No ano em que se comemoram três décadas da Convenção
sobre os Direitos da Criança, várias associações vão para a rua, num conjunto
de eventos programados um pouco por todo o território. A Associação Berço da
Esperança, Associação Promotora de Aleitamento e Cuidados Infantis de Macau,
Associação de Luta contra os Maus Tratos a Crianças de Macau e Centro Bom
Pastor juntaram-se para dar forma a uma série de actividades agendadas para 23
de Novembro. Pequenos e graúdos são convidados a aprender mais sobre os direitos
das crianças
A
20 de Novembro de 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovava a
Convenção sobre os Direitos da Criança – um tratado ratificado hoje por 196
países, que pretende conferir protecção a crianças e adolescentes
atribuindo-lhes quatro direitos fundamentais: à vida, ao desenvolvimento, à
protecção e participação. Em Macau aplicou-se a partir de Setembro de 1998. No
ano em que se comemora o 30º aniversário desde que foi assinada em Nova Iorque,
algumas associações do território encontram-se a preparar actividades
direccionadas a crianças e adultos, cujo objectivo é aumentar a
consciencialização sobre a importância de a colocar em prática.
As
actividades pensadas para dia 23 de Novembro, que decorrerão no Jardim da Areia
Preta, entre as 15:00 e as 18:00, contam, entre outros, com o apoio do
Instituto de Acção Social. Os jogos pretendem, entre outros, ajudar as crianças
a “expressar-se melhor”. Por exemplo, o Centro do Bom Pastor terá um puzzle
sobre a Convenção, enquanto a Associação Berço da Esperança deixou ao cargo das
suas crianças a tarefa de pensar e desenhar os jogos didácticos para esta
ocasião.
A
ideia de unir esforços para fazer um evento de “maiores dimensões” surgiu o ano
passado, logo após a realização de actividades semelhantes mas a uma menor
escala, explica Marjory Vendramini, da Associação Berço da Esperança, em
entrevista ao Jornal Tribuna de Macau. Além destas quatro associações, haverá
ainda outras instituições localizadas em diferentes espaços do território mas
com a mesma missão.
“Nesta
Convenção [sobre os Direitos das Crianças] há várias partes sobre as quais as
pessoas não têm consciência. Através de actividades, como jogos, esperamos
poder ajudar crianças e adultos a perceber estes direitos, aumentando assim a
consciência da sociedade civil”, acrescenta Virginia Tam, presidente da
Associação Promotora de Aleitamento e Cuidados Infantis de Macau, sublinhando
que a cultura acaba por ser um dos maiores obstáculos na aplicação da
Convenção. “Não estou a dizer que nos países ocidentais são mais educados e que
a consciência é maior, mas é a forma como os professores ensinam as crianças.
Temos de quebrar as regras e fazer com que as crianças tenham voz”, clarifica.
Também
o desconhecimento é notável entre a sociedade, prosseguiu, explicando que a
Convenção faz referência, por exemplo, às “vantagens do aleitamento materno” na
nutrição da criança, algo que muitas vezes passa despercebido quando se fala
sobre os seus direitos.
Por
isso mesmo, Marjory Vendramini defende que “é necessário uma mudança de
cultura” e explica: “Em Macau vive-se muito em função da hierarquia, a criança
está sempre abaixo. Quando promovemos os seus direitos, não é uma questão de
ter um poder acima do dos adultos, mas sim uma questão de chegarmos ao nível
dela, vestirmos a pele dela e perceber aquilo de que precisa”. Na sua
perspectiva, ainda que se saiba, na teoria, que as crianças usufruem de
diversos direitos, muito poucas vezes a criança “está no centro das decisões”,
apontando este como um dos maiores desafios com que se depara no dia-a-dia.
Bondy
Li, presidente da Associação de Luta contra os Maus Tratos a Crianças de Macau,
observa que “há alguns anos a promoção dos direitos não era tão ampla” e as
escolas consideravam ser um tema com pouca relevância. Se “raramente
encorajavam as crianças a participar neste tipo de actividades”, nos últimos
tempos a mudança tem sido considerável. “As escolas passaram a perceber a
importância do tema e os pais já levam as crianças ao nosso centro para este
tipo de actividades”, frisou.
Por
sua vez, Chan Man Ian, assistente social do Centro do Bom Pastor, diz que entre
os chineses “há um preconceito de que bater nas crianças é uma coisa normal”,
sendo, assim, mais difícil divulgar os princípios pelos quais se regem estas
associações. Porém, desde que entrou em vigor a Lei de Prevenção e Combate à
Violência Doméstica “gradualmente as pessoas têm vindo a perceber que bater nas
crianças não é correcto e que, mesmo o conflito entre casais, também afecta o
seu bem-estar”.
“Estou a fazer tudo o que é do melhor interesse da
criança?”
As
quatro consideram que, em termos dos direitos das crianças, ainda há muito
fazer, mas, a pouco e pouco, o território está a caminhar na direcção certa,
até porque, por exemplo, anteriormente a Comissão dos Assuntos das Mulheres e
Crianças cingia-se apenas às Mulheres, tendo sido alterado o seu modo de
funcionamento em 2016.
Também
o facto de Macau, Hong Kong e China terem de remeter um relatório às Nações
Unidas acaba por constituir uma “motivação” para o trabalho que desenvolvem. Em
Agosto, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ) estava a
elaborar o terceiro relatório relativo à aplicação em Macau da Convenção sobre
os Direitos da Criança e do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos
da Criança relativo à Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à
Pornografia Infantil da ONU, abrangendo o período entre Janeiro de 2013 e 31 de
Dezembro de 2018.
Marjory
Vendramini diz que o Governo “tem limitações”, porém, “já fez muito” neste
campo. Mas este muito “nunca é suficiente”. “A mudança de cultura, de
mentalidades não é algo fácil, mas, desde há dois anos, o Governo está muito
aberto”, observa, acrescentando que a Comissão “está a começar a ter alguma
energia” para mudar o cenário.
Porém,
a presidente da Associação Berço da Esperança afirma que o Governo sozinho não
pode fazer tudo e que é necessário apoio das organizações não governamentais,
escolas e comunidade. “Cada uma das nossas associações representa uma
comunidade e podemos influenciar os que estão à nossa volta e esses devem
depois influenciar os próximos. A comunidade deve fazer um esforço e lutar.
Acredito que o Governo está aberto a isso e, se pedirmos, fará mais”, entende
Marjory Vendramini.
Na
sua perspectiva o mote para perceber-se se está de facto a pensar na criança é
cada um perguntar a si próprio: “Estou a fazer tudo o que é do melhor interesse
da criança?”. Se assim for, “acho que as coisas podem mudar”, afirma. “Quando
colocamos as crianças numa família de acolhimento, estamos a fazê-lo tendo em
conta o melhor interesse da criança? Quando as escolas estão a ensinar, ensinam
de acordo com o que é do melhor interesse da criança ou é algo que o Governo
acha ser o melhor?”, questiona Marjory.
Uma
das maiores ambições das associações é que se arranje forma de dar ouvidos “às
nossas crianças”, mas mais que isso, se consiga actuar em conformidade com as
suas necessidades. Marjory, Virginia, Bondy e Chan acreditam que “é um
processo” até que se atinja a meta, mas não apenas em Macau. “Nos outros países
acontece o mesmo. É um processo ao qual as comunidades têm de se ir adaptando”,
reflectem. Catarina Pereira – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
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