Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Macau – É necessário aumentar a consciencialização sobre os Direitos da Criança

No ano em que se comemoram três décadas da Convenção sobre os Direitos da Criança, várias associações vão para a rua, num conjunto de eventos programados um pouco por todo o território. A Associação Berço da Esperança, Associação Promotora de Aleitamento e Cuidados Infantis de Macau, Associação de Luta contra os Maus Tratos a Crianças de Macau e Centro Bom Pastor juntaram-se para dar forma a uma série de actividades agendadas para 23 de Novembro. Pequenos e graúdos são convidados a aprender mais sobre os direitos das crianças



A 20 de Novembro de 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovava a Convenção sobre os Direitos da Criança – um tratado ratificado hoje por 196 países, que pretende conferir protecção a crianças e adolescentes atribuindo-lhes quatro direitos fundamentais: à vida, ao desenvolvimento, à protecção e participação. Em Macau aplicou-se a partir de Setembro de 1998. No ano em que se comemora o 30º aniversário desde que foi assinada em Nova Iorque, algumas associações do território encontram-se a preparar actividades direccionadas a crianças e adultos, cujo objectivo é aumentar a consciencialização sobre a importância de a colocar em prática.

As actividades pensadas para dia 23 de Novembro, que decorrerão no Jardim da Areia Preta, entre as 15:00 e as 18:00, contam, entre outros, com o apoio do Instituto de Acção Social. Os jogos pretendem, entre outros, ajudar as crianças a “expressar-se melhor”. Por exemplo, o Centro do Bom Pastor terá um puzzle sobre a Convenção, enquanto a Associação Berço da Esperança deixou ao cargo das suas crianças a tarefa de pensar e desenhar os jogos didácticos para esta ocasião.

A ideia de unir esforços para fazer um evento de “maiores dimensões” surgiu o ano passado, logo após a realização de actividades semelhantes mas a uma menor escala, explica Marjory Vendramini, da Associação Berço da Esperança, em entrevista ao Jornal Tribuna de Macau. Além destas quatro associações, haverá ainda outras instituições localizadas em diferentes espaços do território mas com a mesma missão.

“Nesta Convenção [sobre os Direitos das Crianças] há várias partes sobre as quais as pessoas não têm consciência. Através de actividades, como jogos, esperamos poder ajudar crianças e adultos a perceber estes direitos, aumentando assim a consciência da sociedade civil”, acrescenta Virginia Tam, presidente da Associação Promotora de Aleitamento e Cuidados Infantis de Macau, sublinhando que a cultura acaba por ser um dos maiores obstáculos na aplicação da Convenção. “Não estou a dizer que nos países ocidentais são mais educados e que a consciência é maior, mas é a forma como os professores ensinam as crianças. Temos de quebrar as regras e fazer com que as crianças tenham voz”, clarifica.

Também o desconhecimento é notável entre a sociedade, prosseguiu, explicando que a Convenção faz referência, por exemplo, às “vantagens do aleitamento materno” na nutrição da criança, algo que muitas vezes passa despercebido quando se fala sobre os seus direitos.

Por isso mesmo, Marjory Vendramini defende que “é necessário uma mudança de cultura” e explica: “Em Macau vive-se muito em função da hierarquia, a criança está sempre abaixo. Quando promovemos os seus direitos, não é uma questão de ter um poder acima do dos adultos, mas sim uma questão de chegarmos ao nível dela, vestirmos a pele dela e perceber aquilo de que precisa”. Na sua perspectiva, ainda que se saiba, na teoria, que as crianças usufruem de diversos direitos, muito poucas vezes a criança “está no centro das decisões”, apontando este como um dos maiores desafios com que se depara no dia-a-dia.

Bondy Li, presidente da Associação de Luta contra os Maus Tratos a Crianças de Macau, observa que “há alguns anos a promoção dos direitos não era tão ampla” e as escolas consideravam ser um tema com pouca relevância. Se “raramente encorajavam as crianças a participar neste tipo de actividades”, nos últimos tempos a mudança tem sido considerável. “As escolas passaram a perceber a importância do tema e os pais já levam as crianças ao nosso centro para este tipo de actividades”, frisou.

Por sua vez, Chan Man Ian, assistente social do Centro do Bom Pastor, diz que entre os chineses “há um preconceito de que bater nas crianças é uma coisa normal”, sendo, assim, mais difícil divulgar os princípios pelos quais se regem estas associações. Porém, desde que entrou em vigor a Lei de Prevenção e Combate à Violência Doméstica “gradualmente as pessoas têm vindo a perceber que bater nas crianças não é correcto e que, mesmo o conflito entre casais, também afecta o seu bem-estar”.

“Estou a fazer tudo o que é do melhor interesse da criança?”

As quatro consideram que, em termos dos direitos das crianças, ainda há muito fazer, mas, a pouco e pouco, o território está a caminhar na direcção certa, até porque, por exemplo, anteriormente a Comissão dos Assuntos das Mulheres e Crianças cingia-se apenas às Mulheres, tendo sido alterado o seu modo de funcionamento em 2016.

Também o facto de Macau, Hong Kong e China terem de remeter um relatório às Nações Unidas acaba por constituir uma “motivação” para o trabalho que desenvolvem. Em Agosto, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ) estava a elaborar o terceiro relatório relativo à aplicação em Macau da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil da ONU, abrangendo o período entre Janeiro de 2013 e 31 de Dezembro de 2018.

Marjory Vendramini diz que o Governo “tem limitações”, porém, “já fez muito” neste campo. Mas este muito “nunca é suficiente”. “A mudança de cultura, de mentalidades não é algo fácil, mas, desde há dois anos, o Governo está muito aberto”, observa, acrescentando que a Comissão “está a começar a ter alguma energia” para mudar o cenário.

Porém, a presidente da Associação Berço da Esperança afirma que o Governo sozinho não pode fazer tudo e que é necessário apoio das organizações não governamentais, escolas e comunidade. “Cada uma das nossas associações representa uma comunidade e podemos influenciar os que estão à nossa volta e esses devem depois influenciar os próximos. A comunidade deve fazer um esforço e lutar. Acredito que o Governo está aberto a isso e, se pedirmos, fará mais”, entende Marjory Vendramini.

Na sua perspectiva o mote para perceber-se se está de facto a pensar na criança é cada um perguntar a si próprio: “Estou a fazer tudo o que é do melhor interesse da criança?”. Se assim for, “acho que as coisas podem mudar”, afirma. “Quando colocamos as crianças numa família de acolhimento, estamos a fazê-lo tendo em conta o melhor interesse da criança? Quando as escolas estão a ensinar, ensinam de acordo com o que é do melhor interesse da criança ou é algo que o Governo acha ser o melhor?”, questiona Marjory.

Uma das maiores ambições das associações é que se arranje forma de dar ouvidos “às nossas crianças”, mas mais que isso, se consiga actuar em conformidade com as suas necessidades. Marjory, Virginia, Bondy e Chan acreditam que “é um processo” até que se atinja a meta, mas não apenas em Macau. “Nos outros países acontece o mesmo. É um processo ao qual as comunidades têm de se ir adaptando”, reflectem. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”

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