O Ministério dos Negócios Estrangeiros australiano está
alegadamente a tentar censurar partes do primeiro de dois volumes da história
de operações militares australianas em Timor-Leste, o dedicado à Interfet,
segundo a imprensa australiana
Os
jornais Fairfax noticiaram que o projeto – que abrange uma história detalhada
das operações militares da Austrália em Timor-Leste, no Afeganistão e no Iraque
– “está em perigo de colapso com alegações de que burocratas estão a tentar
censurar o primeiro volume”.
Segundo
os jornais, a história deveria ter sido publicada há dois meses, mas o
lançamento foi adiado por “resistência sem precedentes por parte do Governo,
especialmente do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Marise Payne”.
Craig
Stockings, o historiador responsável pelo projeto do Australian War Memorial,
terá dado a conhecer a sua “frustração” pelos sucessivos atrasos e “pelas
principais mudanças exigidas pelos burocratas” ao texto final.
Fontes
do jornal admitem que é “normal” que o Governo dê feedback sobre projetos desta
natureza, mas que, neste caso, as objeções do MNE vão “muito além dos limites”.
“Várias
fontes, incluindo uma que trabalhou no volume, disse que o Governo queria
grandes mudanças no projeto para amenizar as revelações sobre as ações das
autoridades australianas e militares indonésios durante o destacamento em 1999
e 2000”, refere o jornal.
“Como
está escrita, a história poderia irritar os indonésios e humilhar os burocratas
seniores australianos que, em retrospetiva, parecem excessivamente acomodados
com a Indonésia e as suas ações”, refere uma fonte académica citada pelo
jornal.
Fontes
citadas pelo jornal refere que o texto de Stockings “neutraliza a narrativa
triunfante pós-evento e mostra verdades desagradáveis” sobre o comportamento
australiano causando “preocupação sobre quão brutais e francos são as
avaliações sobre o que ocorreu".
Um
porta-voz do MNE australiano disse que o departamento tem vindo a colaboral com
o War Memorial neste projeto desde 2016, dando acesso aos seus arquivos
classificados e disponibilizando pessoas para serem ouvidas.
“Fizemos
comentários e continuaremos engajados de forma construtiva em todos os volumes
da História Oficial”, disse o porta-voz.
Numa
mensagem na sua conta no Twitter, o então ministro dos Negócios Estrangeiros,
australiano, Alexandre Downer, defende que o livro deveria ser publicado.
“Marise
Payne [atual ministra dos Negócios Estrangeiros] deveria permitir a publicação
da história oficial da Interfet. Eu era ministro dos Negócios Estrangeiros na
altura e a história deve ser contada”, escreveu Downer.
À
Lusa, o académico australiano Clinton Fernandes – autor de vários livros e
artigos sobre Timor-Leste – disse que as notícias da alegada censura não o
surpreendem, tendo em conta a postura de Camberra relativamente ao assunto.
“Não
me surpreende que haja resistência a um livro que descreve o papel australiano
no período, que foi um de total solidariedade com os militares indonésios”
disse Fernandes, ex-militar australiano, responsável pela Timor Desk da Força
de Defesa Australiana e atualmente professor de Estudos Políticos e
Internacionais na Universidade de NSW-Camberra.
Fernandes
disse que o livro – que terá mais de 400 mil palavras – está pronto “há quase
um ano” e que poderia ter sido lançado no passado dia 20 de setembro, quando se
cumpriram 20 anos da entrada dos militares australianos em Timor-Leste.
“Pergunto-me
se esta censura é parte da razão pela qual o livro não foi lançado aquando da
visita do primeiro-ministro australiano a Dili durante os 20 anos do referendo
ou depois no aniversário da Interfet”, afirmou.
“Teria
sido uma ocasião ideal para lançar uma história oficial como esta”, disse.
O
académico diz que a ação de Camberra neste caso se assemelha à que as
autoridades tomaram há 15 anos aquando da publicação de um dos seus livros
sobre Timor-Leste, “Reluctant Saviour” em que “a coisa não foi tão
benigna, tendo chegado a ameaçar processar-se caso publicasse”.
A
história oficial das operações em Timor-Leste, Afeganistão e Iraque foi
encomendada pelo então primeiro-ministro Tony Abbott em 2015, tendo sido
acordados seis volumes, dois quais um relativo à Interfet – entre 1999 e 2000 –
e outro do período entre 2000 e 2012.
Stockings,
que integrou a Força Internacional para Timor-Leste (Interfet), é autor do
volume sobre a Interfet e os historiadores Andrew Richardson e William
Westerman são autores das duas partes do segundo volume.
Não
foi possível à Lusa obter um comentário de Stockings. “Agência Lusa”
Sem comentários:
Enviar um comentário