administrativa das restantes ilhas da Macaronésia, isto é, com
possibilidade de transitar livremente pelo espaço comunitário, poderiam as
nossas ilhas ficar esvaziadas de gente. Talvez não, porque haveria certamente
outras condições de vida e, por conseguinte, mais trabalho. Alguém sai da sua
terra de ânimo leve, mormente da nossa, que apesar de tudo tem “tcheu cosa
sabe”?
Para
terminar, porque voltei a ser prolixo, comento estas palavras do artigo do
blogue: “Sobre este assunto, ouvimos de um alto responsável do País que a
emigração é boa e importante porque corresponderá a uma maior remessa de
divisas”. Os autores analisaram muito bem estas palavras, que considero
lamentáveis, duvidando que pudessem ser proferidas por um governante mais sagaz
ou atento. Pois, são assassinas, porque denunciam a pouca crença do governante
no futuro do seu país, o que afinal só confirma as considerações por nós aqui
feitas. Jamais e em tempo algum remessas de divisas podem substituir ou
compensar a fuga da inteligência e da força produtiva de um país, a menos que
este se conforme com a precariedade do seu destino. Pensar desse modo é admitir
que uma vantagem imediata é suficiente para adiar ou iludir o futuro.
Um
abraço amigo para os autores.
Adriano
Lima
Mário de Sá Barbosa disse:
Acabo
de ler o vosso artigo sobre a emigração de jovens, uma sangria irreparável de
que Cabo Verde sofre, sem quaisquer perspectivas de estancamento ou inversão
Cumprimento-vos
pela vossa coragem ao abordarem um tema tão sensível e, sobretudo por apontarem
os responsáveis por essa hemorragia.
Sempre
que me desloco em Lisboa, sobretudo quando utilizo transportes públicos,
constato esta tragédia que atinge a população jovem das antigas colónias de
Portugal. Virem vender a sua força de trabalho, por patacos, em tarefas que o
português não está disposto a desempenhar. A Guiné tem uma imensa colónia de
nacionais, sobretudo na construção civil, os homens, e nas limpezas, as
mulheres. Trabalhos difíceis, mal remunerados, e precários. Parece que o
círculo de pobreza, que os trouxe até cá não os deixa.
É
claro que os responsáveis, quer os revolucionários de 25ª hora e a classe
política actual, são incapazes de admitir o erro e, por isso, iniciarem um
ciclo de aproveitamento dos poucos recursos de que Cabo Verde dispõe.
Por
agora, ainda não começaram a acontecer episódios graves de violência racista.
Mas a sua ocorrência, na minha opinião, será inevitável, atendendo ao surto
imigratório, não caucasiano, e à existência de uma associação nazi com uma
forte representação parlamentar.
Contaram-me
um episódio que terá acontecido durante a visita do Marcelo à Guiné, que
reflecte o triste espectáculo que vocês descrevem passar-se à porta dos
consulados de Portugal, na Praia e no Mindelo. Diz que cantavam, "No misti
vistu, no misti vistu!"
Continuar
a defender, volvidos mais de 50 anos, toda a teoria do Cabral sobre a luta de
libertação, como se fosse um oráculo, parece-me, à luz da realidade, uma
atitude que não prima pela honestidade.
Quando
vieres a Portugal, espero ter oportunidade de me elucidares sobre as reacções
da classe política a este vosso polémico e "incómodo" artigo.
Parabéns
para a Ondina e para ti!
Abraços
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