No verso da cicatriz, de Bento Baloi, e Pétalas negras ou a sombra do inanimado, de Belmiro Mouzinho, são os livros laureados na primeira edição do Prémio Literário Mia Couto. O primeiro livro distinguiu-se no género romance e o segundo no género poesia. O anúncio foi feito esta quinta-feira à noite, na Cidade da Beira.
A
cerimónia do anúncio dos vencedores da primeira edição do Prémio Literário Mia
Couto foi marcada para 17 horas desta quinta-feira, na Casa do Artista, na
Cidade da Beira. Por motivos profissionais, Bento Baloi não pôde viajar de
Tete, onde vive e trabalha, para a Beira, local onde a Associação Kulemba e a
Cornelder de Moçambique organizaram a iniciativa que pretende estimular a
produção literária.
Assim,
para não pensar na cerimónia ou algo assim, o escritor foi jogar voleibol com
amigos, na Escola Secundária de Tete. Depois de umas horas de entrega ao
desporto, sim, chegou a casa, pegou no telemóvel e reparou que tinha perdido
muitas chamadas. Também reparou que tinha muitas mensagens por ler. Abriu a
primeira e ficou a saber que era o grande vencedor do género romance, na
primeira edição do Prémio Literário Mia Couto.
Entre
o momento que leu a mensagem e a expectativa entre o que se iria seguir, Bento
Baloi pensou em todos aqueles que, com edição, conversas, conselhos e ideias, contribuíram
para que o seu No verso da cicatriz se tornasse uma boa ficção. “A todos
os que contribuíram para que o livro fosse possível, eu agradeço com muito
apreço”.
Segundo
confessou Bento Baloi, sente-se muito satisfeito por ter conquistado um prémio
prestigiante. “Este é o meu terceiro livro e, pela primeira vez, ganho um
prémio literário. Nós, como autores, nunca pensamos nos prémios, mas,
claramente, este reconhecimento nos dá força para continuarmos a trabalhar
mais”.
Dito
isso, Bento Baloi acrescentou que, com a distinção, espera que o seu terceiro
livro (segundo romance) possa atrair o interesse de mais leitores.
“No
verso da cicatriz, de Bento Baloi, é um romance que desafia não só as
crenças e o horizonte de expectativas do leitor, mas a sua sensibilidade e a
sua estabilidade emocional. O efeito catártico da narração se impõe de forma
inapelável, convocando a dor, o sofrimento, o drama humano, a desilusão e a
degeneração dos valores sociais”, refere uma nota de imprensa do Prémio
Literário Mia Couto.
Ao
contrário de Bento Baloi, Belmiro Mouzinho conseguiu viajar de Nacala, onde
vive, até à Cidade da Beira. Chegou na manhã desta quinta-feira e participou na
cerimónia do anúncio dos vencedores da primeira edição do Prémio Literário Mia
Couto.
Pétalas negras ou a sombra do inanimado é o seu primeiro livro. Escreveu em 2021, em menos de 12
meses. Também por isso, Belmiro Mouzinho sente-se privilegiado por conquistar
um prémio na sua estreia em livro. “Claro que isto traz uma grande motivação,
já que comecei a escrever há muito tempo. Sinto-me feliz por ter sido abençoado
por esta oportunidade”.
Com
o prémio, “A expectativa está alta e sinto que tenho de trabalhar muito mais.
Mas hoje recebi um conselho sábio, sobre trabalhar sem pressa. Tenho muitos
trabalhos, mas não vou publicar tão já. Vou aprimorar para que sejam ainda
melhores do que este que foi premiado”.
“Pétalas
negras ou a sombra do inanimado, de Belmiro Mouzinho, é um livro de poesia
que reflecte o encanto que a arte do verso exerce na vida do poeta, pois, para
si, tudo o que as pessoas vêem e tocam, tem poesia. Nesta sua estreia em livro,
Belmiro Mouzinho assume-se como um poeta rebelde e inconformado. Em parte, isso
corresponde à sua maneira de ver as coisas à sua volta”, avança uma nota de
imprensa sobre o prémio.
Com
a distinção, Bento Baloi e Belmiro Mouzinho recebem, cada 400 mil meticais.
A decisão do júri
A
primeira edição do Prémio Literário Mia Couto teve como membros do júri
Francisco Noa (Presidente), Fátima Mendonça, Teresa Manjate, Tânia Macedo e
Daniel da Costa, que, para a avaliação das obras concorrentes, estabeleceram os
seguintes critérios: Criatividade, Domínio técnico, Correcção linguística e
Densidade.
Assim,
segundo o júri, o romance No verso da cicatriz destaca-se por ser um livro
corajoso e muito bem escrito, apresentando a estruturação do enredo premissas
bem delineadas, conflitos definidos de maneira que a História e as estórias se
entrelaçam perfeitamente. Destaca-se o facto de esta corajosa narrativa se
inspirar em sombrios acontecimentos ocorridos em Moçambique, logo após a
Independência (encarceramento das Testemunhas de Jeová, Operação Produção e
Guerra dos 16 anos), alguns dos quais remetidos ao esquecimento ou rasurados.
Ao fazê-lo, acrescenta o júri, o autor, através de procedimentos narrativos bem
conseguidos, transformou essa realidade empírica numa odisseia densa e
dramática, de poderoso efeito catártico.
Quanto
a Pétalas negras ou a sombra do inanimado, segundo a acta do júri,
destaca-se por apresentar-se em termos de singularidade criativa, herdeiro da
modernidade literária, com versos longos a desenharem um mundo muitas vezes
desencantado, onde a concretização do desejo nem sempre é sinónimo de
encontros. Trata-se de uma poesia com uma marcada profundidade temática bem
como a nível da construção poética, em que se reconhece uma escrita cuidada,
densidade interpelativa, dados os questionamentos existenciais aliados a uma
crítica sociopolítica e dos costumes muito subtil, mas corrosiva, maturidade na
articulação entre palavra e pensamento e um investimento estético assinalável
traduzido em imagens de belo efeito.
Sobre os autores
Bento Baloi
nasceu em 1968 no Vieira, bairro de Maxaquene, cidade de Maputo. Fez iniciação
literária escrevendo contos e poemas publicados em páginas de especialidade de
revistas e jornais moçambicanos. Dedicou parte significativa da sua carreira ao
teatro escrevendo, dirigindo e interpretando papéis em peças, tanto de palco
como de rádio. São da sua autoria as peças de teatro «Lágrimas»; «Grito
Humano»; «Adão e Eva, Ámen»; «Alarme»; «Katina P, o Flagelo». Escreveu os
bailados «O Filho do Povo» e «Raízes e Percursos», encenados por Pérola Jaime. Recados
da Alma é o seu romance de estreia e foi publicado em 2016. Publicou pela
Índico Editores em 2021, o livro de crónicas Arca de Não É, com relatos
do drama vivido aquando do ciclone Idai, na cidade da Beira.
Belmiro Mouzinho nasceu a 07 de Maio de 1994, na Cidade de Quelimane,
Província da Zambézia. É um dos membros fundadores do Círculo Académico de
Letras e Arte de Moçambique. É estudante de Engenharia Eléctrica no Instituto
Superior Politécnico e Universitário de Nacala. Tem participação em diversas
antologias internacionais publicadas no Brasil. Inspira-se na poesia de
Florbela Espanca. José dos Remédios – Moçambique in “O País”
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